São Paulo, sexta-feira, 03 de dezembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Qual é a função de um banco central?

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A conversão do governo Lula à gestão ortodoxa de nossa economia de mercado está provocando um realinhamento no debate econômico no Brasil. O repúdio do governo do Partido dos Trabalhadores às suas teses históricas no campo da gestão econômica é hoje um fato consumado! O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) é o comandante inconteste da economia, e os últimos sinais de resistência àquilo que foi chamado, por muito tempo, de neoliberalismo estão restritos aos bolsões petistas sem nenhum poder.
Nestes novos tempos, são mais sutis as divergências sobre qual o melhor caminho a ser seguido pelo Brasil. Não se discutem mais a questão da integração de nossa economia ao mundo global de hoje e a redução da interferência do Estado no dia-a-dia do mercado. São valores nacionais, também, a responsabilidade fiscal, nos vários níveis de governo, e o controle rígido da inflação. O grande debate está centrado no confronto entre os que defendem um liberalismo econômico extremado e aqueles que entendem haver um espaço importante para a ação do governo em articulação com o setor privado. O debate sobre a taxa de câmbio é um exemplo marcante dessa nova realidade.
Nesse espaço mais restrito de divergências, chamo a atenção do leitor da Folha para uma reflexão sobre a função do Banco Central em uma economia como a brasileira. Em recente entrevista, um dos seus diretores revelou que entende ser o controle da inflação a única responsabilidade do BC perante a sociedade. Segue ele o que se costuma chamar de escola alemã na definição das responsabilidades de uma autoridade monetária. Nos dias de hoje, o Banco Central Europeu é o representante mais importante dessa vertente de pensamento monetário. E, a acreditar nas palavras do diretor mencionado acima, nosso Banco Central também!
Uma outra vertente de pensamento, representada principalmente pelo Federal Reserve, dos Estados Unidos, considera que a principal função de um banco central é a de levar a economia ao pleno emprego em uma situação de estabilidade de preços de longo prazo. Essa qualificação é quase dispensável, pois sabemos que a inflação sob controle é condição necessária para chegar à situação de pleno emprego.
Um terceiro modelo pode ser encontrado nos países da Ásia, região em que a integração do banco central com o governo, na busca de uma estratégia econômica determinada, é mais intensa do que no caso norte americano. Recentemente, o BC da Coréia do Sul reduziu os juros com o objetivo de modular a valorização da moeda e diminuir o impacto sobre o setor exportador. Esse tipo de comportamento é considerado pecaminoso pelos adeptos da escola alemã e, agora, pela brasileira, sob o governo Lula.
Essa questão, sobre a forma de agir do BC no Brasil, precisa ser debatida com maturidade pela sociedade. A busca de uma meta de inflação inexeqüível para 2005 está fazendo o BC aceitar, e mesmo estimular, a valorização de nossa moeda. Um real forte pode levar nossa inflação aos níveis do Primeiro Mundo, como ocorreu no período 1994/1998, na gestão Gustavo Franco. A taxa de câmbio atual, medida em relação a uma cesta de moedas internacionais, já se encontra próxima à verificada antes da crise de janeiro de 1999.
Essa situação não preocupa a diretoria do Banco Central, pois ela acredita que são forças de mercado, legítimas e racionais, que estão colocando o real no rol das moedas fortes, neste período de colapso do dólar americano. E, além do mais, eles enxergam a possibilidade de chegar, por esse caminho, a uma inflação próxima da meta fixada para 2005. Com essa atitude oportunista, estão criando as condições para que nosso esforço exportador, de natureza estrutural, seja prejudicado por movimentações de curto prazo de capitais financeiros.
Um sinal claro desse processo é a ocorrência de fluxos negativos em nosso mercado de câmbio. O real se valoriza, sustentado por posições vendidas de câmbio nos bancos brasileiros e financiadas por recursos de curto prazo, tomados no exterior, e por operações com derivativos nos mercados futuros. São quase US$ 4 bilhões de posição vendida de investidores estrangeiros, que apostam em uma taxa de câmbio perto dos R$ 2,60 por dólar, ao longo dos próximos meses.
Não acredito que o governo Lula, entusiasmado com a recuperação de nossa economia, vá ter coragem de mudar a atitude de nossa autoridade monetária. Essa discussão ficará, com certeza, para as eleições de 2006.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br



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