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"Inflação é de custo, não de demanda"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
É um "equívoco" combater a
inflação no Brasil com juros altos,
segundo o presidente interino, José Alencar.
A seguir, os principais trechos
da entrevista, concedida depois
de encontro com o senador Paulo
Paim (PT-RS).
Pergunta - Os srs. conversaram
sobre a política econômica, fizeram
alguma crítica?
José Alencar - O problema maior
do Brasil é que as taxas de juros
praticadas para combater a inflação são um equívoco, porque a inflação não é de demanda, é de custo. E é de custo também por um
equívoco, que é outra herança nefasta que nós recebemos, que é o
problema desses contratos que
foram feitos nas privatizações.
São os chamados preços e tarifas
administrados que são responsáveis por essa inflação que está aí.
Qualquer economista clássico ensina isso, que você tem de adotar
taxas de juros elevadas para inibir
o consumo e os investimentos. A
taxa de juros elevada é um instrumento que inibe o consumo e os
investimentos. O Brasil está correndo o risco neste ano de pagar
de juros um terço da carga tributária. E aí vocês vão dizer: "Mas vai
pagar?" Não, não vai pagar. Vai
pagar parte, como tem sido. O
Brasil tem pago parte dos juros,
porque o superávit primário é todinho utilizado para juros, porém
não alcança o montante dos juros.
Isso não é de hoje, isso tem sido
assim, isso é herança que nós recebemos. É claro que nós temos
que aplaudir o que foi feito pelo
Ministério da Fazenda, porque
nós, quando assumimos o governo, estávamos sob uma ameaça
de recrudescimento do aumento
de preços no Brasil. Isso é uma
verdade. Porém hoje o mundo está vivendo outra ameaça, qual seja, a da recessão, da deflação, que,
qualquer economista sabe, é tão
danosa quanto a inflação. Como é
que nós que nós vamos gerar emprego, como é que nós vamos acabar com o subemprego sem crescer? E como é que nós vamos crescer se a taxa básica de juros representa 26,5% [ao ano], portanto
um retorno de aplicação em três
anos? Nenhuma atividade produtiva dá retorno em três anos. As
atividades produtivas consideradas boas dão retorno em seis
anos. E são consideradas excelentes.
Pergunta - E se o Copom mantiver
a taxa em 26,5%?
Alencar - Sobre o Copom eu não
falo nada, porque dizem que as taxas de juros não baixaram no mês
passado porque eu falei. Então, de
pirraça, não baixaram. Vocês conhecem a história do sapo? É a seguinte: são Pedro pediu a Deus
que lhe permitisse fazer uma festa
no céu. Deus permitiu, mas sem
dinheiro para gastar com passagem para ninguém. Então só podiam ser convidados os bichos
que voassem, que iam por conta
própria. Mas o sapo quis ir também. E, sabendo
que o urubu ia
com seu violão, se
escondeu no violão do urubu. E foram para o céu. E
lá houve a festa. E
na volta descobriram o sapo. Então, para castigá-lo, ameaçaram jogá-lo. Então ele dizia assim [para se
salvar]: "Pelo
amor de Deus,
não me joga na
água, me joga na
pedra. Me joga na
pedra" [e foi jogado na água]. Então, daqui para a
frente, vou falar:
"Mantenham os
juros, aumentem
os juros". [risos]
Pergunta - O presidente Lula pediu
que o sr. amenizasse as críticas aos
juros?
Alencar - Ninguém me contou
que ele me disse
isso, não. O que eu
vi foi uma entrevista dele condenando essas taxas
de juros que são cobradas pelo
sistema bancário brasileiro.
Pergunta - Ele não falou nada
com o sr.?
Alencar - Não. Ele sabe que eu
sou não só aliado como admirador dele, como grande presidente.
Podem estar certos, o Brasil está
em muito boas mãos. O Lula é um
homem de bem e está tão preocupado quanto qualquer um de nós
com a retomada do crescimento,
está tão preocupado quanto qualquer um de nós com a geração de
oportunidades de emprego, está
mais preocupado do que nós com
o desemprego e ele sabe que, com
essas taxas de juros, não tem como o Brasil retomar o crescimento. Por quê? Porque não pode haver investimentos com essas taxas
de juros. Elas são proibitivas aos
investimentos.
