São Paulo, quarta-feira, 03 de junho de 2009

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ARTIGO

Ainda não é hora de países apertarem política fiscal

Aumento no rendimento dos títulos dos Estados Unidos deve ser encarado de forma positiva, como uma reacomodação do mercado após período de pânico

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

SERÁ QUE os EUA (e outros países de alta renda) estão a caminho do apocalipse fiscal? Os recentes saltos nos rendimentos dos títulos dos governos servem como prova de que os investidores estão preocupados com as perspectivas fiscais? Minhas respostas a essas perguntas são não e não. O que não quer dizer que não existam motivos para preocupação, e sim que há poderosos argumentos contrários a uma reacomodação fiscal imediata e fortes motivos para receber de forma positiva os recentes movimentos nos mercados de títulos.
Na semana passada, o "Financial Times" publicou dois artigos que argumentavam que o percurso fiscal atual dos EUA era insustentável, o primeiro de John Taylor, economista da Universidade Stanford, e o segundo do historiador Niall Ferguson (Harvard). Este último, por sua vez, era um comentário sobre um debate em abril que envolveu, entre outros, Paul Krugman, Nobel de Economia.
Quanto a um ponto os analistas sérios concordam: a dívida pública não pode subir sem limites com relação ao PIB. Para que seja possível adotar medidas de estímulo no curto prazo, é necessário que haja credibilidade em longo prazo.
Assim, qual é o desacordo?
Ferguson oferece três proposições: a primeira é que a recente alta nos rendimentos dos títulos do Tesouro norte-americano demonstra que o mercado está "vacilando" diante das imensas emissões do governo; a segunda, que grandes déficits fiscais são tanto desnecessários quanto contraproducentes. E, por fim, a de que existe motivo para temer um desfecho inflacionário. São opiniões bastante difundidas. Mas procedem?
O primeiro ponto é incorreto, a julgar das provas. A alta nos rendimentos dos títulos representa uma normalização desejável depois de um pânico.
Os investidores correram para o dólar e os títulos do governo.
Agora estão correndo na direção oposta. Bem-vindo ao estonteante mundo dos mercados financeiros.
Agora tratemos da política fiscal. O argumento apresentado pelos oponentes é o de que o uso de política fiscal é sempre desnecessário e inefetivo ou, como sugere Ferguson, o de que ele é redundante, porque não estamos vivendo uma "Grande Depressão". Os monetaristas argumentam que a política fiscal é sempre desnecessária, porque a expansão monetária cuida do problema. Os economistas que acreditam na "equivalência ricardiana" -em menção a David Ricardo, economista do início do século 19- argumentam que a política fiscal é inefetiva porque os domicílios compensarão os gastos adicionais do governo por meio de uma elevação em seu índice de poupança.
Os economistas discordam ferozmente com relação a essas questões. Minha abordagem é "keynesiana": em momentos extremos, o excesso de poupança desejada com relação ao investimento dispara. Uma vez mais, a política monetária, embora importante, torna-se menos efetiva quando os juros estão em zero. Portanto, é sábio usar tanto um cinto monetário como suspensórios fiscais.
Uma profunda recessão prova que existe uma grande alta em termos de poupança desejada excessiva, em situação de pleno emprego, como argumenta Krugman. No momento, portanto, os déficits fiscais não estão excluindo o setor privado do mercado. Estão trazendo-o ao mercado, em lugar disso, ao estimular a demanda, que sustenta o nível de emprego e promove o lucro.
Ferguson argumenta que a expansão fiscal é desnecessária, pois a recessão é amena.
Mas a questão é por que a recessão parece amena quando há precursores de uma depressão claramente presentes.
A resposta está, em parte, nas agressivas respostas monetárias dos BCs e nos resgates ao sistema financeiro. Mas isso é tudo? O que teria acontecido se os governos tivessem decidido reduzir seus gastos e elevar impostos? Pode-se discordar quanto ao nível de relaxamento monetário requerido. Mas um dos motivos mais importantes para que não tenhamos uma nova Grande Depressão é que aprendemos uma lição com as experiências da primeira e com o acontecido no Japão nos anos 90: não se deve apertar cedo demais a política fiscal. Além disso, as economias bem administradas se provaram capazes, historicamente, de sustentar de modo confortável um nível mais elevado de dívida pública.

Inflação
O que nos conduz à última preocupação: o medo da inflação. A questão gira sobre como abandonar as políticas extremas ora em uso. As pessoas precisam acreditar que as políticas fiscais e monetárias agressivas em uso atualmente serão revertidas. Caso não o façam, pode haver uma alta considerável nas expectativas inflacionárias muito antes que a economia mundial se recupere. Caso isso aconteça, as autoridades estariam sob dolorosa pressão e o mundo poderia mesmo recuar a uma estagflação ao modo dos anos 70.
As políticas excepcionais utilizadas para enfrentar circunstâncias extremas estão funcionando. Agora, como resultado, as autoridades estão caminhando sobre uma corda bamba: de um lado, a retirada prematura e a volta a uma profunda recessão; do outro, a disparada das expectativas inflacionárias e a estagflação. É irresponsável insistir tanto em um aperto imediato quanto em políticas permanentemente frouxas. Os EUA e o Reino Unido correm agora o risco desse segundo desfecho. Mas seus críticos correm o risco de cometer um erro igual e oposto. A resposta é clara e complicada: será necessário adotar um aperto severo, mas não ainda.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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