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São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2003

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"Inflação é de custo, não de demanda"

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

É um "equívoco" combater a inflação no Brasil com juros altos, segundo o presidente interino, José Alencar.
A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida depois de encontro com o senador Paulo Paim (PT-RS).
 

Pergunta - Os srs. conversaram sobre a política econômica, fizeram alguma crítica?
José Alencar -
O problema maior do Brasil é que as taxas de juros praticadas para combater a inflação são um equívoco, porque a inflação não é de demanda, é de custo. E é de custo também por um equívoco, que é outra herança nefasta que nós recebemos, que é o problema desses contratos que foram feitos nas privatizações. São os chamados preços e tarifas administrados que são responsáveis por essa inflação que está aí. Qualquer economista clássico ensina isso, que você tem de adotar taxas de juros elevadas para inibir o consumo e os investimentos. A taxa de juros elevada é um instrumento que inibe o consumo e os investimentos. O Brasil está correndo o risco neste ano de pagar de juros um terço da carga tributária. E aí vocês vão dizer: "Mas vai pagar?" Não, não vai pagar. Vai pagar parte, como tem sido. O Brasil tem pago parte dos juros, porque o superávit primário é todinho utilizado para juros, porém não alcança o montante dos juros. Isso não é de hoje, isso tem sido assim, isso é herança que nós recebemos. É claro que nós temos que aplaudir o que foi feito pelo Ministério da Fazenda, porque nós, quando assumimos o governo, estávamos sob uma ameaça de recrudescimento do aumento de preços no Brasil. Isso é uma verdade. Porém hoje o mundo está vivendo outra ameaça, qual seja, a da recessão, da deflação, que, qualquer economista sabe, é tão danosa quanto a inflação. Como é que nós que nós vamos gerar emprego, como é que nós vamos acabar com o subemprego sem crescer? E como é que nós vamos crescer se a taxa básica de juros representa 26,5% [ao ano], portanto um retorno de aplicação em três anos? Nenhuma atividade produtiva dá retorno em três anos. As atividades produtivas consideradas boas dão retorno em seis anos. E são consideradas excelentes.

Pergunta - E se o Copom mantiver a taxa em 26,5%?
Alencar -
Sobre o Copom eu não falo nada, porque dizem que as taxas de juros não baixaram no mês passado porque eu falei. Então, de pirraça, não baixaram. Vocês conhecem a história do sapo? É a seguinte: são Pedro pediu a Deus que lhe permitisse fazer uma festa no céu. Deus permitiu, mas sem dinheiro para gastar com passagem para ninguém. Então só podiam ser convidados os bichos que voassem, que iam por conta própria. Mas o sapo quis ir também. E, sabendo que o urubu ia com seu violão, se escondeu no violão do urubu. E foram para o céu. E lá houve a festa. E na volta descobriram o sapo. Então, para castigá-lo, ameaçaram jogá-lo. Então ele dizia assim [para se salvar]: "Pelo amor de Deus, não me joga na água, me joga na pedra. Me joga na pedra" [e foi jogado na água]. Então, daqui para a frente, vou falar: "Mantenham os juros, aumentem os juros". [risos]

Pergunta - O presidente Lula pediu que o sr. amenizasse as críticas aos juros?
Alencar -
Ninguém me contou que ele me disse isso, não. O que eu vi foi uma entrevista dele condenando essas taxas de juros que são cobradas pelo sistema bancário brasileiro.

Pergunta - Ele não falou nada com o sr.?
Alencar -
Não. Ele sabe que eu sou não só aliado como admirador dele, como grande presidente. Podem estar certos, o Brasil está em muito boas mãos. O Lula é um homem de bem e está tão preocupado quanto qualquer um de nós com a retomada do crescimento, está tão preocupado quanto qualquer um de nós com a geração de oportunidades de emprego, está mais preocupado do que nós com o desemprego e ele sabe que, com essas taxas de juros, não tem como o Brasil retomar o crescimento. Por quê? Porque não pode haver investimentos com essas taxas de juros. Elas são proibitivas aos investimentos.

