São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2004

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APERTO

Consumo de produtos de uso domiciliar, que crescia havia dez anos, fica estagnado em 2003; itens alimentícios recuam 4%

Brasileiro compra menos alimento em 2003

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 2003, primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a curva de consumo de produtos de uso domiciliar, que vinha ascendente nos últimos dez anos, estagnou. Já o volume de compras da cesta de alimentos caiu 4%.
Entraram na tesoura algumas vedetes do Plano Real, como iogurtes, cujo consumo recuou 10%, leite fermentado (queda de 11%) e refrigerantes (menos 9%).
Os dados são da pesquisa mensal de consumo domiciliar da Latin Panel/Ibope. O levantamento inclui 75 categorias de produtos dos setores de alimentos, bebidas, higiene e limpeza e reflete as compras realizadas entre outubro de 2002 e outubro de 2003 pelas famílias brasileiras.
A pesquisa mostra que, nesse período, o consumidor gastou 21% a mais para manter o mesmo nível de compras. "O ano foi pautado pela manutenção do volume médio de compras e o aumento do gasto médio das famílias em consequência da alta dos preços", diz Cláudia Fioratti, diretora comercial da Latin Panel/Ibope.
O item alimentação foi o que mais pesou no bolso do consumidor: o gasto médio das famílias com a compra de alimentos cresceu 26%, mesmo com o corte de 4% no volume de compras.
Segundo Fioratti, apesar de a inflação ter começado a disparar em 2002, a queda do consumo começou em outubro do ano retrasado e ficou mais concentrada em 2003. "A queda da renda média em 2003, paralelamente ao aumento dos preços, provocou a retração nas compras", diz Fioratti. Entre outubro de 2002 e o mesmo mês do ano passado, a renda média do brasileiro encolheu 15,2%, segundo dados do IBGE.
O ânimo do consumidor também influiu no consumo menor. "O consumidor esteve mais cauteloso, e o consumo também tem a ver com o otimismo ou o pessimismo das pessoas em relação ao país", diz Rodrigo Toni, diretor-geral da Ipsos Brasil, a maior empresa de pesquisa de mercado baseada em entrevistas do país.
Segundo Toni, um exemplo da correlação entre aumento da renda, do otimismo e do consumo são os primeiros anos do Real. "No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso [1995-98], o clima era de otimismo e o consumo crescia, junto com a renda. Em 2003, principalmente no primeiro semestre, o consumidor esteve muito cauteloso", diz.
Um levantamento feito pela Ipsos, a pedido da Folha, mostra que o padrão de consumo caiu em todas as classes de renda de 1997, auge do Plano Real, para 2003.
Os dados da Ipsos mostram que de 12 itens básicos de alimentação, higiene e limpeza consumidos nos domicílios, 8 apresentaram retração nas classes A e B e 10 nas classes C e D.
Nas classes de maior renda, os itens que tiveram aumento de vendas foram leite condensado, creme de leite e gelatinas.
Os mesmos produtos foram mais consumidos pelas classes de renda menor em 2003 do que em 1997. Entre as pessoas com menor poder aquisitivo, o consumo de sabão em pó também subiu. "Em situações de crise e encolhimento da renda, os mais pobres cortam os itens supérfluos de alimentação e despesas gerais com supermercados. Já entre os mais ricos, o que diminui é o consumo de bens duráveis e de serviços", diz Toni.

Mudança de hábito
A médica Marcy Castilho, 42, que gasta cerca de R$ 800 em supermercado por mês, modificou seus hábitos no ano passado, reduzindo a compra de bens industrializados. Em vez de comprar o suco de laranja, por exemplo, ela compra a fruta e faz a bebida.
Os dados da Ipsos mostram que ocorreu uma sensível deterioração no consumo de bens duráveis em relação ao início do Real entre os mais afortunados. Em 1997, 37% das classes A e B tinham carro com até três anos de uso. Em 2003, essa fatia caiu para 17%. "Em momentos de crédito barato, como no início do Real, ocorre um boom de compra de bens duráveis", observa Toni. Quando o crédito seca ou fica muito caro -ou ambos, como em 2003-, os bens de maior valor encalham nas prateleiras ou nas fábricas.
Quem mais sofre com a escassez de crédito são as famílias mais pobres, segundo os analistas. No início do Real, a classe C ganhou espaço no mercado consumidor, apoiada no crediário. O peso desse segmento na economia cresceu desde 1994. "Foi a classe que mais cresceu em importância na última década", diz Fioratti.
Segundo dados da empresa, em 1993, um ano antes do Plano Real, a classe C (renda familiar de quatro a dez salários mínimos) representava 26% da população. Em 2000, passou a representar 34%.
A estabilização da moeda e o aumento da oferta de crédito nos primeiros anos do Real aumentaram o poder de compra das classes mais pobres. Ocorreu uma migração de pessoas das classes D/E (renda abaixo de quatro mínimos) para a classe C.
Esse processo durou até 2000, quando a classe C passou a responder por 35% do consumo em 71 categorias de produtos pesquisados pela Latin Panel. De lá para cá, não houve mais evolução.



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