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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Contribuição ao debate sobre metas de inflação
ALOIZIO MERCADANTE
O debate sobre metas de inflação embute uma série de
questões relevantes para o desenvolvimento do país. A primeira
delas refere-se à taxa de inflação
que deve ser perseguida pelas autoridades monetárias para assegurar a compatibilidade dos três
objetivos permanentes da política
econômica: estabilidade monetária, crescimento econômico e pleno emprego.
Os estudos teóricos e empíricos
disponíveis sugerem que não existe uma taxa ideal de inflação válida para qualquer estrutura ou
estágio de desenvolvimento da
economia. Pelo contrário, o consenso é que há limites inferiores e
superiores da taxa de inflação,
dentro dos quais se maximizam
as possibilidades de crescimento
com estabilidade. Esses limites
não são os mesmos para os países
mais desenvolvidos e para os de
menor desenvolvimento relativo,
sendo mais elevados neste último
caso. Dependem, além disso, da
qualidade de mensuração da inflação.
George A. Akerlof, professor da
Universidade de Berkeley e Prêmio Nobel de Economia em 2001,
menciona que, no caso dos Estados Unidos, por exemplo, o limite
mínimo de inflação estaria entre
2% e 2,5%. Perseguir uma taxa
mais baixa poderia produzir movimentos de deflação e recessão
fortemente negativos para a economia. Na mesma linha de pesquisa, estudos realizados por Edwin M. Truman, do Institute for
International Economics, em 66
países, 22 dos quais utilizam o sistema de metas de inflação, concluem que "o pico das médias de
crescimento econômico ocorrem
para países com inflações entre
5% e 10%". Taxas mais elevadas
ou mais baixas prejudicariam o
crescimento sustentado.
Um segundo aspecto do debate
relaciona-se com o ritmo em que
as metas devem ser realizadas e
sua estabilidade. A experiência de
diversos países indica que a fixação de metas de inflação muito
baixas, a serem alcançadas em
um período de tempo curto, tem
efeitos perversos sobre o crescimento (e sobre o emprego e os salários), elevando os custos sociais
do processo de ajuste. O Chile, freqüentemente citado como exemplo, adotou em 1989 o sistema de
metas, quando a inflação era de
26%, levando oito anos para reduzi-la a 6,1%. Durante esse período, o crescimento médio do
PIB foi de 8,2% anuais. Nos anos
seguintes (1998/2003), a taxa de
inflação continuou diminuindo e
atingiu 2,5% em 2002, mas o crescimento médio do PIB caiu para
2,5% anuais.
No caso brasileiro, o descontrole
inflacionário sempre teve como
pano de fundo crises cambiais, como ocorreu no início dos anos 60
e, com maior intensidade, a partir
da crise da dívida externa no início dos anos 80. Entre 1945 e 2003,
somente em dois anos -1947 e
1998- o país registrou taxas de
inflação inferiores a 5%. O atual
sistema de metas foi implantado
em junho de 1999, na esteira da
crise que encerrou a aventura do
populismo cambial do primeiro
governo de Fernando Henrique
Cardoso. Durante os quase cinco
anos de vigência, somente nos
dois primeiros as metas foram
cumpridas.
Ao desconsiderar o impacto da
taxa de juros sobre o endividamento público, nosso sistema de
metas faz com que a taxa Selic seja mantida em um nível mais elevado do que o compatível com o
equilíbrio financeiro do setor público e, dessa forma, contribui para a maior fragilidade financeira
da economia. À medida que essa
fragilidade resulta em altos prêmios de risco, o círculo vicioso se
completa. Altas taxas de juros geram fragilidade financeira, que
gera altas taxas de juros, e o país
fica preso na armadilha do endividamento financeiro crescente
ou do baixo crescimento econômico. Como assinala Olivier
Blanchard, professor do Massachusetts Institute of Technology,
em recente estudo sobre o Brasil,
uma política de juros altos, em situações de elevado endividamento, tem pouca eficácia, vis-à-vis a
política fiscal, para reduzir a inflação.
É difícil precisar, hoje, qual a taxa ou a banda de variação da inflação "adequada" para a nossa
economia; provavelmente isso terá de ser "descoberto" na prática,
com uma gestão consistente da
política econômica. Uma opção
para tornar sustentável a estabilidade seria estender por um período mais longo a vigência da meta
fixada para este ano (5,5%, com
margem de variação de 2,5 pontos percentuais para mais ou para
menos), e orientar os futuros ajustes com base nos resultados obtidos na reativação e sustentação
do crescimento.
Note-se que a proposta é compatível com expectativas mais
baixas de inflação, dado que a
margem de variação permite incorporar mudanças positivas nos
determinantes da taxa de inflação. Do mesmo modo, permite
absorver eventuais choques negativos, como é previsível que ocorra
após a eleição nos Estados Unidos.
O financiamento do crescimento não pode fundar-se, como no
passado, em mecanismos inflacionários e de endividamento interno e externo. Mas tampouco
será possível retomar uma trajetória de crescimento sustentado
se optarmos pela fixação de metas
de inflação muito baixas, inclusive porque o próprio mercado
apostaria contra. Isso, além de
erodir a credibilidade do sistema
de metas, impediria a queda continuada da taxa de juros real e limitaria a retomada do crescimento e a expansão do investimento e do emprego, perpetuando problemas estruturais que há
décadas esperam por soluções,
sempre postergadas em nome de
interesses que não são precisamente os da grande maioria do
povo brasileiro.
Aloizio Mercadante, 49, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do
governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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