São Paulo, Domingo, 04 de Abril de 1999
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MUDANÇA DE RUMO
Área educacional do Ibmec custou R$ 2,9 milhões; novos sócios já investiram mais de US$ 1 milhão
Ex-sócio do Garantia troca banco por escola

CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
da Reportagem Local

Os quatro mais conhecidos ex-sócios do Banco Garantia, protagonistas de muitas jogadas célebres no mercado financeiro, estão investindo em uma nova área, a educação.
Depois de venderem o banco para o Credit Suisse First Boston, em julho do ano passado, Jorge Paulo Lemann, Cláudio Haddad, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira continuam fazendo alguns negócios juntos.
O mais recente investimento dos quatro foi a compra da área de ensino do Ibmec, o Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, criado em 1970 para pesquisas no setor e que desde 1985 mantém cursos de administração de empresas e economia.
Eles não entraram sozinhos no negócio, conta Cláudio Haddad, que foi diretor-superintendente do Garantia e diretor de política monetária do Banco Central no governo Figueiredo.
Os quatro participaram do negócio por meio de uma holding; outra holding foi formada pelo economista Paulo Guedes, que era vice-presidente do Ibmec. Outros executivos do instituto também se tornaram sócios.
Haddad não revela quanto os novos sócios desembolsaram. Mas o presidente do conselho do Ibmec, o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, informa que eles pagaram R$ 2,9 milhões.
A área de pesquisas vai continuar com o antigo Ibmec, que usará esses recursos para financiar estudos sobre o mercado de capitais. Também ficou para o antigo Ibmec um imóvel em São Paulo, avaliado em cerca de R$ 900 mil.
Além disso, um investimento de mais de US$ 1 milhão já foi feito pelos novos sócios no aluguel e na reforma de um prédio próximo à avenida Paulista, um dos centros financeiros de São Paulo.
Foi no seu novo escritório que Haddad, agora diretor-presidente do Ibmec (o mesmo cargo de Paulo Guedes), contou à Folhaseus planos para o novo empreendimento.