Pergunta - O sr. vai participar de uma frente informal contra as altas taxas de juros?
Alencar -
Eu não sabia, mas acho que essa é uma cruzada importante. Eu acho que, se o Brasil inteiro se unir e ajudar na formação de consciência contra isso, estaremos prestando um grande serviço ao país, porque o Brasil paga taxas de juros despropositadas. As taxas básicas de juros, as reais, são dez vezes superiores às taxas básicas reais dos países com os quais nós temos que competir. Isso está errado, não pode continuar.

Pergunta - Alguns técnicos dizem que, se as taxas de juros não forem mantidas nesse nível, o governo não consegue pagar a dívida...
Alencar -
Por isso é que nós precisamos de decisões políticas. Isso não é decisão para economista, é decisão para político, isso é decisão para ser tomada na esfera política.

Pergunta - O sr. acredita que a decisão sobre os juros a partir de agora tenha que ser política?
Alencar -
Tem que ser. Do ponto de vista de filosofia das taxas de juros, é uma decisão política. Por quê? Porque tecnicamente tem dado errado. Para vocês terem uma idéia, os empréstimos que são feitos hoje para as atividades produtivas no Brasil giram em torno de 20 e poucos por cento do PIB [Produto Interno Bruto], enquanto em outros países com os quais nós temos de competir elas giram em torno de mais de 100%. Aqui, no Brasil, mais de 50% dos recursos dos bancos são aplicados na taxa básica [em títulos públicos].

Pergunta - O sr. não teme que o governo baixe os juros e depois tenha que subir de novo?
Alencar -
Não temo não, porque acho que o Brasil é um dos países mais ricos do mundo em recursos naturais e humanos. O Brasil é um dos países mais competitivos no setor primário e em vários segmentos do setor secundário. No setor primário -tanto a agricultura, como a pecuária, como a mineração- nós somos altamente competitivos. E, no setor secundário, todas as agroindústrias são altamente competitivas. E algumas indústrias de base e algumas indústrias de transformação. Posso dizer isso de cadeira, porque tenho experiência nisso. Há poucos países tão ricos quanto o Brasil. Com relação ao povo, nem se fala. É bom, é pacato, é ordeiro, é inteligente, é versátil, é trabalhador.

Pergunta - Como é possível compatibilizar decisão política com credibilidade num terreno tão melindroso quanto esse?
Alencar -
Tão melindroso que nós não podemos mantê-lo nesse patamar que eles [os juros] estão. Justamente por isso é que eles matam a economia.

Pergunta - O ministro da Fazenda [Antonio Palocci Filho] disse que o problema não é a taxa básica de juros, mas os juros cobrados pelos bancos.
Alencar -
Também. Eu concordo com ele. Há casos de juros de mais de 100% ao ano. O crédito ao consumidor é tudo acima de 100%. Isso aí eu já falei, vou repetir. Isso não é apenas um despropósito, é um assalto. Nunca houve na história do Brasil maior transferência de renda oriunda do trabalho em benefício do sistema financeiro. É um absurdo o que está acontecendo, isso mata a economia. Nós corremos o risco, neste ano, de pagar de juros um terço da carga tributária.

Pergunta - Qual é a saída?
Alencar -
Nós temos que conversar muito sobre isso, e o presidente [Lula] está ciente disso. A nossa saída pode ser clássica, não precisa ser heterodoxa. Por exemplo, o Brasil pode sair através do comércio exterior. Pode fomentar exportações para fazer um grande salto na balança comercial.

Pergunta - O sr. não teme causar mal ao governo com suas críticas sobre os juros?
Alencar -
Faz de conta que nós somos todos da mesma família. Será que nenhum de nós poderia falar nada porque iria contrariar a família? Não. Nós somos da mesma família, nós estamos no governo para fazer o Brasil crescer, como falou o presidente Lula. Fazer o Brasil crescer, gerar empregos e distribuir a renda nacional.


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