São Paulo, quinta-feira, 03 de dezembro de 2009

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MICHAEL PETTIS

Desvalorizações ameaçam guerra comercial


Os países que não puderem desvalorizar suas moedas para se manter competitivos vão reagir com protecionismo

A DECISÃO do Vietnã de desvalorizar sua moeda em 5%, a fim de se proteger contra a subvalorização do yuan, e a resposta da Tailândia e de outros países asiáticos sugerem que talvez já se tenha tornado impossível impedir um conflito comercial mundial. Enquanto um grupo de países tenta ganhar ou manter vantagem comercial via manipulação da taxa de câmbio, os precedentes históricos sugerem que as nações que não forem capazes de promover desvalorização reagirão por meio de protecionismo -e, como consequência, o comércio mundial sofrerá.
Nos anos 30, muitas das grandes economias, mas não todas, impuseram restrições draconianas ao comércio internacional, que resultaram em uma severa contração dos intercâmbios comerciais e quase certamente retardaram a recuperação mundial. Já se sabia que o colapso do comércio internacional só agravaria a crise, mas ainda assim os países adotaram um comportamento que foi pior para todos.
Os economistas norte-americanos Barry Eichengreen e Douglas Irwin recentemente publicaram um estudo no qual examinam as origens da ascensão do protecionismo, nos anos 30. Eles argumentam que, ao longo dos anos 20 e pouco depois da crise de 1929, diversos países abandonaram o padrão-ouro e decidiram promover desvalorizações competitivas com o objetivo de ganhar vantagem sobre os rivais. Esses países subsequentemente registraram rápida melhoria em suas balanças comerciais e sofreram muito menos com os estragos causados pela contração da década de 30.
Mas outras nações, mais evidentemente os EUA e os países europeus do "bloco do ouro", sofriam de sérias restrições em sua capacidade de ajustar as taxas cambiais. Foram elas que arcaram com a maior parte do custo do ajuste, quando as importações ganharam competitividade contra a produção interna, especialmente com relação a países que sofriam menos restrições. E foram esses igualmente os países que apresentavam maior probabilidade de recorrer ao que os autores definem como mecanismos de ajuste "de segunda ordem" -tarifas, cotas de importação, controles de câmbio.
É isso que pode estar acontecendo de novo. É claro que nenhuma moeda continua vinculada ao ouro, de modo que não há país cuja capacidade de desvalorizar sua moeda esteja limitada por um compromisso para com o ouro em taxa fixa. Mas existem países cuja capacidade de gerir suas moedas ainda assim sofre severas limitações.
O dólar, por exemplo, é visto em geral como supervalorizado. Devido à maciça intervenção dos BCs asiáticos, porém, está se provando quase impossível para o dólar conduzir um ajuste suficiente, a não ser contra moedas que flutuam livremente, tais como o euro.
Isso cria um problema semelhante para a Europa. Ainda que poucos analistas acreditem que o euro esteja subvalorizado ante o dólar, ele ainda assim se vê forçado a absorver a maior parte do ajuste da moeda dos EUA via novas valorizações. Isso significa que tanto os EUA como os países da zona do euro sofrem com as intervenções cambiais e desvalorizações conduzidas em outras regiões e têm pouca margem de ajuste.
O que os EUA e a Europa podem fazer? Caso Eichengreen e Irwin estejam certos, é provável que, como nos anos 30, imporão tarifas ou adotarão outras formas de intervenção comercial direta.
Parece que vamos cometer o mesmo engano. Países que podem expandir sua fatia da demanda mundial por meio de desvalorizações cambiais estão recorrendo a elas. Os países que não podem fazê-lo quase certamente considerarão formas mais diretas de intervenção. Sem uma coordenação mundial séria, que envolva uma renúncia ao protecionismo pela Europa e EUA em troca de uma valorização significativa nas moedas subvalorizadas, uma alta nas tarifas parece inevitável.


MICHAEL PETTIS é professor de finanças na Escola Guanghua, Universidade de Pequim. Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Excepcionalmente, hoje, a coluna de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. não é publicada.


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