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TIROTEIO
Mendonça diz que FHC não quer mudar opção exclusiva pela estabilidade e que, para Malan, Desenvolvimento seria "aleijão"
"FHC perdeu a batalha do desenvolvimento"
Ed Viggiani/Folha Imagem
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O ex-presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que comandou a venda da Telebrás |
CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL
Luiz Carlos Mendonça de Barros, que deveria ter sido o ministro da Produção no segundo
mandato do presidente Fernando
Henrique Cardoso, dá por perdida, neste governo, a batalha do
desenvolvimento.
Ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) e homem
que comandou o polêmico processo de privatização das teles,
Mendonça de Barros acha que o
presidente não tem nem condições políticas nem disposição
pessoal para alterar o que chama
de "hipertrofia" do Ministério da
Fazenda e da opção preferencial
pela estabilidade, em detrimento
da produção.
Afastado do governo por causa
das fitas resultantes do grampo
nos telefones do BNDES e do Ministério das Comunicações, que
então chefiava, Mendonça de Barros culpa PMDB e PFL (especificamente os senadores José Sarney
e Antonio Carlos Magalhães) por
terem maximizado o episódio dos
grampos para "detonar o Ministério da Produção", temendo o
fortalecimento dos tucanos.
O ex-ministro não poupa críticas ao ministro da Fazenda, Pedro
Malan, a quem acusa de tentar
desqualificar os críticos, em vez
de discutir os conceitos. Também
ataca toda a turma de economistas da PUC do Rio de Janeiro, que
forneceu o núcleo básico da equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso. Acusa-os de especialistas em estabilidade, que descuidaram de todo o resto.
Mendonça de Barros falou à Folha no escritório de seu apartamento em Moema, zona sudoeste
de São Paulo, pouco antes do almoço de sexta-feira.
Folha - O sr. é a voz mais estridente hoje a cobrar do governo uma
agenda para o desenvolvimento. O
que é concretamente essa agenda?
Luiz Carlos Mendonça de Barros -
É preciso um sinal político muito
claro. Precisa ser criado um ministério forte, que cuide daquilo
que chamo de microeconomia.
Nós temos um ministério muito
forte, que cuida das questões macroeconômicas, que é o Ministério da Fazenda. E você tem um
ministério atrofiado, hoje chamado de Desenvolvimento.
Tem que haver uma decisão política que diga que a questão da estabilidade evidentemente continua, entregue ao Ministério da
Fazenda, mas que o governo vai
começar a tratar de questões relacionadas com a produção, a atividade econômica.
Folha - Mas, do ponto de vista da
conquista do presidente, não lhe
parece uma batalha perdida?
Mendonça de Barros - Essa batalha está perdida. Não vejo o presidente Fernando Henrique Cardoso mudando isso. Primeiro porque não vejo condições políticas
para tomar essa decisão, pois a dinâmica do governo levou a uma
hipertrofia do Ministério da Fazenda. O Malan (Pedro Malan,
ministro da Fazenda) é um sujeito
muito hábil. Ele tem procurado
desqualificar a questão do desenvolvimento ao colocar uma falsa
questão, que é ou estabilidade ou
desenvolvimento. Ou, então, diz
que quem deseja desenvolvimento é populista, irresponsável.
Segundo: não vejo o presidente
com disposição política de introduzir esse tipo de debate no governo. Quando eu estava no governo e se cogitava de criar o Ministério da Produção, esse debate
havia sido introduzido, mas não
como uma postura de confronto.
Eram agendas complementares.
O que se estava discutindo era
exatamente isso: sempre que houver -e vai haver em vários momentos- uma certa incompatibilidade entre a agenda do desenvolvimento e a agenda da estabilidade, o presidente arbitra.
Uma das incompatibilidades
mais claras é a questão tributária.
O Brasil tem hoje um equilíbrio
fiscal razoável, mas baseado num
sistema tributário que agride a
produção. E, nessa defesa que a
Fazenda está fazendo de uma
abertura maior da economia, com
a consequente redução da proteção à produção interna, esse quadro fica ainda mais inconsistente.
Ora, quando você tem um sistema
tributário que agride a produção
interna, a proteção é um mecanismo compensatório.
Folha - Como o sr. demonstra para a opinião pública que é possível,
sem populismo e sem coisa de iluminados, como diz o ministro Malan, conciliar estabilidade e desenvolvimento?
Mendonça de Barros - Nós temos
um exemplo clássico, que é a introdução da indústria de equipamentos de telecomunicação no
Brasil. Hoje, já exporta perto de
US$ 1 bilhão.
