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OPINIÃO ECONÔMICA
Qual é a função de um banco central?
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A conversão do governo
Lula à gestão ortodoxa de
nossa economia de mercado está
provocando um realinhamento
no debate econômico no Brasil. O
repúdio do governo do Partido
dos Trabalhadores às suas teses
históricas no campo da gestão
econômica é hoje um fato consumado! O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) é o comandante inconteste da economia, e os
últimos sinais de resistência àquilo que foi chamado, por muito
tempo, de neoliberalismo estão
restritos aos bolsões petistas sem
nenhum poder.
Nestes novos tempos, são mais
sutis as divergências sobre qual o
melhor caminho a ser seguido pelo Brasil. Não se discutem mais a
questão da integração de nossa
economia ao mundo global de
hoje e a redução da interferência
do Estado no dia-a-dia do mercado. São valores nacionais, também, a responsabilidade fiscal,
nos vários níveis de governo, e o
controle rígido da inflação. O
grande debate está centrado no
confronto entre os que defendem
um liberalismo econômico extremado e aqueles que entendem
haver um espaço importante para a ação do governo em articulação com o setor privado. O debate
sobre a taxa de câmbio é um
exemplo marcante dessa nova
realidade.
Nesse espaço mais restrito de divergências, chamo a atenção do
leitor da Folha para uma reflexão sobre a função do Banco Central em uma economia como a
brasileira. Em recente entrevista,
um dos seus diretores revelou que
entende ser o controle da inflação
a única responsabilidade do BC
perante a sociedade. Segue ele o
que se costuma chamar de escola
alemã na definição das responsabilidades de uma autoridade monetária. Nos dias de hoje, o Banco
Central Europeu é o representante mais importante dessa vertente
de pensamento monetário. E, a
acreditar nas palavras do diretor
mencionado acima, nosso Banco
Central também!
Uma outra vertente de pensamento, representada principalmente pelo Federal Reserve, dos
Estados Unidos, considera que a
principal função de um banco
central é a de levar a economia ao
pleno emprego em uma situação
de estabilidade de preços de longo
prazo. Essa qualificação é quase
dispensável, pois sabemos que a
inflação sob controle é condição
necessária para chegar à situação
de pleno emprego.
Um terceiro modelo pode ser
encontrado nos países da Ásia,
região em que a integração do
banco central com o governo, na
busca de uma estratégia econômica determinada, é mais intensa do que no caso norte americano. Recentemente, o BC da Coréia do Sul reduziu os juros com o
objetivo de modular a valorização da moeda e diminuir o impacto sobre o setor exportador.
Esse tipo de comportamento é
considerado pecaminoso pelos
adeptos da escola alemã e, agora,
pela brasileira, sob o governo Lula.
Essa questão, sobre a forma de
agir do BC no Brasil, precisa ser
debatida com maturidade pela
sociedade. A busca de uma meta
de inflação inexeqüível para 2005
está fazendo o BC aceitar, e mesmo estimular, a valorização de
nossa moeda. Um real forte pode
levar nossa inflação aos níveis do
Primeiro Mundo, como ocorreu
no período 1994/1998, na gestão
Gustavo Franco. A taxa de câmbio atual, medida em relação a
uma cesta de moedas internacionais, já se encontra próxima à verificada antes da crise de janeiro
de 1999.
Essa situação não preocupa a
diretoria do Banco Central, pois
ela acredita que são forças de
mercado, legítimas e racionais,
que estão colocando o real no rol
das moedas fortes, neste período
de colapso do dólar americano. E,
além do mais, eles enxergam a
possibilidade de chegar, por esse
caminho, a uma inflação próxima da meta fixada para 2005.
Com essa atitude oportunista, estão criando as condições para
que nosso esforço exportador, de
natureza estrutural, seja prejudicado por movimentações de curto
prazo de capitais financeiros.
Um sinal claro desse processo é
a ocorrência de fluxos negativos
em nosso mercado de câmbio. O
real se valoriza, sustentado por
posições vendidas de câmbio nos
bancos brasileiros e financiadas
por recursos de curto prazo, tomados no exterior, e por operações com derivativos nos mercados futuros. São quase US$ 4 bilhões de posição vendida de investidores estrangeiros, que apostam em uma taxa de câmbio perto dos R$ 2,60 por dólar, ao longo
dos próximos meses.
Não acredito que o governo Lula, entusiasmado com a recuperação de nossa economia, vá ter coragem de mudar a atitude de nossa autoridade monetária. Essa
discussão ficará, com certeza, para as eleições de 2006.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62,
engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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