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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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"RECALL" DE EMPRESAS

Após hibernação legislação volta ao debate; governo vê arma para reduzir o "spread" bancário

Para analistas, só lei de falência não corta juro

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de dez anos de hibernação, o projeto da nova Lei de Falências ressurgiu no final do governo Fernando Henrique Cardoso e, agora, está sendo vendido pelo atual como uma arma para reduzir o "spread" bancário.
Por esse raciocínio, ao tornar mais flexível e negociado o processo de recuperação de empresas em dificuldades financeiras, a nova lei ajudaria a baixar os juros.
Os lobbies que fizeram o projeto encaminhado ao Legislativo em 1993 mofar por tanto tempo na gaveta já estão em polvorosa para garantir seus interesses. O resultado de análises, emendas e propostas que envolveram desde o Banco Central até a Câmara Americana está num calhamaço de 71 páginas e 238 artigos.
Em que linha ou alínea está a pedra de toque que poderá amordaçar os juros brasileiros é difícil dizer. Os céticos duvidam que isso ocorra."Os juros não são altos por causa da Lei de Falências", diz Alberto Borges Matias, professor da faculdade de Economia da USP de Ribeirão Preto.
Para o economista, é a manutenção da taxa básica (Selic) em níveis elevados para financiar o governo, e os gordos "spreads" bancários que determinam o custo do dinheiro nos financiamentos ao consumidor e às empresas.
"Spread" é a diferença entre a taxa de juros paga pelo banco ao captar recursos no mercado, e a que ele recebe ao emprestar dinheiro. Segundo estudo feito pela ABM Consulting a pedido da Folha, em março, a taxa média do "spread" bancário estava em 33% ao ano.
Matias afirma que esse patamar de "spread" é consequência do baixo volume de crédito concedido pelos bancos brasileiros. "No Brasil, o volume total de crédito corresponde a 23% do PIB ", diz.
Já na Espanha o total de créditos concedidos na economia representa 134% do PIB e na Alemanha, 164%. "Nós não temos volume de crédito nos padrões daqueles países, mas temos uma estrutura operacional nos bancos igual ou melhor que a deles", observa.
Assim, quem toma empréstimos bancários tem de pagar por essa estrutura. "A falta de escala faz com que os bancos dependam de juros altos para amortizar seus custos", diz Matias.
Estudo da ABM Consulting mostra que há uma forte correlação entre taxa de juros e volume de crédito. "Se a taxa de juros para pessoa física subir hoje 10%, daqui a três meses o volume de crédito cairá 8,9% e em seis meses cairá 9,4%", diz Alan Marinovic, analista da ABM Consulting.
Mesmo defensores das mudanças no sistema de concordatas e falências são cuidadosos ao analisar o impacto da nova lei.
Armando Castelar Pinheiro, economista do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), diz que "é impossível medir numericamente o impacto da lei de falências sobre o "spread'".
Na sua opinião, "a lei de falências não é uma panacéia, mas parte de um processo mais amplo que poderá reduzir o "spread" e os juros no país". Ao mesmo tempo em que muda a lei, o custo do capital no mercado internacional, o risco-país e a economia interna estão mudando. "E tudo isso influencia o custo do dinheiro", diz ele.
A contribuição da nova lei é que, ao tornar mais ágil o processo de recuperação de empresas em dificuldades financeiras, evita sua quebra e grandes prejuízos para devedores e credores. Castelar é autor de um dos mais celebrados trabalhos sobre o impacto da morosidade da Justiça sobre o desempenho da economia.
Alguns itens do projeto de lei 4.376/93, segundo Castelar, podem ajudar a baixar os juros. "A forma como qualquer país reduz "spread" é aumentando a qualidade das garantias dadas na concessão de crédito", diz ele.
Sérgio Werlang, diretor do banco Itaú e ex-diretor do BC, defende a mesma tese. "A alta inadimplência e a dificuldade que os bancos têm em executar suas garantias são as principais determinantes do "spread" bancário", diz Werlang.



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