São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Contribuição ao debate sobre metas de inflação

ALOIZIO MERCADANTE

O debate sobre metas de inflação embute uma série de questões relevantes para o desenvolvimento do país. A primeira delas refere-se à taxa de inflação que deve ser perseguida pelas autoridades monetárias para assegurar a compatibilidade dos três objetivos permanentes da política econômica: estabilidade monetária, crescimento econômico e pleno emprego.
Os estudos teóricos e empíricos disponíveis sugerem que não existe uma taxa ideal de inflação válida para qualquer estrutura ou estágio de desenvolvimento da economia. Pelo contrário, o consenso é que há limites inferiores e superiores da taxa de inflação, dentro dos quais se maximizam as possibilidades de crescimento com estabilidade. Esses limites não são os mesmos para os países mais desenvolvidos e para os de menor desenvolvimento relativo, sendo mais elevados neste último caso. Dependem, além disso, da qualidade de mensuração da inflação.
George A. Akerlof, professor da Universidade de Berkeley e Prêmio Nobel de Economia em 2001, menciona que, no caso dos Estados Unidos, por exemplo, o limite mínimo de inflação estaria entre 2% e 2,5%. Perseguir uma taxa mais baixa poderia produzir movimentos de deflação e recessão fortemente negativos para a economia. Na mesma linha de pesquisa, estudos realizados por Edwin M. Truman, do Institute for International Economics, em 66 países, 22 dos quais utilizam o sistema de metas de inflação, concluem que "o pico das médias de crescimento econômico ocorrem para países com inflações entre 5% e 10%". Taxas mais elevadas ou mais baixas prejudicariam o crescimento sustentado.
Um segundo aspecto do debate relaciona-se com o ritmo em que as metas devem ser realizadas e sua estabilidade. A experiência de diversos países indica que a fixação de metas de inflação muito baixas, a serem alcançadas em um período de tempo curto, tem efeitos perversos sobre o crescimento (e sobre o emprego e os salários), elevando os custos sociais do processo de ajuste. O Chile, freqüentemente citado como exemplo, adotou em 1989 o sistema de metas, quando a inflação era de 26%, levando oito anos para reduzi-la a 6,1%. Durante esse período, o crescimento médio do PIB foi de 8,2% anuais. Nos anos seguintes (1998/2003), a taxa de inflação continuou diminuindo e atingiu 2,5% em 2002, mas o crescimento médio do PIB caiu para 2,5% anuais.
No caso brasileiro, o descontrole inflacionário sempre teve como pano de fundo crises cambiais, como ocorreu no início dos anos 60 e, com maior intensidade, a partir da crise da dívida externa no início dos anos 80. Entre 1945 e 2003, somente em dois anos -1947 e 1998- o país registrou taxas de inflação inferiores a 5%. O atual sistema de metas foi implantado em junho de 1999, na esteira da crise que encerrou a aventura do populismo cambial do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Durante os quase cinco anos de vigência, somente nos dois primeiros as metas foram cumpridas.
Ao desconsiderar o impacto da taxa de juros sobre o endividamento público, nosso sistema de metas faz com que a taxa Selic seja mantida em um nível mais elevado do que o compatível com o equilíbrio financeiro do setor público e, dessa forma, contribui para a maior fragilidade financeira da economia. À medida que essa fragilidade resulta em altos prêmios de risco, o círculo vicioso se completa. Altas taxas de juros geram fragilidade financeira, que gera altas taxas de juros, e o país fica preso na armadilha do endividamento financeiro crescente ou do baixo crescimento econômico. Como assinala Olivier Blanchard, professor do Massachusetts Institute of Technology, em recente estudo sobre o Brasil, uma política de juros altos, em situações de elevado endividamento, tem pouca eficácia, vis-à-vis a política fiscal, para reduzir a inflação.
É difícil precisar, hoje, qual a taxa ou a banda de variação da inflação "adequada" para a nossa economia; provavelmente isso terá de ser "descoberto" na prática, com uma gestão consistente da política econômica. Uma opção para tornar sustentável a estabilidade seria estender por um período mais longo a vigência da meta fixada para este ano (5,5%, com margem de variação de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos), e orientar os futuros ajustes com base nos resultados obtidos na reativação e sustentação do crescimento.
Note-se que a proposta é compatível com expectativas mais baixas de inflação, dado que a margem de variação permite incorporar mudanças positivas nos determinantes da taxa de inflação. Do mesmo modo, permite absorver eventuais choques negativos, como é previsível que ocorra após a eleição nos Estados Unidos.
O financiamento do crescimento não pode fundar-se, como no passado, em mecanismos inflacionários e de endividamento interno e externo. Mas tampouco será possível retomar uma trajetória de crescimento sustentado se optarmos pela fixação de metas de inflação muito baixas, inclusive porque o próprio mercado apostaria contra. Isso, além de erodir a credibilidade do sistema de metas, impediria a queda continuada da taxa de juros real e limitaria a retomada do crescimento e a expansão do investimento e do emprego, perpetuando problemas estruturais que há décadas esperam por soluções, sempre postergadas em nome de interesses que não são precisamente os da grande maioria do povo brasileiro.


Aloizio Mercadante, 49, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br

E-mail -
mercadante@mercadante.com.br


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