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OPINIÃO ECONÔMICA
Libertas quae sera tamem
MARCOS CINTRA
"Nada é tão forte quanto uma idéia cujo tempo chegou." Victor Hugo
O mote dos Inconfidentes
pregava o valor da liberdade,
ainda que tardia. O mesmo acontece com a cobrança da CPMF nas
aplicações financeiras. O governo
anunciou que irá liberá-las da cobrança da contribuição, ainda
que a medida venha com anos de
atraso. A intenção é criar uma
conta especial em que o investidor
possa movimentar seus recursos
entre diferentes aplicações sem
aquele pedágio.
O governo foi imprudente em
1993 ao criar o IPMF (Imposto
Provisório sobre Movimentação
Financeira), atual CPMF, e não
atentar para a necessidade de
isentar o setor financeiro da incidência do tributo. Essa tem sido
uma das mais fortes razões de
apreensão, atrito e insatisfação no
mercado com esse tipo de imposto.
A idéia de criar um tributo sobre
a movimentação financeira ganhou destaque em 1990, com a
proposta do IUT (Imposto Único
sobre Transações). Logo em seguida a proposta foi violentada pelo
governo, que, em vez de usar o imposto sobre movimentação financeira para ser o único imposto,
não resistiu a sua notória sanha
arrecadatória e acabou criando
mais um tributo, o IPMF, depois
rebatizado de CPMF. Não obstante esse lamentável desvio de intenção, aquela ação governamental
deu início a uma sistemática tributária cuja experiência tem se
mostrado amplamente positiva, a
ponto de ser a única forma de tributo a sobreviver à avalanche de
críticas e discordâncias envolvendo a reforma tributária em debate
no Congresso Nacional.
Quando idealizei o Imposto
Único, previ que haveria a necessidade de tratar as operações no
mercado financeiro e de capitais
de modo diferenciado. As transações financeiras são de natureza
distinta das operações mercantis
do setor real da economia. Isso
exige que a metodologia usada na
cobrança do tributo as diferencie.
Uma transação financeira é
uma operação de aluguel de capital, ou seja, é uma cessão de uso de
uma mercadoria muito especial
chamada "dinheiro".
Na locação de um imóvel, por
exemplo, a CPMF não incide sobre o valor do imóvel (estoque) a
cada vez que o contrato de locação
vence e é renovado, mas apenas
sobre os pagamentos mensais do
aluguel (fluxo). Mas um imposto
"turnover", como a CPMF, ao tributar o giro do capital nos mercados financeiros, incide sobre o estoque de capital, e não apenas sobre o seu fluxo, como seria desejável.
Para tornar possível uma nova
sistemática de cobrança da CPMF
que não tribute o capital, mas apenas o fluxo de rendimentos, serão
necessários dois tipos de contas
correntes bancárias: a primeira é a
conta movimento hoje existente,
sobre a qual são emitidos cheques;
a segunda é uma conta corrente
que não permite movimentação
via cheques, como ocorre hoje com
a conta de poupança.
Para viabilizar a isenção da
CPMF para o estoque de capital,
propõe-se que as operações financeiras sejam realizadas exclusivamente por meio de contas bancárias especiais, à semelhança das
contas de poupança, que seriam
utilizadas exclusivamente para
centralizar os investimentos e
aplicações no mercado financeiro
e de capitais. Para não sofrerem a
incidência da CPMF, as contas especiais somente poderão receber
créditos ou débitos de outras contas especiais. A tributação deixa
de incidir sobre o valor do principal de cada aplicação. Uma vez
transferido para outros usos na
conta movimento, a incidência da
CPMF passaria a ocorrer da forma usual.
Em 2001 o Banco Central já tinha tudo isso detalhado, e o então
presidente da instituição, Armínio
Fraga, chegou a anunciar a medida como parte da minirreforma
que FHC mandou ao Congresso
em agosto daquele ano. Na última
hora, esse importante detalhe ficou de fora do pacote. Volta agora, felizmente.
Trata-se de um importante
aperfeiçoamento da CPMF, que
torna a marcha rumo ao Imposto
Único ainda mais inexorável. Senão vejamos:
1) 93% das empresas brasileiras
já operam ou no mundo do imposto único, como é o caso do Simples, ou então em bases crescentemente não-declaratórias, como o
IRPJ sobre receita presumida ou
faturamento. O Simples é considerado um exemplo da eficiência e
criatividade brasileira na área tributária e vem servindo de exemplo em todo o mundo. Mesmo os
mais aguerridos críticos da cumulatividade tributária (conceito
que virou chavão, palavra de ordem política e que, portanto, perdeu seu conteúdo técnico) aceitam
sem maiores questionamentos o
Simples, o lucro presumido e até
mesmo o ICMS sobre faturamento
bruto, ainda que odeiem a CPMF
e o PIS-Cofins. O Simples é um
subproduto e precursor do Imposto Único;
2) a CPMF, que é o conceito tributário básico do Imposto Único,
já está firmemente implantada no
Brasil. Qualquer que seja seu qualificativo (provisório ou permanente) veio para ficar. O interesse
e a atenção que esse tipo de tributo
vem despertando em todo o mundo são uma prova de sua eficácia
operacional em uma economia
globalizada, na qual os tributos
convencionais tornam-se cada dia
mais não operacionais e sujeitos a
desvios, fraudes e perda de legitimidade;
3) os principais defeitos da
CPMF (como a tributação nos
mercados financeiros) que ajudaram a acentuar a predisposição
contrária ao tributo estão sendo
removidos. A isenção das Bolsas e
agora das aplicações financeiras
são aperfeiçoamentos que reduzirão as legítimas resistências ao tributo;
4) o deputado Virgílio Guimarães incluiu em seu parecer na Comissão de Reforma Tributária da
Câmara dos Deputados uma contribuição sobre movimentação financeira no artigo 195 da Constituição para substituir a contribuição patronal ao INSS. Foi um ensaio e a primeira tentativa de fazer um tributo do tipo CPMF substituir outros. Esse é o caminho do
Imposto Único. O tema já havia sido tratado pelo ministro Ricardo
Berzoini (Previdência Social) como mecanismo de desoneração
tributária da folha de salários.
Um grupo de economistas da Escola de Economia da FGV está simulando o impacto dessa alteração com resultados extremamente
animadores, que mostram que a
eliminação da contribuição ao
INSS e sua substituição por uma
Contribuição Social sobre Movimentação Financeira irá aumentar o crescimento econômico, gerar mais empregos e reduzir os
preços;
5) outro grupo de economistas
(Augusto Jefferson) e políticos (do
PFL, principalmente) está propondo que a CPMF seja considerada
um adiantamento, dedutível do
valor devido de outros tributos federais. Se essa proposta prosperar,
estará aberto o caminho para a
elevação de alíquotas da CPMF
sem grandes contestações por parte dos contribuintes: em vez de
compensar, bastaria deixar a
CPMF ser definitiva e eliminar o
tributo usado na compensação.
Processos político-econômicos
complexos exigem uma perspectiva temporal dilatada para serem
devidamente compreendidos, testados e aplicados. Com o Imposto
Único, não será diferente. Mas
uma coisa é certa: pelo andar da
carruagem, sua aplicação, mais
cedo ou mais tarde, será inevitável.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças
de São Bernardo do Campo e autor de "A
verdade sobre o Imposto Único" (LCTE,
2003). Escreve às segundas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail - mcintra@marcoscintra.org
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