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ARTIGO
A China na armadilha do dólar
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
NOS ESTÁGIOS iniciais
da crise financeira, os
engraçadinhos brincavam que o comércio dos EUA
com a China havia se provado
realmente justo e proporcional.
Os chineses vendiam brinquedos envenenados e frutos do
mar estragados, e os norte-americanos lhes vendiam títulos fraudulentos.
Mas hoje em dia os dois lados
do negócio estão se desfazendo.
Na ponta de lá, o apetite mundial por bens chineses caiu
acentuadamente. As exportações chinesas despencaram nos
últimos meses e são agora 26%
mais baixas do que há 12 meses.
Na ponta americana, os chineses estão evidentemente começando a se sentir ansiosos
quanto àqueles títulos.
Mas a China parece continuar mantendo expectativas
pouco realistas. E isso é um
problema para todos.
A grande notícia da semana
passada foi um discurso de
Zhou Xiaochuan, presidente do
banco central chinês, que apelava para a criação de uma "nova moeda de reserva supranacional".
A ala paranoica do Partido
Republicano imediatamente
alertou sobre um vil complô para fazer com que os Estados
Unidos abram mão do dólar.
Mas o discurso de Zhou foi na
verdade uma admissão de fraqueza. Na prática, estava dizendo que a China se havia deixado
apanhar na armadilha do dólar,
e que nem pode sair sem ajuda
nem mudar as políticas que a
colocaram nessa posição.
Uma nota sobre os antecedentes: nos primeiros anos da
década, a China começou a
manter grandes superávits comerciais e também começou a
atrair grandes influxos de capital estrangeiro.
Se a China tivesse uma taxa
de câmbio livre, como o Canadá, isso teria resultado em uma
alta no valor de sua moeda, o
que por sua vez teria desacelerado o crescimento das exportações chinesas.
Paridade
Mas a China optou em lugar
disso por manter mais ou menos fixa a paridade entre o yuan
e o dólar. Para tanto, o governo
tinha de comprar dólares à medida que estes inundavam o
país. Com a passagem dos anos,
os superávits comerciais continuaram subindo -e o mesmo
aconteceu com a reserva chinesa de ativos estrangeiros.
É preciso ressaltar que a piada sobre os títulos é injusta. Excetuada uma incursão tardia e
insensata às ações (no pico desse mercado), os chineses na
verdade acumularam ativos
muito seguros; notas do Tesouro norte-americano respondem por grande parte das reservas totais.
Mas, embora essas notas estejam entre os ativos mais seguros do planeta no que tange a
possíveis calotes, elas oferecem
retornos muito baixos.
Será que havia uma estratégia profunda por trás desse
acúmulo de ativos de baixo rendimento? Provavelmente não.
A China adquiriu sua imensa
reserva de US$ 2 trilhões -o
que transformou a República
Popular em República dos Títulos- da mesma maneira que
os britânicos adquiriram seu
império: em um ataque de distração.
E não muito tempo atrás, ao
que parece, os líderes chineses
despertaram e compreenderam que tinham um problema.
O baixo rendimento não parece incomodá-los muito, mesmo agora. Mas aparentemente
o fato de que 70% desses ativos
estão denominados em dólares
os preocupa, porque qualquer
queda futura do dólar poderia
significar uma grande perda de
capital para a China.
Isso explica a proposta de
Zhou quanto à criação de uma
nova moeda de reserva, assemelhada aos DES (Direitos Especiais de Saque), a unidade
monetária na qual o FMI (Fundo Monetário Internacional)
mantém suas contas.
Mas a situação é ao mesmo
tempo menos e mais complicada do que parece.
Os DES não são dinheiro real.
Representam uma unidade
contábil cujo valor é definido
por uma cesta de dólares, euros, ienes e libras esterlinas. E
nada impede que a China diversifique suas reservas de forma a
reduzir o peso do dólar; de fato,
nada impede que ela componha
sua reserva de maneira que se
equipare à composição da cesta
cambial dos DES -nada, quer
dizer, a não ser o fato de que hoje os chineses detêm tantos dólares que é impossível vendê-los sem derrubar a cotação da
moeda e deflagrar exatamente
a perda de capital que os líderes
do país temem.
Apelo
Assim, o que a proposta de
Zhou significa na prática é um
apelo para que alguém resgate a
China das consequências de
seus erros de investimento. Isso não vai acontecer.
E essa invocação de uma solução mágica para o problema
do excesso de dólares chinês
sugere algo mais: que os líderes
chineses ainda não aceitaram
que as regras do jogo mudaram
de maneira fundamental.
Dois anos atrás, vivíamos em
um mundo no qual a China podia poupar muito mais do que
investia e dispor da poupança
excedente adquirindo ativos
norte-americanos. Esse mundo
acabou.
No entanto, um dia depois de
seu discurso sobre a moeda de
reserva, Zhou fez outro pronunciamento, no qual parecia
asseverar que o índice extremamente elevado de poupança
da China é imutável, pois resulta do confucionismo, que exalta
a "antiextravagância". E, enquanto isso, "não é o momento
certo" de os EUA pouparem
mais. Em outras palavras: vamos deixar tudo como está.
O que tampouco vai acontecer.
Em resumo, a China ainda
não está disposta a encarar as
dolorosas mudanças que serão
necessárias para enfrentar a
crise mundial.
É claro que o mesmo poderia
ser dito sobre os japoneses, sobre os europeus -e sobre os
norte-americanos.
E esse fracasso em encarar as
novas realidades é o principal
motivo para que, a despeito de
certo vislumbre de boas novas
-a conferência de cúpula do
Grupo dos 20 realizou mais do
que eu imaginava possível-, a
crise provavelmente dure anos.
PAUL KRUGMAN , economista, é colunista do
jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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