São Paulo, segunda-feira, 03 de agosto de 2009

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Associações de classe lideram casos de concorrência desleal

Na SDE, 54% dos processos abertos envolvem sindicatos patronais e associações

Sindicatos de agências de viagem, tradutores, avicultores e da indústria de chocolates são investigados por combinar preços

JULIO WIZIACK
DA REPORTAGEM LOCAL

A SDE (Secretaria de Desenvolvimento Econômico) está fechando o cerco contra associações e sindicatos que supostamente ajudariam as empresas de seu setor a formarem cartéis ou adotarem condutas anticompetitivas. Motivo: dos atuais 294 processos em andamento, 158 envolvem entidades de classe (54%).
Na sexta-feira, a Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens), do Rio de Janeiro, foi processada. A SDE acusa a associação de ter mandado ofício aos seus afiliados, em 2002, determinando a cobrança de R$ 50 por hora trabalhada na elaboração de cada pacote internacional e de R$ 30, no doméstico. Para a SDE, isso configura padronização de conduta comercial, uma prática ilegal.
Já a UBA (União Brasileira de Avicultores) foi processada, em maio, porque seu presidente, Ariel Mendes, teria recomendado às produtoras de frango afiliadas uma redução de 20% da produção, passando para 400 milhões de frangos por mês até março passado.
O objetivo seria evitar o excesso de oferta decorrente da queda das exportações, um reflexo da crise mundial. Com isso, a UBA e seus associados teriam forçado a alta do preço dos frangos no mercado interno.
Também processado em maio, o Sintra (Sindicato Nacional de Tradutores) divulgou em seu site uma tabela de preços de serviços de tradução que, pelo processo, servia para "os profissionais balizarem os seus preços pelo setor mais bem remunerado do mercado". A SDE entendeu que nesse caso também houve uma tentativa de nivelar os preços por cima.
Em julho foi a vez da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim e Derivados) e da ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura).
A Abicab e seu presidente, Getulio Ursulino Netto, também respondem pela tentativa de elevação combinada de preços de ovos de Páscoa em 8%, neste ano, em relação a 2008.
O caso da ABTA é diferente. Em meados de 2008, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) suspendeu a cobrança do ponto extra pelas operadoras de TV paga. A ABTA entrou então com uma ação judicial contra a decisão.
Segundo a SDE, a associação publicou então um comunicado em seu site, orientando seus afiliados a não cumprirem as determinações da Anatel. As operadoras também teriam deixado de oferecer o ponto extra aos consumidores até que o caso fosse julgado pela Justiça.
A Folha conseguiu falar com quatro das cinco associações. Elas negam as práticas lesivas às concorrências e preparam sua defesa à SDE.

Antecedentes
Segundo o advogado Marcel Medon Santos, que já atuou na SDE, a grande quantidade de processos envolvendo as associações reflete, em parte, a herança histórica. Nos anos 80 e 90, era comum que os sindicatos participassem com o governo na definição de preços de produtos e serviços. "Com a abertura da economia e a desindexação dos preços, as associações perderam essa função", diz Santos. "O problema é que muitas ainda se sentem à vontade com esse tipo de prática."
Os resultados para os concorrentes e consumidores é desastroso. Um exemplo: em janeiro de 2008, a Associação das Autoescolas de Campinas, no interior de São Paulo, divulgou um levantamento afirmando que, devido aos custos, o pacote de aulas para que um candidato obtivesse sua carteira de habilitação deveria ser de, no mínimo, R$ 720. Na ocasião, o preço médio era de R$ 417. Em março, a SDE exigiu a suspensão da lista. Os preços baixaram para R$ 450. Cálculos da secretaria revelaram que, só em um mês, o prejuízo aos consumidores nesse caso foi de R$ 1 bilhão.
"É por isso que estamos intensificando nossa atuação", diz Ana Paula Martinez, diretora do DPDE (Departamento de Proteção e Defesa Econômica). Segundo ela, o cerco às associações também pode ser avaliado pela quantidade de mandados de busca e apreensão.
Entre 2003 e 2005, apenas 11 mandados de busca e apreensão foram cumpridos. Em 2008, já foram 93, número que já está em 177, em 2009, resultado da parceria da SDE com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal e estaduais.
"O combate a cartéis é nossa prioridade", diz Martinez. "E o envolvimento das associações chama a atenção. Elas aparecem em mais da metade dos processos e em duas situações. Ou apenas emprestam sua sede para esses encontros, servindo de manto para ilegalidades, ou atuam diretamente na formação de cartéis."
Cartel é um acordo entre concorrentes para, por exemplo, fixar preços, estabelecer condições de venda e níveis de produção. Em média, o sobrepreço aos produtos decorrente dessas práticas chega a 20% na comparação com o preço em um cenário de competição.
A principal preocupação da SDE em relação às entidades de classe é evitar que, ao colocar concorrentes associados em reunião, elas extrapolem suas funções de representá-los, permitindo e até estimulando a formação de cartéis.
Para evitar os processos, a secretaria publicou uma cartilha para orientar as associações. "Nosso mundo ideal não é a abertura de processos", diz Martinez. "Queremos criar um marco ético." Por isso, já foram distribuídas 4.500 cartilhas. Uma nova edição está sendo preparada e será distribuída em outubro, com a cartilha sobre o programa de leniência. Por meio dele, a SDE "perdoa" e "protege" delatores que participaram de cartel para ganhar rapidez e eficiência nas investigações contra essa prática.
Encerrado o processo, ele é julgado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). As multas variam entre R$ 6 mil e R$ 6 milhões.


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