São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2008

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ARTIGO

Conselhos para o crescimento

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

HOJE, CERCA de dois terços da humanidade vivem em países de alta renda ou alto crescimento.
Há 30 anos, a proporção era de menos de 20%. Infelizmente, os outros 2 bilhões de pessoas vivem em países de renda estagnada ou em declínio. O que torna esse ponto ainda importante é o fato de que cerca de dois terços do crescimento populacional de cerca de 3 bilhões de pessoas que é previsto até 2050 acontecerão em países que atualmente desfrutam de crescimento baixo ou zero.
O desafio supremo seria promover mais países pobres à categoria do alto crescimento. Esse problema é tratado pelo recente "Relatório sobre o Crescimento", produzido por uma comissão composta de autoridades de países em desenvolvimento, sob o comando de Michael Spence, economista da Universidade de Stanford laureado com o Nobel.
Assim, o que o relatório tem a oferecer? Nada de útil, argumentou William Easterly, da Universidade de Nova York, em artigo no "Financial Times". Ele sugeriu, em lugar disso, que a visão pragmática do texto representava "o colapso final do paradigma de "especialistas em desenvolvimento" que dominou a abordagem ocidental quanto aos países pobres desde a Segunda Guerra Mundial".
Em seguida, Easterly ofereceu sua opinião como especialista, a saber, a de que "maior liberdade econômica e política está associada a uma pobreza muito menor". Isso é verdade.
Mas é no mínimo áspero de sua parte condenar o relatório quando o que tem a oferecer parece ser um conselho ainda mais estéril. O apoio de Easterly à liberdade política quereria dizer que a China representa desastre em termos de desenvolvimento? Dificilmente.
Será que seu apoio à liberdade econômica significa que o intervencionismo da Coréia do Sul foi uma catástrofe? A resposta deve ser negativa.
Ao contrário do que argumenta Easterly, o relatório oferece contribuições úteis à compreensão das autoridades econômicas. A mais importante é a ênfase no crescimento em si, que era desconsiderado por muitos dos assessores e ativistas nos anos 90 e no começo dos 2000. O crescimento não é tudo. Mas é a fundação sobre a qual tudo pode acontecer.
Quanto mais pobre o país, mais importante se torna o crescimento, em parte porque é impossível redistribuir o nada e em parte porque renda mais alta faz grande diferença para o bem-estar dos mais pobres.
No entanto, o relatório vai além disso. Baseia-se em análises de 13 países que conseguiram crescer 7% anuais nos últimos 25 anos. São muito diversificados: Botsuana, Brasil, China, Cingapura, Coréia do Sul, Hong Kong, Indonésia, Japão, Malásia, Malta, Omã, Taiwan e Tailândia. Índia e Vietnã provavelmente se integrarão a esse grupo. Nem todos esses países conseguiram sustentar esse ritmo de crescimento. Brasil e Indonésia são dois exemplos importantes de recuo. E os países componentes do grupo também diferem em muitos aspectos, especialmente em tamanho, recursos e cultura.
Mas, sugere o relatório, eles compartilham de cinco pontos de semelhança: exploraram plenamente as oportunidades oferecidas pela economia mundial; mantiveram a estabilidade macroeconômica; sustentaram níveis elevados de poupança e investimento; permitiram que os mercados alocassem recursos; e tinham governos dedicados, confiáveis e capazes.

Outra ênfase
Esses pontos são compatíveis com o chamado "Consenso de Washington", dos anos 90, que enfatizava a estabilidade macroeconômica, o comércio e o mercado. Mas a ênfase do relatório é outra: ele não enfatiza privatização, mercados livres e livre comércio e destaca o papel do chamado "Estado desenvolvimentista".
Para além desses princípios, o relatório propõe "ingredientes" para o crescimento rápido, que incluem: investimento equivalente a ao menos 25% do PIB, financiado predominantemente pela poupança interna, e incluindo investimento de 5% a 7% do PIB em infra-estrutura; e gasto de 7% a 8% do PIB, pelos setores público e privado, em educação, treinamento e saúde.
O relatório também oferece guia pragmático para alguns debates controversos: o papel da política industrial e da promoção de exportação, os prós e contras da desvalorização deliberada de taxas de câmbio; o quanto e quando a economia deve se abrir a fluxos de capital.
O fio condutor do relatório é a crença no papel orientador de um governo engajado. Isso reflete a composição da comissão e a audiência que ela pretende atingir. O ponto fraco é que ignora o processo pelo qual governos efetivos surgem. Mas a ênfase é a correta: o desenvolvimento rápido ocorre em Estados fortes, com governos efetivos, e não em países fracos.
Especialmente útil é a lista resumida de políticas que deveriam ser evitadas. Entre elas, estão o subsídio à energia; o uso do serviço civil como empregador de emergência; a redução de déficits fiscais por meio de cortes nos gastos com a infra-estrutura; a provisão de proteções ilimitadas a determinados setores; o uso de controles de preços como forma de conter a inflação; a proibição de exportações, a fim de manter baixos os preços internos; o investimento insuficiente em infra-estrutura urbana; o pagamento de salários insuficientes aos funcionários públicos, como os professores; e permitir que a taxa de câmbio se valorize demais e rápido demais.
O relatório, portanto, deve ser considerado como um guia pragmático para políticas que acelerarão o crescimento nos países em desenvolvimento. O que emerge da leitura é o quanto isso se vem provando complicado. O texto aponta, corretamente, a freqüência com que o ritmo de crescimento tende a se reduzir assim que um país atinge uma faixa média de renda. Isso ocorre em parte porque a política e as políticas adotadas mudam, e devem mudar, à medida que a economia evolui. Obter crescimento sustentado e rápido parece ser difícil.
Reconhecer o fato não representa objeção à conclusão do relatório, que oferece uma admissão quanto ao pouco que sabemos sobre um processo econômico, social e político tão complexo. Sim, o relatório é humilde. Os economistas têm muitas razões para a humildade. Mas não devemos confundir humildade com completa ignorância.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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