Pergunta - O sr. vai participar de
uma frente informal contra as altas
taxas de juros?
Alencar - Eu não sabia, mas acho
que essa é uma cruzada importante. Eu acho que, se o Brasil inteiro se unir e ajudar na formação
de consciência contra isso, estaremos prestando um grande serviço
ao país, porque o Brasil paga taxas
de juros despropositadas. As taxas básicas de juros, as reais, são
dez vezes superiores às taxas básicas reais dos países com os quais
nós temos que
competir. Isso está errado, não pode continuar.
Pergunta - Alguns técnicos dizem que, se as taxas de juros não forem mantidas nesse nível, o governo
não consegue pagar a dívida...
Alencar - Por isso
é que nós precisamos de decisões
políticas. Isso não
é decisão para
economista, é decisão para político, isso é decisão
para ser tomada
na esfera política.
Pergunta - O sr.
acredita que a decisão sobre os juros
a partir de agora
tenha que ser política?
Alencar - Tem
que ser. Do ponto
de vista de filosofia das taxas de juros, é uma decisão política. Por quê? Porque tecnicamente tem dado errado. Para
vocês terem uma idéia, os empréstimos que são feitos hoje para
as atividades produtivas no Brasil
giram em torno de 20 e poucos
por cento do PIB [Produto Interno Bruto], enquanto em outros
países com os quais nós temos de
competir elas giram em torno de
mais de 100%. Aqui, no Brasil,
mais de 50% dos recursos dos
bancos são aplicados na taxa básica [em títulos públicos].
Pergunta - O sr. não teme que o
governo baixe os juros e depois tenha que subir de novo?
Alencar - Não temo não, porque
acho que o Brasil é um dos países
mais ricos do mundo em recursos
naturais e humanos. O Brasil é
um dos países mais competitivos
no setor primário e em vários segmentos do setor secundário. No
setor primário -tanto a agricultura, como a pecuária, como a mineração- nós somos altamente
competitivos. E, no setor secundário, todas as agroindústrias são
altamente competitivas. E algumas indústrias de base e algumas
indústrias de transformação. Posso dizer isso de cadeira, porque tenho experiência nisso. Há poucos
países tão ricos quanto o Brasil.
Com relação ao povo, nem se fala.
É bom, é pacato, é ordeiro, é inteligente, é versátil, é trabalhador.
Pergunta - Como é possível compatibilizar decisão política com
credibilidade num terreno tão melindroso quanto esse?
Alencar - Tão melindroso que
nós não podemos mantê-lo nesse
patamar que eles [os juros] estão.
Justamente por isso é que eles matam a economia.
Pergunta - O ministro da Fazenda
[Antonio Palocci Filho] disse que o
problema não é a taxa básica de juros, mas os juros cobrados pelos
bancos.
Alencar - Também. Eu concordo
com ele. Há casos de juros de mais
de 100% ao ano. O crédito ao consumidor é tudo acima de 100%.
Isso aí eu já falei, vou repetir. Isso
não é apenas um despropósito, é
um assalto. Nunca houve na história do Brasil maior transferência de renda oriunda do trabalho
em benefício do sistema financeiro. É um absurdo o que está acontecendo, isso mata a economia.
Nós corremos o risco, neste ano,
de pagar de juros um terço da carga tributária.
Pergunta - Qual é a saída?
Alencar - Nós temos que conversar muito sobre isso, e o presidente [Lula] está ciente disso. A nossa
saída pode ser clássica, não precisa ser heterodoxa. Por exemplo, o
Brasil pode sair através do comércio exterior. Pode fomentar exportações para fazer um grande
salto na balança comercial.
Pergunta - O sr. não teme causar
mal ao governo com suas críticas
sobre os juros?
Alencar - Faz de conta que nós
somos todos da mesma família.
Será que nenhum de nós poderia
falar nada porque iria contrariar a
família? Não. Nós somos da mesma família, nós estamos no governo para fazer o Brasil crescer, como falou o presidente Lula. Fazer
o Brasil crescer, gerar empregos e
distribuir a renda nacional.
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