São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A madame gastava demais


Consumo baixa, banqueiros perdem a cabeça e senhores do universo de Wall Street temem perder as mulheres

O "NEW YORK Times" começou a contar "histórias da crise" de sua cidade e de seus ricos, os senhores do universo das finanças. No domingo, relatava o caso de uma advogada de divórcios de gente milionária que recebeu um cliente desesperado. O cliente esse acha que a mulher vai dispensá-lo, pois a renda do casal caiu para "apenas" US$ 8 milhões (R$ 13 milhões) por ano -era de US$ 20 milhões antes da crise (o amor parece lindo em Wall Street). Ricos, diz o "NYT", vendem jóias para não passar nos cobres obras de arte e o Bentley (o que "daria na cara") a fim de ajudar filhos desempregados em Wall Street etc.
No mundo quase real das pessoas comuns, americanos deixam de comprar o bife do churrasco e a TV nova por causa de dívidas, desemprego crescente e da gasolina a quase US$ 4 (mais barata que no Brasil). Desde a explosão da crise, em outubro, a taxa real anualizada de crescimento do consumo está em 0,7% (anualizada). Um indicador da produção industrial registrou em maio contração pelo quarto mês seguido.
Depois da lambança da cumplicidade com a bolha de crédito imobiliário, as agências de classificação de risco fazem seu serviço habitual.
Chegam depois das batalhas e matam os feridos. A Standard & Poor's (S&P) baixou ontem a nota de crédito de Lehman Brothers, Merrill Lynch e Morgan Stanley e deixou na marca do pênalti as notas do Bank of America e do JPMorgan (a S&P foi a primeira a elevar a nota de crédito da dívida brasileira a grau de investimento). Trata-se aqui dos maiores bancos e bancos de investimento dos Estados Unidos. A razia da S&P azedou o mercado americano ontem, mas isso é fichinha perto dos problemas bancários reais.
O presidente do Wachovia, quarto maior banco dos EUA, perdeu a cabeça, como Chuck Prince, do Citi, e Stan O'Neal, do Merrill Lynch. Os bancos do Estados Unidos tapam rombos levantando capital a um custo maior do que o cobrado em empréstimos externos da República Federativa do Brasil e de grandes empresas brasileiras. O buraco imobiliário virou assunto sem graça e fora de moda, mas continua a crescer.
O preço das casas nas maiores 25 cidades está 14% menor que em maio do ano passado. Logo, o calote continua. Logo, os papéis imobiliários dos bancos ainda perdem valor. O segundo trimestre de balanços ainda será vez tetricamente divertido. Não foi por outro motivo que puseram para fora, com desonra, o presidente do Wachovia.
O FMI revisou para cima (sic) a taxa de crescimento da eurolândia neste ano. Previa PIB 1,4% maior em março, agora estima alta de 1,75% -OK, sempre cuidado com previsões do FMI. Mas a Europa dos 15 cresceu 2,6% em 2007. E o FMI estima crescimento de 1,2% para 2009.
Taxas de juros reais negativas nos Estados Unidos estão ajudando a inflacionar o planeta, que também com essa ajuda continua a crescer, em especial os emergentes, e a auxiliar as contas externas americanas (a balança comercial tirou os EUA do vermelho no primeiro trimestre).
"O pior já passou" (isto é, não haverá uma catástrofe explosiva graças ao US$ 1 trilhão de apoio do Fed ao sistema financeiro), mas o que é ruim continua. A crise tende a ser de digestão encruada, lenta e enjoada.

vinit@uol.com.br


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