São Paulo, Quinta-feira, 03 de Junho de 1999
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Agricultura encabeça debate Mercosul-UE

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

Os países do Mercosul encaminharam documento aos da UE (União Européia) no qual exigem que a negociação entre os dois blocos para a eventual construção de uma área de livre comércio não exclua setor algum.
Na prática, significa que o Mercosul não negociará se alguns países europeus, encabeçados pela França, insistirem em deixar de fora a área agrícola.
A negociação entre Mercosul e UE será, em princípio, a cereja do bolo na conferência de cúpula UE-América Latina e Caribe, que reunirá, no Rio, 48 chefes de Estado e governo, a partir do dia 28.
Mas, para que a cereja não perca o viço, é fundamental que a Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado de 15 países, obtenha um mandato negociador, que só pode ser concedido pelo Conselho Europeu, formado pelos chefes de governo.
A 26 dias da cúpula do Rio, o mandato ainda não saiu, mas o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, principal negociador brasileiro, manifestou ontem a esperança de que ele ainda seja concedido, na reunião do dia 21 do Conselho Europeu.
Na sua viagem à Europa, em abril, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse aos três primeiro-ministros com os quais se avistou (da Alemanha, Portugal e Reino Unido) que, sem o mandato negociador, não há como iniciar negociações "sérias" em torno da área de livre comércio.
O raciocínio exposto pelos países do Mercosul a seus pares europeus é lógico: a abertura que promoveram em suas economias, em sintonia com uma tendência internacional dos anos 90, não produziu simetria para "segmentos importantes da pauta de exportação do Mercosul", como diz o embaixador Castro Neves.
Em termos concretos: como a Europa mantém fortemente protegida sua agricultura, área em que o Mercosul é muito competitivo, a balança comercial entre os dois blocos passou a produzir sistemáticos déficits justamente para o lado pobre, que é o Mercosul.
A divergência entre as partes, em todo caso, pode ser resolvida (ou adiada) por um segundo parâmetro estabelecido pelo Mercosul, este consensual: a negociação seguirá a fórmula do que o jargão diplomático chama de "single undertaking". Significa que, mesmo que haja acordo em 99 de hipotéticos 100 itens da pauta, todos só entram em vigor quando se chegar a um entendimento em torno do 100º.
Com isso, a negociação agrícola poderia começar agora, mas seus resultados só valeriam, por exemplo, quando terminasse a discussão sobre agricultura também prevista para este ano no calendário da OMC (Organização Mundial do Comércio).

O espetáculo
Sem a cereja, a cúpula do Rio tende a se transformar em um formidável espetáculo para a mídia, dada a presença de grande número de governantes, do britânico Tony Blair ao coronel venezuelano Hugo Chávez, do cubano Fidel Castro ao alemão Gerhard Schroeder, habituais estrelas do jornalismo internacional.
Espetáculo à parte, estará de todo modo montado o palco para um grande show de oratória e de retórica.
O programa da cúpula prevê dois documentos finais: um político, a "Declaração do Rio de Janeiro", em que as partes manifestarão a clássica vontade política de intensificar seu relacionamento; e um anexo detalhando as prioridades para chegar ao objetivo.
Prevê também três sessões de trabalho entre os governantes, tratando dos seguintes temas: diálogo político (aí entram a democracia, a governabilidade, o combate à pobreza, entre outros temas); diálogo econômico/comercial (o forte será o debate em torno da reforma da arquitetura do sistema financeiro internacional); e o diálogo sobre educação, cultura e direitos humanos (ou, como diz o jargão da diplomacia alemã, o fortalecimento "dos laços entre os povos").


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