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VINICIUS TORRES FREIRE
Ai, que calo-ô-ô-ô-ô-ô-or...
Tragédia climática dá vazão
a imposturas de gente que ignora os calores do inferno da vida em 70% do planeta
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ATRAVESSANDO O deserto do
Saara, antes de chegar a savanas mais verdes da África, a
gente passa pelo Sahel. É o ambiente
de uns países desgraçados, que ficam mais ou menos em torno da linha que vai das Guinés à Etiópia.
O Sahel está virando deserto. Há
anos está mais seco que o habitual.
Seus pastores e agricultores estão na
pior. Migram em massa.
O Sahel parece um desses cenários-catástrofe que a comissão mundial de cientistas projetou em seu
estudo sobre o clima do fim do mundo. Mas não se dá bola para a gente
do Sahel e outras assim obscuras.
Teve muito de repulsivo na comunhão pseudo-universal de gente rica
e hipócrita compungida pela tragédia do clima que ameaça a "irmandade humana". Vide o caso de lideranças globais, dessas que fazem agá
em Davos, que deram showzinho de
apreensão com o destino humano.
A impostura da comunhão global
parece um caso de ideologia de cabeça para baixo. A ideologia faz o que é
de fato particular parecer universal
("todos são iguais perante a lei", mas
alguns são mais iguais que os outros). Mas o anúncio "oficial" do desastre universal do clima suscitou
uma inquietude de fato particularista, talvez com as futuras cheias marinhas no metrô de Nova York ou
nos Hamptons (balneário rico dos
EUA), digamos, para avacalhar, embora o egoísmo tenha sido mesmo o
motor remoto da farsa. Egoísmo,
pois a "irmandade humana" vai à
breca regularmente, e ninguém liga.
A crise do clima é, sim, uma tragédia (punição desmesurada de um erro do qual se ignorava a dimensão,
castigo ruinoso da inadvertida arrogância humana, de sua falta de limites, como dizia o filósofo grego).
Sim, há gente honrada e séria preocupada com o clima. Por que farsa, então?
Qual grupo, classe ou país, com
poder e influência, preocupa-se de
fato? Considere-se um tema que até
interessa ao poder global: comércio.
Negocia-se há anos um modo de
acabar com a proteção que governos
ricos dão a 2% de sua população, a
que vive de vacas gordas, de agricultura, barrando produtos de bilhões
de crioulos agrícolas do mundo pobre. Nem isso se resolve, questão
mais simples que o caos climático.
O que virá? Uma ONU do clima, a
ser avacalhada pelos EUA? Os EUA
não vão mais se empanturrar de carne, gasolina, aço e plástico a fim de
dar esmolas para o miserê mundial
que nem teve a chance de se industrializar e colaborar para a ruína climática? A China dará trela a quem
queira impedi-la de levar centenas
de milhões à classe média, consumindo em massa recursos naturais?
Ali pelo Sahel, em Darfur, milhares de refugiados famintos são chacinados regularmente por milícias
apoiadas pelo governo do Sudão.
Mais ao leste, a Somália, país que
inexiste, foi invadido por outro Estado arruinado, a Etiópia, com apoio
dos EUA, "guerra contra o terror".
"Top guns" americanos mataram
dúzias de crioulos muçulmanos somalis. Quase ninguém liga ou reclama de "violação da lei internacional", nem que seja só para constar,
como na Sérvia, Bósnia etc.
O clima está quente como sempre
para 70% da humanidade. Se derem
um jeito de ligar o ar-condicionado,
será para a minoria habitual, embora seja só um refresco, pois o caldo
oceânico já começou a entornar.
vinit@uol.com.br
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