São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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Ribeirinhos não têm papéis de terrenos

Famílias já recebem ofertas de indenização, mas não provam posse; maioria das terras é invadida e negociada por grileiros

População terá de ser deslocada em razão da construção de hidrelétricas; empresas estimam criação de até 14 mil empregos


DA ENVIADA ESPECIAL A PORTO VELHO

As usinas de Santo Antônio e Jirau serão capazes de gerar, juntas, 6.500 MW até 2011. Levando em conta que a energia média consumida por uma família seja de 200 kW mensais, as hidrelétricas do Madeira serão potentes o bastante para iluminar 14,5 milhões de lares por mês.
A obra das duas usinas, dizem Odebrecht e Furnas, levará de seis a dez anos para acabar. Resultará na criação de 14 mil empregos diretos no período. As empresas avaliam que isso é o suficiente para absorver 100% da mão-de-obra ociosa existente no Estado e observam que esse número deve ser multiplicado por três, levando em consideração a geração de trabalho indireto.
Defendem ainda que o projeto tem como base estudos feitos desde 2001 por cinco entidades - todas civis, universitárias e especializadas. Esses documentos, dizem, mostram danos mínimos ao ambiente e a contribuição das duas hidrelétricas para integrar o transporte de cargas entre Brasil, Bolívia e Peru. Além disso, facilitarão o tráfego de mercadorias dentro da própria região Norte, caso sejam instaladas hidrovias no rio Madeira, como descrito no projeto original.
Os rondonienses terão de pagar o preço para a oferta de empregos. O Madeira é enorme e largo. Seria perfeito para uma hidrelétrica, não fosse o fato de que suas quedas-d'água -um dos aspectos mais relevantes para a geração da energia- são tímidas. Por isso, ele terá de ser alargado; barragens serão construídas, uma de 13,9 m e outra com até 15 m.
Cerca de 2.800 famílias ribeirinhas poderão ter de ser levadas para outro lugar, pois suas respectivas casas serão engolidas pelas águas do Madeira. Odebrecht e Furnas dizem que não é tudo isso: 800 famílias acabariam efetivamente transladadas, porque há diferença entre "afetados" e "deslocados". Para onde eles vão? Ninguém sabe ao certo. Como o projeto ainda está no papel, não foi batido o martelo sobre o local dos reassentamentos nem o valor das indenizações.

Ofertas
Segundo vários ribeirinhos entrevistados pela Folha, porém, as coisas estão adiantadas. Já começaram visitas de pessoas que fizeram ofertas por seus terrenos, a título de indenização: R$ 3.000 por uma casa à beira do Madeira.
Supondo verdadeira a proposta, o dono da casa precisa provar que o terreno é dele para receber dos empreendedores os R$ 3.000- algo praticamente impossível em Rondônia. A maioria das terras é invadida ou comercializada por grileiros, muitas vezes debaixo do nariz do Estado. Escritura, papel, assinatura, carimbo de cartório são caras para os padrões locais. A Folha passou três dias viajando pela região. Não encontrou nenhum morador que tivesse os papéis.
Estados e municípios prometem ajudar os ribeirinhos a conseguir os documentos. Querem até participar do empreendimento. São favoráveis ao empreendimento pela capacidade de desenvolvimento que trarão à região.


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