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OPINIÃO ECONÔMICA
Plantar a paz e colher amor
BENJAMIN STEINBRUCH
Victoria Alessandra é vidrada em Carnaval, sempre
quis desfilar na Marquês de Sapucaí. Nunca teve coragem, porque as escolas de samba ficam nas
periferias do Rio, nos (perigosos!)
morros.
Mas desta vez Victoria Alessandra perdeu o medo. Convenceu o
namorado a acompanhá-la e, em
dezembro, ligou para a Mangueira. Quem atendeu o telefone foi
Márcia, responsável pelas fantasias da escola. De cara, disse que
teria dificuldade para conseguir
duas vagas para pessoas sem experiência de desfile. Afinal, já havia muitos trajes reservados para
convidados que sempre saem na
"verde-e-rosa".
Com um jeito despachado e tipicamente carioca, Márcia esticou a conversa e falou muito sobre a comunidade mangueirense.
Contou que os grupos de fora que
desfilam uma vez passam a pertencer à família da Mangueira e
têm lugar garantido nos anos seguintes. Depois, discorreu sobre o
samba-enredo deste ano, "Os Dez
Mandamentos - O Samba da Paz
Canta a Saga da Liberdade". Por
fim, conversa vai, conversa vem,
surpresa: arranjou as duas vagas.
As fantasias, da ala dos Anjos
Guerreiros da Paz, logo atrás das
Baianas, custariam R$ 450 cada
uma, em três pagamentos depositados na conta bancária da escola. Turistas estrangeiros poderiam pagar até US$ 450 (o dólar
do samba ainda vale um real).
Mas isso nada teria a ver com a
Mangueira, e sim com as agências de turismo, que intermedeiam a operação.
Victoria Alessandra deveria retirar as fantasias no morro da
Mangueira. "No morro?", perguntou, assustada. "Mas não tem
perigo?" Márcia riu. Ela poderia
enviar as fantasias para qualquer
lugar no Rio, por mais R$ 10, mas,
francamente, achava que desfilar
sem conhecer o morro não tinha a
menor graça. O ideal seria chegar
ao Rio com o samba decorado, na
ponta da língua, participar do ensaio na quadra, na sexta-feira, e
conviver um pouco com a grande
família da Mangueira.
Chegar na sexta-feira era problema para uma trabalhadora
paulista. Além disso, Victoria
Alessandra não tinha onde dormir no Rio e pensava em chegar
na segunda-feira, dia do desfile.
"Nada disso, se não têm onde ficar, você e seu namorado podem
dormir com a gente, aqui no morro. Quero que conheçam a minha
casa. É pequena, mas tem lugar
para todos."
Assim é que as coisas funcionam no Carnaval carioca. As escolas precisam de convidados,
porque isso ajuda a financiar o
desfile, a mais espetacular manifestação da cultura popular brasileira, para 2 milhões de turistas
locais e estrangeiros. Mas nenhum convidado pode pisar nas
alas técnicas, reservadas ao pessoal da comunidade.
Victoria Alessandra e o namorado devem ter atravessado a Sapucaí ontem à noite, entre dezenas de outros soldadinhos da paz,
vestidos de branco da cabeça aos
pés. Os dois pagaram R$ 900 por
uma hora e meia de euforia, longe de Saddams, Bushs, Chiracs,
Blairs, armas químicas, biológicas ou nucleares.
Devem ter repetido por mais de
50 vezes os versos do contagiante
samba-enredo da verde-e-rosa:
"A vontade de Deus é a lei da verdade/Foi revelada pra humanidade/Mostra pro mundo Brasil,
meu Brasil/O caminho da felicidade/Quem plantar a paz vai colher amor".
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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