São Paulo, domingo, 03 de julho de 2005

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SÓ NO PAPEL

Investigações revelam que esquema já está disseminado em atividades como couro, bebidas, palha de aço e açúcar

Exportação fictícia abrange vários setores

Valterci Santos/"Gazeta do Povo"
Navio é carregado no porto de Paranaguá (Paraná), com soja para exportação; esquema de venda fictícia atinge outros setores


DA REPORTAGEM LOCAL

O esquema de exportação fictícia identificado com a soja, segundo revelaram investigações do Ministério Público do Estado de São Paulo, está disseminado em vários setores -como couro, bebidas, palha de aço e açúcar.
Na última sexta-feira, auditores fiscais descobriram em São Paulo uma empresa de couro -de fachada- que movimentava cerca de R$ 30 milhões por ano. Essa empresa estaria ligada a um esquema de falsas exportações. O estabelecimento não comporta o movimento declarado, segundo auditores fiscais. A suposta venda do produto para o exterior era feita pelo porto de Paranaguá (PR) por uma empresa farmacêutica.
Não é irregular uma empresa de um setor exportar um produto fora do seu ramo, desde que isso conste de seu contrato social. Dessa forma, uma fábrica de panelas pode, por exemplo, exportar soja. O problema é que a exportação do produto não ocorre -é falsa, segundo mostram as investigações.
No caso da exportação fictícia que envolve a soja, identificada pela Receita, Secretaria da Fazenda paulista e MPE, as empresas atraídas para exportar (com o objetivo de obter vantagens fiscais) teriam sido induzidas pelas quatro consultorias tributárias envolvidas no esquema. Algumas dessas empresas declararam a auditores fiscais que chegaram a consultar juristas antes de exportar e obtiveram pareceres favoráveis.
A Folha teve acesso a um folheto de uma consultoria que vende o "business" tributário para empresas de São Paulo. Na propaganda, a consultoria destaca que poderá proporcionar "uma economia considerável" para a empresa, além de facilitar a forma de pagamento de seus serviços: "Destacamos que todos os pagamentos dos custos de operação serão realizados após a sobra financeira no caixa do cliente, relativos a essa operação".
Algumas exigências feitas pela consultoria são: 1) a empresa deve recolher tributos federais acima de R$ 100 mil; 2) deve constar do contrato que a empresa pode comercializar e exportar "qualquer produto"; e 3) a empresa deve pagar tributos (federais e estaduais) para poder descontar os créditos obtidos com a exportação.
Para atrair o cliente, a consultoria destaca ainda que "intermediará o processo de aquisição de matéria-prima, industrialização e da performance de exportação por meio de uma trading, que se responsabilizará pela aquisição e exportação do produto acabado".
As "caçadoras de créditos perdidos" -como essas consultorias são chamadas pelos auditores fiscais- informam aos clientes que vão cuidar "do transporte, da armazenagem da soja, do produto acabado e dos documentos relativos à exportação". Dessa forma, a consultoria consegue "amarrar" a operação e atrai o cliente para a exportação fictícia.
Numa das propagandas, as consultorias simulam ganhos fiscais para o cliente entender o quanto, na prática, pode economizar se exportar. No exemplo, uma empresa que exportar R$ 6,5 milhões em derivados de soja terá custo (entre eles, os honorários da consultoria) de R$ 320 mil e obterá crédito fiscal de R$ 1,7 milhão.
As investigações mostraram também que, no esquema de exportação fictícia de soja, o preço do grão chegava a custar mais do que o produto beneficiado -o que seria um indício de operação fraudulenta. Também foi constatado que uma das tradings que fariam a exportação não tinha nem sequer registro no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Outros casos
Há cerca de três semanas, donos e diretores da Schincariol foram presos, durante a Operação Cevada, realizada pela Polícia Federal e da Receita Federal, por suposta sonegação fiscal. Uma das acusações é a exportação fictícia. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro. A cervejaria nega as acusações.
Em março, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), do MPE, recebeu denúncias de que a empresa Bombril teria realizado várias exportações fictícias durante os últimos dois anos.
Relatório de um escritório de investigação, encaminhado ao Gaeco, revela que só no ano passado a empresa aumentou em 800% as exportações para a Bolívia. A venda adicional de US$ 1,7 milhão ao mercado boliviano é questionada porque "esse valor corresponderia a aproximadamente dez anos de fornecimento de produtos à Bolívia". Nas investigações, são apontadas várias empresas de fachada que participariam do esquema. A atual direção da companhia afastou pelo menos seis funcionários suspeitos de participar do esquema de falsa exportação, segundo a Folha apurou com a empresa.

Elisão e evasão
O planejamento tributário não significa deixar de cumprir as obrigações com os fiscos federal, estadual e municipal. Encontrar brechas na lei que permitam pagar menos tributos -a chamada elisão fiscal- é legal. O que é ilegal é encontrar formas de evasão fiscal -que significa o não-pagamento de tributos.
Um dos escritórios de advocacia campeões em oferecer aos clientes a elisão fiscal -Oliveira Neves & Associados- foi alvo, na última quinta-feira, de uma operação da Polícia Federal, da Receita e do Ministério Público Federal por suposta prática criminosa na área fiscal. Teria oferecido a 50 empresas o serviço de "blindagem patrimonial" -ou seja, a possibilidade de esconder bens e fugir do pagamento de tributos.
(CLAUDIA ROLLI E FÁTIMA FERNANDES)

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