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"Em vista daquela época, pelo amor de Deus, estou no céu"
VERENA FORNETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A casa da infância não tinha
teto, não tinha nada. Maria
Castro dos Santos, 50, vivia no
interior da Bahia nas décadas
de 1960 e 1970, quando cada
mulher tinha, em média, seis filhos. A mãe teve oito, um a cada
dois anos, numa casa de chão
batido em São Felipe. Na década de 1980, após migrar para
São Paulo, teve só uma criança,
em 25 anos de casamento.
Hoje, Maria é empregada doméstica, está no mesmo emprego há mais de duas décadas
e conseguiu comprar carro,
moto e casa. Devagar, ela e o
marido economizam para
construir mais cômodos e aumentar o espaço para a família.
"Em vista daquela época, pelo
amor de Deus, estou no céu.
Não lucrei muito da minha infância. Com nove anos, eu já estava na roça trabalhando."
Maria não aprendeu a ler,
mas acha que a estabilidade no
trabalho e a família pequena a
ajudaram a melhorar de vida.
"Se tivesse oito filhos, estava
me matando de trabalhar e não
conseguiria nada. Para dar comida a todos, teria que tratar de
qualquer jeito porque não tem
como dar roupa, sapato e estudo. Na roça, tinha como dar comida, mas minha mãe criou todo mundo sem estudo."
A paulistana Neide Rigo, 47,
também veio de família numerosa. Filha de uma costureira e
de um metalúrgico, enquanto a
mãe trabalhava em casa, ela e
os quatro irmãos se esmeravam
para arear as panelas e lustrar
os tacos do assoalho. "Era gostoso ter família grande, mas
não quis reproduzir aquilo.
Quis dar um passo além."
Neide começou a trabalhar
como secretária aos 14 anos, e o
estudo a fez ir mais longe. "Estudei porque comecei a trabalhar cedo e vi outros exemplos,
e não porque meus pais me incentivaram. Quando você começa a trabalhar, sai da periferia, para de seguir o modelo que
está ao lado e quer progredir."
Ela concluiu o ensino médio
em curso noturno e seguiu os
estudos até terminar a faculdade de nutrição. Quando se casou, rompeu o modelo da família numerosa. Tem só uma filha, de 24 anos, que está no último ano do curso de medicina.
Na casa de Karina Bernardes
Pimenta Vieira Gomes, 42, em
Resende (RJ), eram cinco meninas e também havia outro
"espírito do tempo". "Meu pai
dizia: quem não quer estudar
vai casar. Eu casei tarde e quis
ser como a tia Lígia, a primeira
mulher que usou calça comprida em Resende e que sempre
teve o dinheiro dela."
Quando era pequena, Karina
viajava pouco. "Era difícil sair
com cinco crianças." Hoje é
anestesista no Rio e viaja sempre com o marido e os dois filhos. Na última vez, perguntou
a eles: "Patagônia ou Capelinha?", referindo-se ao ponto
turístico perto de Resende.
"Capelinha, mamãe", respondeu Enzo, 6, que, diferentemente dos pais, não se convenceu de que viajar para o exterior seja mais divertido que alimentar galinhas no interior.
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