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Lista de trabalho escravo tem dono da Gol
Constantino de Oliveira, presidente do Conselho da empresa, está em relação do Ministério do Trabalho desde 2004
Empresário diz que ficou indignado com situação da fazenda na Bahia e
que já deixou sociedade no empreendimento
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente do Conselho de
Administração da Gol, o empresário Constantino de Oliveira, 75, está há 27 meses no
cadastro dos empregadores
que exploram trabalhadores
chamados de "escravos". A lista, mantida pelo Ministério do
Trabalho, exibe seu nome desde dezembro de 2004.
A propriedade da qual ele era
sócio, a Fazenda Agrícola Tabuleiro, tinha 259 trabalhadores em condições análogas a de
escravos em agosto de 2003, de
acordo com o Ministério do
Trabalho. À época da vistoria
dos fiscais do trabalho, os donos foram multados em cerca
de R$ 180 mil.
Seu Nenê, como é conhecido,
disse ter ficado tão indignado
com a situação que vendeu a fazenda (leia texto ao lado).
A propriedade fica em Correntina, um município de 30
mil habitantes no extremo oeste da Bahia, a 919 km de Salvador. Lá, seu Nenê e o sócio André Gomes Ribas cultivavam algodão, soja e feijão.
Os trabalhadores libertados
catavam raízes para limpar o
terreno. Eles ganhavam de R$
15 a R$ 27 por alqueire catado.
Havia também pagamento por
dia trabalhado: de R$ 6 a R$ 15.
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do
Trabalho e a Polícia Federal foram até a fazenda após receberem a reclamação de um trabalhador de que lá funcionava um
esquema que envolvia trabalho
escravo, "gatos" (os aliciadores
dos trabalhadores) e condições
degradantes.
A caracterização de trabalho
escravo aparece no relatório do
Grupo Especial de Fiscalização
Móvel da seguinte maneira:
" * Havia segurança armada?
Sim."
" * Impediram o deslocamento do trabalhador? Sim."
" * Sistema barracão - servidão por dívida? Sim."
" * Violência por parte do "gato" ou proprietário? Sim."
Na operação, a PF apreendeu
duas espingardas calibre 22,
um revólver calibre 38, uma espingarda calibre 36 e cinco espingardas de fabricação artesanal.
A servidão por dívida ocorre
quando o trabalhador tem gastos com alimentação e moradia
que muitas vezes ultrapassam
os seus ganhos. Com isso, ele
está sempre devendo e não pode deixar o trabalho.
"Os empregados eram obrigados a trabalhar todos os dias
da semana, sem direito a nenhum dia para repouso", diz o
relatório. Eles dormiam em
barracas de lona plástica, sem
banheiro, e "eram obrigados a
comer gordura da carne bovina,
quando não a carne bovina estragada". Os fiscais fizeram fotos da carne estragada.
Feijão, arroz, açúcar, café e
refrigerantes eram vendidos
por preços que chegavam ao
dobro do que se cobra na região. A fazenda fica a 90 km do
centro urbano mais próximo e
não havia como sair de lá. Pelo
menos seis trabalhadores precisavam de atendimento médico de urgência.
Seu Nenê é também o maior
empresário de ônibus da América Latina -tem 13 mil veículos distribuídos em mais de 30
viações- e o maior comprador
da Mercedes-Benz.
Em 2000, ele criou a Gol com
um investimento de cerca de
US$ 20 mil. Atualmente, a empresa vale mais de R$ 6 bilhões.
Constantino de Oliveira Junior, presidente da Gol e filho
de seu Nenê, disse sobre a performance da companhia aérea:
"Foi a maior criação de valor da
história da América Latina".
O cadastro de empregadores
de trabalhadores em situação
análoga à de escravo foi criado
em 2004 pelo Ministério do
Trabalho e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos como uma forma de constranger
socialmente os que recorrem a
esse tipo de mão-de-obra.
O termo trabalho escravo é
aplicado àqueles que não tem
nenhum direito trabalhista
-em muitos casos, nem a salário, já que os intermediadores
desse tipo de mão de obra retêm os vencimentos para abater supostos adiantamentos
que fizeram.
Seu Nenê é o 17º nome de
uma lista de 169 infratores. O
nome de um infrator é retirado
do cadastro assim que ele regulariza a situação dos funcionários e paga as multas ao Ministério do Trabalho. Os que são
reincidentes nos últimos dois
anos não saem da lista.
Há ainda aqueles que conseguem ficar fora do cadastro por
decisão judicial. O site do ministério informa que há 34 casos de exclusão por meio de decisão judicial.
Entre 1995 e março deste
ano, os fiscais do trabalho já libertaram 21.774 trabalhadores
em situações análogas à de escravo. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) já fez
elogios reiterados à maneira
com que o Brasil combate esse
tipo degradante de trabalho.
Já fizeram ou fazem parte do
cadastro os deputados federais
Inocêncio Oliveira (DEM-PE)
e Beto Mansur (PP-SP) e o senador João Ribeiro (PR-TO).
Todos negam que tenham explorado trabalho escravo.
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