O Renato Guerreiro, diretor-geral da Anatel, me surpreendeu:
hoje, a indústria, para cada US$
100 de importação de equipamento, já exporta US$ 100. Como é
que começou essa indústria? Começou de uma articulação do Sérgio Motta (ministro das Comunicações, morto em abril de 98) com
o BNDES. Com a privatização do
setor e as metas que já estavam estabelecidas, o Ministério das Comunicações calculou o volume de
investimentos que as novas operadoras teriam que fazer. Eram
dezenas de bilhões de dólares.
Em cima disso, o BNDES fez
uma equipe de cinco funcionários, que eu chefiei, para viajar aos
Estados Unidos, Canadá, Finlândia, Inglaterra, contar o que íamos fazer na privatização, dizer
que geraria tal tipo de mercado e
convidar para que montassem
uma fábrica no Brasil para atender uma parcela dessa demanda.
Além disso, nós temos aqui linhas de crédito de exportação para que, além de produzir para o
mercado interno, você produza
para exportação, a fim de dar escala para a coisa, que foi o que
aconteceu. A Fazenda, que é o
centro do pensamento liberal,
acha que isso é ilegítimo.
Conto o caso de uma grande
empresa, empresa líder, cujo nome não vou citar e que foi uma
das visitadas. Eles nos disseram
que preferiam produzir lá mesmo
e vender para o Brasil.
Nós voltamos, e uma das empresas que ganharam a banda B
(de telefonia) procurou o BNDES
para financiamento dos seus
equipamentos, que eram dessa
empresa que havíamos visitado.
Dissemos que esse equipamento
nós não financiaríamos porque
não seria produzido no Brasil.
Duas semanas depois, recebemos uma carta da empresa que tinha se recusado a vir para cá, dizendo que estava vindo. Por quê?
Simplesmente porque o cliente ligara para eles e dissera que ia cancelar o pedido. São ações de governo que não agridem a lógica de
mercado, mas que usam a própria
lógica de mercado.
Então temos que ter um programa que replique o que foi feito em
equipamento de telecomunicação. Nós temos mercado, nós temos tamanho, temos um BNDES.
O problema é que o Ministério
da Fazenda vê o BNDES como um
aleijão. Se pudesse acabar com
ele, acharia ideal.
Folha - Quem compartilha dessas
teses?
Mendonça de Barros - O PSDB tinha dois grupos na área econômica. Um grupo da PUC do Rio (André Lara Resende, Pérsio Arida,
Edmar Bacha, o próprio Malan, o
Gustavo Franco, o Armínio Fraga) e um grupo de São Paulo, mais
heterogêneo, que inclui o Beto,
meu irmão (José Roberto Mendonça de Barros), Guilherme
Dias, eu, a Lídia Goldenstein.
O grupo do Rio se especializava
na questão da estabilidade.
Quando Fernando Henrique
Cardoso foi escolhido ministro da
Fazenda, tinha duas coisas na cabeça: foi o primeiro político, acho,
que entendeu que a população estava cheia da inflação e queria estabilidade monetária. Quando
apareceu a oportunidade de ser
ministro da Fazenda, ele já sabia o
que ia fazer.
O segundo mérito é que ele sabia a quem recorrer para fazer.
Tanto que a equipe econômica foi
toda ela montada em cima da
PUC do Rio de Janeiro.
Esse pessoal da PUC do Rio trabalhou durante muito tempo a
questão da estabilidade e deixou
de pensar um pouco sobre o resto.
O Beto é que usa sempre a idéia de
que a turma da PUC do Rio tinha
a tecnologia para fazer a estabilidade, mas não tinha para fazer a
transição da estabilidade para o
crescimento.
Quando começou a conversa
sobre o Ministério da Produção, a
tese era exatamente a de trazer para o governo no nível operacional
um grupo de pessoas que não se
preocupem com a estabilidade,
mas com a transição para o crescimento. As duas coisas juntas vão
permitir que o presidente da República arbitre sempre qual é a
melhor das alternativas.
Folha - Mas, se me permite a
agressividade da pergunta, não
acaba sendo um pouco covarde
apontar os canhões para o Malan e
a PUC do Rio e esquecer que o chefe
deles chama-se FHC e, portanto, é o
responsável por ter abandonado
essa pata do desenvolvimento em
favor da camisa-de-força da estabilidade pela estabilidade?
Mendonça de Barros - A minha
leitura é diferente. Acho que o
presidente tem uma outra qualidade importante: ele não improvisa. Acho correto. O governo não
pode improvisar, não pode correr
o risco de uma aventura.
Ele deu passos para criar o Ministério da Produção. Chamou-me, conversei com ele, sabia o que
era para fazer, ele me disse que esse ministério teria que trabalhar
com o Malan e deu para o Clóvis
Carvalho (então chefe do Gabinete Civil) a missão de fazer com
que eu e o Malan nos entendêssemos sobre uma agenda comum.
