São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Fed, Banco do Japão e liquidez

A conjugação das políticas monetárias do Fed e do Banco do Japão fomentou a forte alta da liquidez internacional

ENTRE 2001 e 2003, a política monetária americana funcionou de forma anticíclica: a autoridade monetária baixou rapidamente os juros e satisfez a demanda dos "market makers" por papéis mais líquidos e seguros. Essa providência manteve a rentabilidade das carteiras desses agentes ao reduzir seu custo de carregamento. Ao mesmo tempo, o superávit fiscal transformou-se progressivamente em um déficit graúdo -atualmente em torno de 4,3% do PIB (Produto Interno Bruto). Na verdade, o superávit nas contas do governo tornou-se disfuncional, tanto do ponto de vista da sustentação da demanda agregada como da composição dos patrimônios privados. Como se sabe, o setor privado, na recessão, contraiu fortemente os gastos de investimento e buscou ampliar, em sua carteira de ativos, a participação de papéis do governo como forma de preservação da riqueza líquida, substituindo, na margem, a aquisição de papéis privados. A política de redução das taxas de juros nos Estados Unidos e sua manutenção em níveis muito baixos até o primeiro trimestre de 2004 estimularam as operações de "carry trade" -tomar recursos baratos em uma determinada moeda (no caso o dólar) e aplicá-los em outras moedas (como o real), com rendimentos mais elevados. O Japão, ainda encalacrado na longa estagnação dos anos 90, manteve, até recentemente, três procedimentos de política monetária e cambial que ajudaram -e muito- na sustentação do ciclo de liquidez global. São eles: 1) o chamado "quantitative easing", ou seja, a forte expansão monetária, 2) a taxa básica de juros zero, e 3) as intervenções destinadas a impedir a valorização da taxa de câmbio. A expansão quantitativa da moeda foi adotada porque o estado falimentar dos bancos comerciais, associado à queda da demanda de crédito por parte das empresas atoladas no excesso de capacidade, impedia que os empréstimos criassem depósitos à vista e, portanto, meios de pagamento. Tal combinação de políticas tinha o propósito de impedir o avanço das forças deflacionárias que fustigaram a economia japonesa durante a longa estagnação dos anos 90 e início do terceiro milênio. A conjugação entre as políticas monetárias do Fed e do Banco do Japão fomentou a forte alta da liquidez internacional e impulsionou o atual ciclo de liquidez e de inflação de ativos, aí incluídos a especulação nos mercados de commodities. A partir de 2004, a subida progressiva dos juros nos Estados Unidos reduziu drasticamente as vantagens dos empréstimos em dólar para o "carry trade" em mercados forâneos de alto rendimento. Entre o segundo e o quarto trimestres de 2005, a variação líquida dos ativos em mercados externos dos bancos americanos caiu de US$ 170 bilhões para US$ 11 bilhões. A isso se junta a recuperação da economia japonesa, o fim do "quantitative easing" e a conseqüente elevação das taxas de juros. Esses fatores já deram o ar da graça nos ataques desferidos contra os ativos e as moedas de países emergentes.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 63, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

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