Folha - Como o sr. decidiu entrar na área educacional?
Cláudio Haddad -
Quando sai do Garantia, não só assinei um contrato que me impede por uns tempos de atuar no mercado financeiro, como achei que, depois de ter sido superintendente do banco, não havia nada mais que eu pudesse almejar fazer na área bancária. Além disso, eu queria mudar um pouco de vida. A educação foi sempre uma área pela qual eu me interessei -aliás, foi por onde comecei.
Folha - Antes de ir para o Garantia, o sr. foi professor?
Haddad -
Assim que eu me formei, fui ser professor da Fundação Getúlio Vargas, no Rio. Durante dois anos (de 74 a 76), fui só professor; depois comecei a dar consultoria para o próprio Garantia e, mais tarde, virei economista-chefe do banco e, depois, sócio.
Folha - O sr. passou, então, os últimos meses estudando possibilidades de investimento na área de educação?
Haddad -
Há bastante tempo já estava com a idéia de entrar na área educacional. Minha intenção era partir do zero e criar uma escola. Mas aí o Paulo Guedes me procurou, dizendo que o Ibmec estava num impasse porque as atividades educacionais do instituto (que não eram a razão original de sua criação) estavam exigindo investimentos de porte. Conversamos durante alguns meses e fizemos uma proposta para o conselho do Ibmec.
Folha - Como foi exatamente a venda?
Haddad -
Uma empresa formada por nós e por executivos do Ibmec comprou as atividades educacionais do instituto. Essa empresa se chama Ibmec Educacional S/A. Houve uma cisão das atividades do Ibmec. As atividades de ensino foram vendidas para nós.
Folha - E a parte de pesquisa ficou com o antigo Ibmec?
Haddad -
Agora o Ibmec tem um fundo formado com recursos que pagamos a eles para financiar as pesquisas. Nós compramos também a marca Ibmec, que eles não podem mais usar em nenhuma atividade educacional.
Folha - E quanto vocês pagaram?
Haddad -
Prefiro não dizer. Tenho vício de banqueiro e prefiro que o vendedor fale.
Folha - Quanto vocês já investiram depois da compra?
Haddad -
No aluguel e na reforma do novo prédio de São Paulo, já investimos mais de US$ 1 milhão. A prioridade era São Paulo porque estamos implantando aqui as faculdades de economia e de administração. Antes, só havia os cursos de pós-graduação, que também existem no Rio de Janeiro, em Brasília e em Belo Horizonte. No Rio, os cursos de graduação já existem há quatro anos.
Folha - Independentemente do seu interesse por educação, vale a pena investir nessa área do ponto de vista de negócio?
Haddad -
Eu acho que sim. É claro que a educação nunca vai ser igual ao mercado financeiro. Não pretendo, nem de longe, repetir os resultados financeiros do Banco Garantia. Mas, acho que é um negócio rentável.
O nosso foco não é rentabilidade massificada. Não é encher a escola de alunos e baixar a qualidade. Queremos ser a melhor faculdade de economia e de administração da América Latina. Queremos oferecer qualidade e sermos rentáveis ao mesmo tempo.
Folha - O sr. fez algum estudo de mercado antes de investir?
Haddad -
Sempre mantive contato com a área educacional. Sei que existe uma demanda por cursos de qualidade. Além disso, está aumentando o número de estudantes se formando no secundário. Então, a demanda por cursos universitários vai continuar crescendo. E existe muita procura por educação continuada. A globalização e a privatização estão exigindo que os executivos se reciclem a cada cinco ou dez anos.
Folha - O sr. acha que as escolas privadas vão ocupar parte do espaço das universidades públicas?
Haddad -
O que existe hoje no Brasil em termos de ensino superior é, de um lado, a escola pública onde estudam cerca de 40% dos universitários e que está com uma série de problemas. De outro, estão faculdades privadas que não primam muito pela qualidade, tirando algumas ilhas de excelência como a FGV (Fundação Getúlio Vargas) e a PUC (Pontifícia Universidade Católica), por exemplo. O que, aliás, se reflete nas notas que o MEC (Ministério da Educação) está dando aos cursos particulares.
Folha - Para manter a qualidade é preciso cobrar uma mensalidade mais elevada?
Haddad -
Em São Paulo, a mensalidade das nossas faculdades é de cerca de R$ 850,00, semelhante à cobrada pela FGV e que é só um pouco mais alta do que é cobrado por escolas secundárias de alto nível, como Porto Seguro e Santa Cruz. Vamos dar bolsas de estudo para quem precisar.
Folha - O que já foi feito que mostra essa preocupação com qualidade?
Haddad -
Já estamos trazendo pessoas como Afonso Celso Pastore (ex-presidente do Banco Central) para o comitê acadêmico e professores que acabaram de fazer seus cursos de pós-graduação nos Estados Unidos.
Os alunos da graduação têm aula em período integral e recebem um laptop assim que começam as aulas para acompanhar as aulas e ter acesso à Internet.
Estamos montando uma biblioteca de 7 mil livros. E estamos buscando uma parceria com uma universidade americana. Nosso enfoque é preparar o aluno para o mercado de trabalho -vamos inclusive ajudá-lo no último ano da faculdade a conseguir um estágio.
Folha - Como está sendo sua adaptação à nova atividade depois de quase 20 anos de mercado financeiro?
Haddad -
São ritmos totalmente diferentes. Continuo acompanhando o mercado financeiro, mas sem o mesmo interesse. Sempre gostei da área de educação e acho que é importante que haja uma profissionalização nesse setor.
Folha - O sr. não se preocupou por estar iniciando um negócio num momento de crise da economia brasileira?
Haddad -
Se você for se preocupar com isso, não faz nada. No Garantia, já pensávamos assim. O Brasil vai sair dessa crise, de uma forma ou de outra.
Folha - Neste ano, outra pessoa muito conhecida do mercado financeiro, o ex-presidente da Bolsa de Valores de São Paulo Eduardo da Rocha Azevedo, também investiu em uma escola de economia, em Campinas (SP). Foi só coincidência?
Haddad -
Foi uma coincidência, mas talvez seja uma indicação de que investir é educação é mesmo um bom negócio.


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