Nós estávamos nesse estágio
quando houve o problema do
grampo (a divulgação de fitas em
que Mendonça de Barros discutia
aspectos da privatização das teles), relacionado a um problema
político que foi o medo do PMDB
e do PFL de ter um outro tucano
num ministério com essa possibilidade de desenvolvimento.
Houve lá uma jogada política, e
o presidente não estava atento.
Quando deu a crise, o presidente ficou sem um grupo no qual
confiasse. Aí, e isso aprendi agora
com meu neto que tem um problema no rim: quando um rim
não funciona, a natureza faz com
que o outro cresça. Aconteceu
exatamente isso: como não se
criou esse ministério, se hipertrofiaram de novo a Fazenda e a
questão da estabilidade.
Folha - Posso deduzir, então, que,
perdida a batalha pela mente e pelo coração do presidente, a sua pregação é para a opinião pública, para criar uma corrente ou uma agenda. Como essa agenda se traduz
política e eleitoralmente?
Mendonça de Barros - O objetivo
é o seguinte: já que neste governo
não tem mais espaço, que na próxima eleição um dos itens a ser
discutidos seja a questão do desenvolvimento com estabilidade.
Acho que o discurso do candidato Ciro Gomes (presidenciável
do PPS) mudou um pouco nesse
sentido. Não tenho dúvida de que
o candidato que vai obter a maioria terá esse discurso.
Folha - Por que o ministro Malan,
como o sr. disse, procura desqualificar os críticos? É também um jogo
político? O sr. vê viabilidade em
Malan-2002?
Mendonça de Barros - Primeiro,
o ministro Malan sabe como fazer
as coisas. Sabe que é muito mais
fácil personalizar a crítica e dizer
que o ministro Mendonça tem é
uma certa revolta por ter saído do
governo, quer voltar para o governo. É mais humano, digamos assim, do que tentar desqualificar
do ponto de vista conceitual.
A outra desqualificação é dizer
que eles querem voltar ao sistema
anterior, de subsídio, de economia fechada. A personalização
serve para desqualificar perante a
opinião pública mais singela. E o
fato de voltar atrás tenta me desqualificar diante do pessoal da
área econômica.
Segundo: a minha impressão é a
de que a possibilidade de o ministro Malan ser presidente da República é hoje zero. Até porque a minha capacidade de enxergar a
economia permite dizer que a
economia, no ano que vem, vai
estar pior do que este ano. Não
por culpa nossa, mas da situação
internacional. Ora, se já estamos
vivendo um ano em que o crescimento foi de 4%, mas que não
tem uma melhoria clara nem no
emprego nem na renda, e o ano
que vem será pior que este, essa situação não vai melhorar.
A coalizão do presidente Fernando Henrique Cardoso tem
dois candidatos, o Serra (o ministro da Saúde, José Serra) e o Tasso
(o governador do Ceará, Tasso Jereissati). Os dois são críticos dessa
situação. Mas evidentemente há
uma restrição, que é a de como
passar essa crítica sendo candidato oficial.
Mas, de todo modo, mesmo o
candidato da coalizão (governista) vai dizer: olha, o governo do
presidente Fernando Henrique
Cardoso foi fundamental para a
estabilidade, mas agora a estabilidade só se consolida com o crescimento.
Folha - É curioso que um acidente
de percurso como o caso dos grampos tenha dinamitado seu projeto.
Não há uma razão de fundo?
Mendonça de Barros - O problema é que esse evento (o dos grampos) foi maximizado por outros
interesses.
Até recebi uma carta dos senadores Antonio Carlos Magalhães
(PFL-BA, presidente do Senado) e
José Sarney (PMDB-AP), porque
em entrevista que dei a uma revista fiz referência a uma informação
dada por jornalistas de Brasília de
que os dois, numa festa na casa da
filha do senador Sarney (Roseana
Sarney, governadora do Maranhão), teriam ouvido a fita (dos
grampos no BNDES) e acertado
ali, PMDB e PFL, que era o momento de detonar com o Ministério da Produção.
Eles estavam olhado aquilo como fortalecimento dos tucanos.
A pessoa que me cravou a faca
nas costas foi o (então) senador
Élcio Álvares (PFL-ES), que era líder do governo. Quando fui à Câmara dos Deputados, depois de
três, quatro horas de agressões
que sofri ali, inclusive de membros do PFL, menos, e do PMDB,
foi dada a palavra regimentalmente ao Élcio Álvares. Todo
mundo esperava que ele fosse defender o ministro para defender o
governo. Ele foi para o microfone
e disse que nada tinha a dizer.
Os dois senadores (Sarney e
ACM) negaram (a articulação para detonar o Ministério), mas eu
tenho a informação de que isso
ocorreu, com data, hora e local.
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