São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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"Bônus demográfico" turbina crescimento

Combinação de quedas da natalidade e da mortalidade, mais mulheres e adultos produtivos e menos pessoas por lar estimulam economia

Mas analistas advertem que processo, já visto em países desenvolvidos, precisa também de bom ambiente e boas políticas econômicas

Rafael Hupsel/Folha Imagem
A nutricionista Neide Rigo, ao lado do marido e da única filha; "Era gostoso ter família grande, mas não quis reproduzir aquilo"

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Do surgimento da nova classe média brasileira, adotada como marca pelo governo Lula, à redução dos homicídios em São Paulo, reivindicada pelo tucanato no Estado, uma lista crescente de progressos econômicos e sociais dos últimos anos deve ser creditada não apenas aos méritos políticos e administrativos dos governantes, mas também a um fenômeno ao mesmo tempo mais simples e mais amplo -a transformação demográfica do país.
Essa avaliação tem se tornado mais comum entre economistas, sociólogos, geógrafos e outros que analisam os efeitos combinados da queda das taxas de natalidade e de mortalidade; do aumento da proporção de adultos em idade produtiva e da participação feminina no mercado de trabalho; da redução do número de filhos por família e pessoas por domicílio.
É um processo já experimentado pela maior parte do mundo desenvolvido, mas cujas vantagens só começaram a ser notadas nos últimos anos no Brasil. Mais velha e crescendo menos, a população tende a ganhar experiência, produtividade e renda, num processo que pode levar até meio século.
"A demografia pode ser o grande fator propulsor do crescimento [econômico] nas três primeiras décadas do milênio", afirma o pesquisador do IBGE José Eustáquio Diniz Alves. Para ele, os benefícios estão presentes desde a década passada, quando permaneceram encobertos pela sucessão de crises.
Em números: nos últimos 30 anos de progresso econômico acelerado, de 1950 a 1980, a renda criada tinha de atender a uma população que crescia a uma taxa anual de 2,8%. Para o período de 2000 a 2030, estima-se uma taxa média de apenas 0,8%. Mas não é só a quantidade de pessoas que faz a diferença; sua composição tem papel tão ou mais importante.
Nos anos 1960, a população se dividia quase pela metade entre pessoas em idade produtiva e seus dependentes -crianças e adolescentes, na maioria, e idosos. Hoje, a faixa entre 15 e 65 anos é dois terços do total. De lá para cá, a média geral de idade passou de pouco mais de 18 para os 29 anos estimados para 2010. A fecundidade caiu de mais de seis para menos de dois filhos por mulher.
As consequências práticas são muitas: menos crianças significam renda familiar per capita mais alta e condições melhores para a educação; as mulheres trabalham mais com salários mais altos; casais sem filhos e com dupla fonte de rendimento são cada vez mais comuns e formam o topo da classe média; a entrada de jovens no mercado diminui a cada ano, reduzindo a informalidade e elevando os rendimentos.
"Há uma nova dinâmica, que pode produzir um círculo virtuoso de crescimento", diz Yo- shiaki Nakano, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV. Ele crê que a menor entrada de jovens no mercado contribui para a ampliação do emprego formal e a queda da desigualdade de renda.
O assim chamado "bônus demográfico" também começa a ser levado em conta nas políticas públicas. Com base na expectativa de redução da população de 4 a 17 anos, o Ministério da Educação elaborou nota técnica para embasar projeto que estende a toda essa faixa o atendimento escolar obrigatório, que hoje vai dos 6 aos 14.
"A população da mesma faixa etária [4 a 17 anos], que em 2007 era de 47,6 milhões, em 2011 já terá decrescido cerca de 6,5%", diz o ministério, para o qual a transformação permitirá ampliar os serviços de educação sem gastar mais.

Segurança pública
O envelhecimento também pode contribuir para as políticas de segurança pública. Para João Manuel Pinho de Melo e Alexandre Schneider, da Fundação Seade, a queda do percentual de jovens entre 15 e 24 anos também é a principal causa da diminuição da taxa de homicídios em São Paulo -já que essa faixa é estatisticamente a mais propensa ao crime.
Os estudiosos esclarecem, porém, que não estão apresentando uma panaceia. "Seria ingênuo acreditar que um decréscimo no número de nascimentos (...) e uma redução do crescimento populacional resultarão em solução automática dos problemas sociais", escrevem Laura Wong e José Alberto de Carvalho, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais.
Estudo do Banco Mundial encontrou efeitos positivos do bônus demográfico nos países asiáticos chamados de "tigres" devido ao vigoroso crescimento entre as décadas de 1960 e 1990. O texto ressalva, como os especialistas, que a mudança populacional não cria prosperidade sem um bom ambiente e boas políticas econômicas.
Tampouco se pode contar para sempre com os benefícios. "O bônus tem data para acabar", diz Alves, do IBGE. Em questão de poucas décadas, o processo criará uma proporção de idosos dependentes tão custosa quanto a de crianças e adolescentes no passado. É a situação do Japão, país que mais crescia no mundo até a década de 80 e agora está estagnado.
O envelhecimento também implica custos crescentes em saúde e Previdência. "Em 2028, para cada pessoa com mais de 60 anos, teremos 3,3 pessoas com entre 20 e 60, substancialmente menos que os 5,8 atuais, indicando um progressivo comprometimento da base de sustentação da Previdência", prevê documento anexo ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias enviado ao Congresso no mês passado.


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