São Paulo, quarta-feira, 03 de setembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Recordar é viver: Abin


É um erro tanto acusar de pronto a Abin como dizer que a agência "está sem controle': ela nasceu desgovernada

A CONVERSA de que "a Abin ficou fora de controle" expressa dois equívocos levianos e falta de memória recente.
A primeira ligeireza consiste em dar de barato que partiu da instituição Abin, ou apenas de integrantes dessa agência, a iniciativa patife e criminosa de grampear autoridades da República e sabe-se lá mais quem. O histórico da Agência Brasileira de Inteligência e antecessoras, para não lembrar o de suas similares pelo mundo, é o de promiscuidade entre política e polícia degradadas, criminosos comuns, lumpesinato parapolicial e interesses comerciais.
A segunda leviandade é dizer que a Abin "ficou" fora de controle. Não só a Abin é resultado da falta de controle sobre um entulho da ditadura como, desde a sua origem, essa agência se revelou desgovernada.
Apesar de não ter havido julgamento na enésima instância, um agente da Abin e um detetive particular foram condenados pelos grampos do BNDES, que espionaram conversas de FHC e seus assessores de primeiro escalão, em 1998.
Um ex-policial federal, ex-SNI, e outros membros da Abin foram inocentados por falta de provas.
Não se pode dizer propriamente que os denunciados eram agentes da Abin, pois a agência não existia até dezembro de 1999. Era então parte informe da Subsecretaria de Inteligência (SSI) da Casa Militar, que em 1999 seria transformada em Gabinete de Segurança Institucional, ambas chefiadas pelo general Alberto Cardoso. A pré-Abin se desgarrara da Secretaria de Assuntos Estratégicos, criada por Fernando Collor em 1990, mantida por FHC e que abrigava os restos do SNI. No primeiro dia do governo FHC 1 (1995) era anunciado o projeto de criar um serviço de informações "democrático", já com o nome de Abin.
O projeto da Abin ganhou impulso justamente por causa de grampo e escândalo jamais investigados até o fim: o caso Sivam (1995). Funcionários do Planalto, da assessoria imediata de FHC, espionaram colegas de Palácio devido a suspeita de tráfico de influência na escolha de empresas que forneceriam equipamentos para o Sistema de Vigilância da Amazônia -tiveram apoio da Polícia Federal. FHC então ordenou ao então ministro da Justiça, Nelson Jobim, ora ministro da Defesa de Lula, que "reestruturasse toda a PF", para colocá-la "sob controle".
O projeto de criação da Abin foi vitaminado em 1996, para proteger o governo de tais "surpresas", e concluído em 1997. "Grampo, agora, só dentro da lei", dizia então o general Cardoso. Mas já em 1995 havia a suspeita de que a pré-Abin grampeara a Contag, a central sindical de agricultores, por exemplo. Até 1997, tinha acesso a informações fiscais.
Em 2000, após trapalhadas bisonhas e de se descobrir que havia suspeitos de tortura na agência, FHC mandou demitir o coronel que a dirigia. O general Cardoso então admitia descontrole na Abin, conflitos internos, vazamentos oportunistas de informação e que 13% dos quadros da agência tinham pertencido ao SNI -e eles ainda estão lá.
Atualmente, a Abin usa verbas secretas e dinheiro vivo em compras.
O que compram? Central de grampos? Talvez. Mas muita gente tem mais dinheiro e poder que a Abin para grampear -não só no governo.

vinit@uol.com.br


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