São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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ARTIGO

Para ser mais feliz, esqueça o otimismo

ALAIN DE BOTTON
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

JÁ ESTÁ claro há algum tempo, desde que começou a conversa sobre os "primeiros sinais" da recuperação, que aquilo que devemos temer acima de tudo é a esperança. A tentativa de confiar em que o pior já passou parece condenada a causar decepções ainda maiores. Não só seremos infelizes como, por acreditarmos que a calma e a felicidade sejam a norma, nos sentiremos ainda mais infelizes.
Chegou a hora de reconhecer o quanto o otimismo com o qual crescemos é estranho e contraproducente. Pelos últimos 200 anos, a despeito de choques ocasionais, o mundo ocidental vive sob o domínio de uma crença no progresso, baseada em realizações científicas e empresariais extraordinárias. De uma perspectiva mais ampla, esse otimismo é uma grande anomalia. Os seres humanos passaram a maior parte da história conhecida extraindo curioso conforto do hábito de esperar o pior. No Ocidente, as lições sobre o pessimismo derivam de duas fontes: os filósofos estoicos romanos e o cristianismo. Talvez seja hora de revisitarmos esses ensinamentos para aliviar nossos pesares.
Se nos concentramos na primeira dessas fontes, o filósofo Sêneca seria o escritor perfeito para o momento. Vivendo em uma era de inquietação política e financeira (Nero ocupava o trono imperial), Sêneca interpretava a filosofia como uma disciplina que servia para nos manter calmos diante de um panorama de constante perigo.
Os consolos que seu pensamento oferecia eram sombrios e inflexíveis: "Você diz que não acreditava que isso aconteceria. Você acredita que haja alguma coisa que não vai acontecer, quando sabe que é possível que aconteça, quando percebe que já aconteceu?". O filósofo tentou acalmar a sensação de injustiça de seus leitores lembrando a eles, no ano 62, que desastres, naturais ou de causa humana, serão sempre parte de nossas vidas, por mais sofisticados e seguros que acreditemos nos termos tornado.
Se não nos atemos ao risco de uma súbita calamidade, nos mercados financeiros ou em qualquer outra parte, e pagamos o preço por nossa inocência, isso acontece porque a realidade compreende duas características cruelmente inconstantes: por um lado, continuidade e confiabilidade que perduram por décadas; por outro, cataclismos inesperados.
Vemo-nos divididos, entre um convite plausível a presumir que o amanhã se assemelhará muito a hoje e à possibilidade de que nos defrontaremos com um acontecimento aterrorizante, depois do qual nada mais voltará a ser o mesmo.
A deusa da fortuna pode distribuir dádivas e depois assistir inerte enquanto uma empresa com 50 anos de história desaparece com velocidade terrível ou um balanço é destruído por ativos tóxicos.

Possibilidades sombrias
Porque aquilo que mais nos fere é o que não esperamos, e porque precisamos esperar por qualquer coisa ("não existe nada que a fortuna não ouse"), é necessário, argumenta Sêneca, que tenhamos em mente o tempo todo a possibilidade dos mais devastadores eventos.
Ninguém deveria fazer um investimento, aceitar o convite para dirigir uma empresa ou depositar dinheiro em um banco sem estar consciente, de um modo que Sêneca desejaria nem repulsivo nem desnecessariamente dramático, das possibilidades mais sombrias.
Dada nossa competência financeira, por muito tempo nos sentimos em controle de nosso destino. Confiamos em gênios matemáticos que nos prometeram "administração de riscos" e criaram derivativos tão complexos que nem ousávamos contemplar seus detalhes. Confiança como essa jamais existiria se adotássemos a mentalidade dos estoicos.
É preciso, enfatizava Sêneca, expandir nosso senso quanto àquilo que pode sair errado em nossas vidas. "Nada nos deveria ser inesperado. Nossas mentes sempre deveriam tentar antecipar todos os problemas e deveríamos considerar não aquilo que deveria acontecer, mas sim aquilo que pode acontecer. O que é o homem? Um vaso que ao menor tremor, ao menor impacto, pode quebrar."
O cristianismo reforçou a mensagem dos estoicos. Ressaltava que, embora os seres humanos possam se esforçar pela perfeição, é um problema e até um pecado supor que ela possa ocorrer na Terra.
Temos nos inclinado a desconsiderar essas mensagens sombrias. A filosofia burguesa moderna deposita firmemente suas esperanças em dois grandes supostos ingredientes para a felicidade: o amor e o trabalho. Mas existe uma imensa e irrefletida crueldade oculta discretamente por sob essa magnânima garantia de que todos encontraremos satisfação aqui.
A questão não é que essas duas entidades sejam invariavelmente incapazes de prover realização, mas que quase nunca o fazem por muito tempo.
Quando uma exceção é confundida com uma regra, nossos infortúnios pessoais, em lugar de nos parecerem aspectos quase inevitáveis da vida, pesam sobre nós como maldições deliberadas. Ao negar a posição natural reservada ao anseio e ao desastre no destino humano, a ideologia burguesa nos nega a possibilidade de consolo coletivo por nossos casamentos conflituosos, ambições inexploradas e carteiras de investimento torpedeadas e nos condena em lugar disso a sentimentos solitários de vergonha e perseguição por termos fracassado em fazer de nós mesmos pessoas maiores.
O certo, em lugar disso, seria que recordássemos grandes vozes pessimistas. Há citações que acalento especialmente para tempos como estes.
Uma é de Sêneca: "Qual é a necessidade de chorar quanto a determinadas partes da vida?
Ela toda pede lágrimas".
A outra é do moralista francês Nicolas de Chamfort: "Um homem engoliria um sapo a cada manhã se isso garantisse que ele não precisaria encarar nada de mais repulsivo pelo restante do dia".


Tradução de PAULO MIGLIACCI

O mais recente livro do filósofo suíço radicado em Londres ALAIN DE BOTTON publicado no Brasil é "A Arquitetura da Felicidade" (editora Rocco, 2007). O escritor lançou no mês passado "The Pleasures and Sorrows of Work" ["Os Prazeres e Pesares do Trabalho"].


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