São Paulo, terça-feira, 03 de abril de 2001

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INTEGRAÇÃO EM RISCO

Para ministro, é difícil a Argentina dizer não a tratado de livre-comércio com os norte-americanos

Cavallo diz que aceita acordo só com EUA

DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

O novo homem-forte da Argentina, o ministro da Economia, Domingo Cavallo, já avisou ao governo brasileiro: se os Estados Unidos apresentarem à Argentina uma proposta de negociação bilateral para a formação de uma área de livre-comércio, "será muito difícil resistir a ela".
Por enquanto, Cavallo continua achando que o melhor mesmo é negociar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) em conjunto com o Brasil e demais membros do Mercosul (Paraguai e Uruguai).
Mas, segundo o ministro, a pressão da opinião pública argentina seria irresistível, se houvesse um aceno norte-americano para uma negociação direta.
Do outro lado do rio da Prata, no Uruguai, o chanceler Didier Opertti manifesta opinião semelhante, em entrevista ao jornal local "El Observador".
As posições dos dois altos funcionários é a mais cristalina evidência de que o Mercosul, a menina-dos-olhos da diplomacia brasileira, entra dividido e na sua maior crise desde a criação há 10 anos exatamente na negociação mais complexa de sua agenda.
De todo modo, na superfície, tudo parece na mais perfeita ordem. Ontem, mal desembarcou em Buenos Aires para a série de reuniões do CNC (Comitê de Negociações Comerciais, principal grupo técnico da Alca), o chefe da delegação brasileira, embaixador José Alfredo Graça Lima, se reuniu com seus pares do Mercosul.
Diz ter encontrado a mesma predisposição de negociar em bloco e dentro dos prazos que o Brasil defende.
"O espírito continua o mesmo de Miami", avalia Graça Lima, em alusão ao fato de que, na Cúpula de 1994, naquela cidade norte-americana, havia ficado decidido que as negociações seriam concluídas até 2005, prazo que o Brasil continua defendendo.
A impressão de Graça Lima pode até ser correta, porque os negociadores argentinos pertencem ao Ministério de Relações Exteriores, sob o comando de Adalberto Rodríguez Giavarini, defensor do Mercosul.
O Ministério da Economia, chefiado por Cavallo, é que tem sérias dúvidas em relação ao bloco, o que justifica sua pressa em negociar diretamente com os Estados Unidos.
Mas Graça Lima acredita que o interesse da Argentina é manter-se colada ao Brasil na negociação com os norte-americanos, no que seria a melhor maneira de sair lucrando algo com a Alca.

Déficit comercial
É uma visão compartilhada por um especialista argentino, Jorge Carrera (Universidade Nacional de La Plata). Ele mostra que, nos últimos 30 anos, a Argentina teve déficit comercial com os EUA (mais importou do que exportou).
"A Argentina é um dos poucos países do mundo que têm forte déficit com os EUA. Não conseguimos, em nove anos, ser suficientemente competitivos, apesar de uma impressionante bateria de reformas estruturais", escreve o especialista.
Mais: "Não seria fácil para o setor industrial sobreviver como algo minimamente articulado a uma abertura rápida e generalizada com os EUA".
Tudo somado, Carrera defende um "Mercosul consolidado" como o melhor caminho para a Argentina. "Teremos um mercado grande para nos inserirmos competitivamente no comércio internacional e uma plataforma para negociar de forma mais equilibrada a Alca", conclui o especialista.
Até sexta-feira, quando se encerram as reuniões do CNC, e no sábado, quando se reúnem os ministros de Relações Exteriores e Comércio da Alca, ficará ao menos um pouco mais claro se o Mercosul continuará sendo "uma plataforma" para negociar a Alca ou se entra em crise terminal.



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