São Paulo, sexta-feira, 03 de abril de 2009

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CÚPULA GLOBAL

Números trilionários do G20 ocultam ação tímida

Maior parte dos valores anunciados ao final do encontro não é recurso novo

Quando todos os números são somados, em lugar de US$ 1,1 tri, total de novos compromissos parece ficar abaixo de US$ 100 bilhões


CHRIS GILES
DO "FINANCIAL TIMES", EM LONDRES

O premiê britânico, Gordon Brown, declarou que ontem foi "o dia em que o mundo se uniu para combater a recessão, não com palavras, e sim com um plano para a recuperação e a reforma econômica". Ele afirmou que os estímulos fiscais globais, os maiores "que o mundo já viu", chegam a US$ 5 trilhões e que haveria um novo "programa de apoio para restaurar o crédito, o crescimento e os empregos, na economia mundial", de US$ 1,1 trilhão.
Os números apresentados ao final de uma conferência de cúpula internacional precisam sempre ser examinados com atenção, especialmente se quem os estiver apresentando for o primeiro-ministro britânico. A reputação de Brown por inflar números, anunciar mais de uma vez as mesmas medidas e contar duplamente os valores envolvidos é bem conhecida.
O número de US$ 5 trilhões para as medidas de estímulo fiscal fica bem distante do valor total de estímulo que os EUA e o Fundo Monetário Internacional (FMI) desejavam. Não foi oferecido nenhum dinheiro novo, e o Tesouro britânico, embora tentasse atribuir o número ao FMI, na verdade afirmou que ele se referia à elevação cumulativa na captação dos governos do G20 para o período de 2008 a 2010, ante os resultados de 2007.
Até mesmo os funcionários do governo britânico pareciam sem graça quanto ao número. Mas como é que aquele total de US$ 1,1 trilhão foi obtido? Cerca de metade do valor -US$ 500 bilhões- representa a injeção de dinheiro novo no FMI, de modo que este possa ter fundos disponíveis em volume suficiente para emprestar aos países apanhados na crise.
O Japão já havia feito uma doação unilateral de US$ 100 bilhões, enquanto a União Europeia prometeu outros 75 bilhões (US$ 101 bilhões). Não houve novos anúncios de verbas por parte de EUA, China e Arábia Saudita, mas apenas uma promessa genérica de bancar um novo esquema de financiamento de US$ 500 bilhões, no qual todos esses compromissos já existentes e dinheiro novo seriam colocados.
Se novos compromissos de verbas para o FMI pareciam conspícuos pela ausência, os US$ 250 bilhões em dinheiro para DES (Direitos Especiais de Saque) -a unidade contábil própria do Fundo- eram novos, mas não tudo o que pareciam ser. Essa política de criar novos DES, com valor baseado numa cesta de moedas, é o equivalente a um relaxamento quantitativo em escala mundial.
O FMI criará os novos DES no valor de US$ 250 bilhões e os alocará a seus 186 países integrantes na proporção de suas cotas no Fundo.
É uma medida significativa, pois representa dinheiro novo que países pobres poderão converter em dólares, euros, ienes e libras, mas ainda assim são os países ricos que receberão a maior parte das novas reservas cambiais. O grupo das sete maiores economias mundiais receberá, só ele, 44% do total.
No que tange aos financiamentos comerciais, o número de US$ 250 bilhões não sobrevive a qualquer teste. Um anexo ao comunicado diz que o dinheiro novo oferecido fica entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, e o valor de US$ 250 bilhões representa uma aspiração quanto ao montante de comércio a ser financiado em dois anos, e não quanto ao valor a ser oferecido para financiamento comercial em si. Em contraste, os US$ 100 bilhões em dinheiro novo para empréstimos por instituições multilaterais de desenvolvimento ficam bem mais perto da realidade. Parte do dinheiro está sendo trazida do futuro, mas larga proporção desses recursos adicionais será financiada com captação nos mercados internacionais de capital.
Quando todos os números são somados, em lugar de US$ 1,1 trilhão, a soma de novos compromissos parece ficar abaixo de US$ 100 bilhões, e a maioria das medidas já estava em curso antes da conferência do G20. Embora inflar compromissos relativamente modestos e antigos de forma a atingir um número imenso não faça da reunião um fracasso, o desejo de produzir números altos a fim de capturar manchetes -aparentemente o principal resultado do encontro- sugere que as divisões e disputas quanto a outras questões devem ter sido consideráveis.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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