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CÚPULA GLOBAL
Números trilionários do G20 ocultam ação tímida
Maior parte dos valores anunciados ao final do encontro não é recurso novo
Quando todos os números são somados, em lugar de US$ 1,1 tri, total de novos compromissos parece ficar abaixo de US$ 100 bilhões
CHRIS GILES
DO "FINANCIAL TIMES", EM LONDRES
O premiê britânico, Gordon
Brown, declarou que ontem foi
"o dia em que o mundo se uniu
para combater a recessão, não
com palavras, e sim com um
plano para a recuperação e a reforma econômica". Ele afirmou
que os estímulos fiscais globais,
os maiores "que o mundo já
viu", chegam a US$ 5 trilhões e
que haveria um novo "programa de apoio para restaurar o
crédito, o crescimento e os empregos, na economia mundial",
de US$ 1,1 trilhão.
Os números apresentados ao
final de uma conferência de cúpula internacional precisam
sempre ser examinados com
atenção, especialmente se
quem os estiver apresentando
for o primeiro-ministro britânico. A reputação de Brown por
inflar números, anunciar mais
de uma vez as mesmas medidas
e contar duplamente os valores
envolvidos é bem conhecida.
O número de US$ 5 trilhões
para as medidas de estímulo
fiscal fica bem distante do valor
total de estímulo que os EUA e
o Fundo Monetário Internacional (FMI) desejavam.
Não foi oferecido nenhum dinheiro novo, e o Tesouro britânico, embora tentasse atribuir
o número ao FMI, na verdade
afirmou que ele se referia à elevação cumulativa na captação
dos governos do G20 para o período de 2008 a 2010, ante os
resultados de 2007.
Até mesmo os funcionários
do governo britânico pareciam
sem graça quanto ao número.
Mas como é que aquele total de
US$ 1,1 trilhão foi obtido?
Cerca de metade do valor
-US$ 500 bilhões- representa
a injeção de dinheiro novo no
FMI, de modo que este possa
ter fundos disponíveis em volume suficiente para emprestar
aos países apanhados na crise.
O Japão já havia feito uma
doação unilateral de US$ 100
bilhões, enquanto a União Europeia prometeu outros 75
bilhões (US$ 101 bilhões). Não
houve novos anúncios de verbas por parte de EUA, China e
Arábia Saudita, mas apenas
uma promessa genérica de
bancar um novo esquema de financiamento de US$ 500 bilhões, no qual todos esses compromissos já existentes e dinheiro novo seriam colocados.
Se novos compromissos de
verbas para o FMI pareciam
conspícuos pela ausência, os
US$ 250 bilhões em dinheiro
para DES (Direitos Especiais
de Saque) -a unidade contábil
própria do Fundo- eram novos, mas não tudo o que pareciam ser. Essa política de criar
novos DES, com valor baseado
numa cesta de moedas, é o
equivalente a um relaxamento
quantitativo em escala mundial.
O FMI criará os novos
DES no valor de US$ 250 bilhões e os alocará a seus 186
países integrantes na proporção de suas cotas no Fundo.
É uma medida significativa,
pois representa dinheiro novo
que países pobres poderão converter em dólares, euros, ienes
e libras, mas ainda assim são os
países ricos que receberão a
maior parte das novas reservas
cambiais. O grupo das sete
maiores economias mundiais
receberá, só ele, 44% do total.
No que tange aos financiamentos comerciais, o número
de US$ 250 bilhões não sobrevive a qualquer teste. Um anexo ao comunicado diz que o dinheiro novo oferecido fica entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, e o valor de US$ 250 bilhões representa uma aspiração quanto ao montante de comércio a ser financiado em
dois anos, e não quanto ao valor a ser oferecido para financiamento comercial em si.
Em contraste, os US$ 100 bilhões em dinheiro novo para
empréstimos por instituições
multilaterais de desenvolvimento ficam bem mais perto
da realidade. Parte do dinheiro
está sendo trazida do futuro,
mas larga proporção desses recursos adicionais será financiada com captação nos mercados
internacionais de capital.
Quando todos os números
são somados, em lugar de US$
1,1 trilhão, a soma de novos
compromissos parece ficar
abaixo de US$ 100 bilhões, e a
maioria das medidas já estava
em curso antes da conferência
do G20. Embora inflar compromissos relativamente modestos e antigos de forma a
atingir um número imenso não
faça da reunião um fracasso, o
desejo de produzir números altos a fim de capturar manchetes -aparentemente o principal resultado do encontro- sugere que as divisões e disputas quanto a outras questões devem ter sido consideráveis.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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