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OPINIÃO ECONÔMICA
A rede de proteção social
MIGUEL JORGE
Ao eleger como principal marca de seu governo a rede
de proteção social tecida para reduzir nossa pobreza, o presidente
Fernando Henrique Cardoso tocou no tema mais presente no debate dos candidatos à sua sucessão. O social é o território mais visado pelos discursos dos políticos
em suas pregações -prometem-se remédios para idosos a R$ 1,
grupos para combater desigualdades, mais investimentos na área
social, novos programas para reduzir a pobreza e muito mais. Para confundir mais, alguns adversários do governo aplaudem os
programas sociais nos quais nunca acreditaram -afirmavam, como lembrou o presidente, que ele
se preocupava mais com o mercado que com o povo. Será verdade?
Até os críticos da política econômica vêem consistência nesses
programas e curvam-se aos dados
do Censo 2000 do IBGE, que mostraram um Brasil melhor do que o
presidente recebeu, mesmo com
as distorções regionais. Entende-se: se, no Brasil rico, morre-se
muito de câncer e de doenças cardíacas, por exemplo, fenômeno
que atinge com mais rigor EUA,
Japão, Canadá etc., neste ano a
mortalidade infantil ficará abaixo
da meta da Organização Mundial
da Saúde. Pela primeira vez na
história, o número fica abaixo de
30 crianças menores de um ano
mortas por mil nascidas vivas
(29,6), superando todas as estimativas das Pesquisas Nacionais
por Amostragem de Domicílio
(de 33 a 34 no fim da década de
90).
As estatísticas também registram evolução na educação: apesar da má qualidade do ensino e
da baixa escolaridade (no Nordeste, 17,9% das pessoas têm menos de um ano de estudo), mais
crianças vão às escolas e por muito mais tempo -na pré-escola, a
taxa de escolarização subiu de
37,2% para 71,9%. Mas nem tanto
ao mar nem tanto à terra no social: ao falar para famílias pobres
de oito cidades fluminenses que
receberam os primeiros cartões
do cidadão, o presidente admitiu
que há muito a fazer e reagiu ao
que talvez considere, com certa
razão, falta de imaginação, demagogia ou oportunismo de seus adversários.
Esses cartões permitirão que 9,3
milhões de famílias com renda de
até meio salário mínimo (46 milhões de pessoas) recebam na Caixa Econômica Federal recursos
dos cinco principais programas
sociais do governo -Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Fim do
Trabalho Infantil, Agente Jovem e
Auxílio-Gás. Isso é um novo esforço para uma distribuição mais
justa da renda, pois mais da metade das pessoas empregadas em
2000 ganhava muito menos de
dois mínimos.
O Programa Saúde da Família já
atende 50 milhões de brasileiros
socialmente excluídos, quase um
terço da população, beneficiada
também pelo ingresso a cada mês
de 600 novos agentes comunitários de saúde -médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem
etc.-, que já chegam a quase 200
mil. Ao festejar a marca, o presidente quis mostrar que o social
não é bandeira de partidos, mas
da sociedade, e que governo, empresas e ONGs nunca postergaram as demandas sociais, ainda
que muitos denunciem -também com razão- o desperdício
de recursos. No ano passado, cerca de R$ 4,7 bilhões, ou quase
0,5% do PIB, foram destinados
pelas empresas brasileiras a projetos sociais, conforme recente estudo do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, o que significa que 59% delas investem no
social.
Entre as que possuem mais de
500 empregados, 88% têm ações
para comunidades carentes
-dessa ofensiva contra a pobreza participam até microempresas
(54%). Mas reduzir a pobreza não
é tarefa para duas ou três gerações, como disse o presidente. É
preciso tornar cada vez mais ágeis
os mecanismos para combatê-la,
fechando-se os buracos por onde
escoam os recursos -cada brasileiro recebe menos de dez centavos de cada dólar que o governo
investe no setor-, impedindo
que eles desapareçam nas malhas
da burocracia estatal.
Mas também não se pode menosprezar a estabilidade econômica. O ajuste econômico e a disciplina fiscal são medidas desagradáveis e, embora o brasileiro
comum ainda não entenda bem
isso, continuarão servindo para
tornar ainda mais abrangente a
rede de proteção social. É impossível ignorar seus benefícios no
combate à pobreza -de 1996 para cá, as pessoas com insuficiência
alimentar no país caíram de 34
milhões para 22 milhões, segundo
dados apresentados à Cúpula
Mundial da Alimentação, na sede
da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, em Roma.
É preciso, finalmente, destacar
que as desigualdades sociais não
são uma peculiaridade brasileira,
pois a própria ONU considera que, apesar da produção abundante de alimentos, uma em cada sete pessoas no planeta não tem nada para comer. Os candidatos à
Presidência da República, tão sensíveis à questão social, ajudariam muito no combate à pobreza no Brasil se afinassem os seus discursos e apresentassem à sociedade brasileira programas sociais mais abrangentes, eficazes e realistas em termos econômicos.
Miguel Jorge, jornalista, é vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Santander Banespa.
Hoje, excepcionalmente, a coluna de Antonio Barros de Castro não é
publicada.
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