|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Conselhos para o crescimento
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
HOJE, CERCA de dois
terços da humanidade
vivem em países de alta renda ou alto crescimento.
Há 30 anos, a proporção era de
menos de 20%. Infelizmente,
os outros 2 bilhões de pessoas
vivem em países de renda estagnada ou em declínio. O que
torna esse ponto ainda importante é o fato de que cerca de
dois terços do crescimento populacional de cerca de 3 bilhões
de pessoas que é previsto até
2050 acontecerão em países
que atualmente desfrutam de
crescimento baixo ou zero.
O desafio supremo seria promover mais países pobres à categoria do alto crescimento. Esse problema é tratado pelo recente "Relatório sobre o Crescimento", produzido por uma
comissão composta de autoridades de países em desenvolvimento, sob o comando de Michael Spence, economista da
Universidade de Stanford laureado com o Nobel.
Assim, o que o relatório tem a
oferecer? Nada de útil, argumentou William Easterly, da
Universidade de Nova York, em
artigo no "Financial Times".
Ele sugeriu, em lugar disso, que
a visão pragmática do texto representava "o colapso final do
paradigma de "especialistas em
desenvolvimento" que dominou a abordagem ocidental
quanto aos países pobres desde
a Segunda Guerra Mundial".
Em seguida, Easterly ofereceu sua opinião como especialista, a saber, a de que "maior liberdade econômica e política
está associada a uma pobreza
muito menor". Isso é verdade.
Mas é no mínimo áspero de sua
parte condenar o relatório
quando o que tem a oferecer
parece ser um conselho ainda
mais estéril. O apoio de Easterly à liberdade política quereria dizer que a China representa desastre em termos de desenvolvimento? Dificilmente.
Será que seu apoio à liberdade
econômica significa que o intervencionismo da Coréia do
Sul foi uma catástrofe? A resposta deve ser negativa.
Ao contrário do que argumenta Easterly, o relatório oferece contribuições úteis à compreensão das autoridades econômicas. A mais importante é a
ênfase no crescimento em si,
que era desconsiderado por
muitos dos assessores e ativistas nos anos 90 e no começo
dos 2000. O crescimento não é
tudo. Mas é a fundação sobre a
qual tudo pode acontecer.
Quanto mais pobre o país, mais
importante se torna o crescimento, em parte porque é impossível redistribuir o nada e
em parte porque renda mais alta faz grande diferença para o
bem-estar dos mais pobres.
No entanto, o relatório vai
além disso. Baseia-se em análises de 13 países que conseguiram crescer 7% anuais nos últimos 25 anos. São muito diversificados: Botsuana, Brasil, China, Cingapura, Coréia do Sul,
Hong Kong, Indonésia, Japão,
Malásia, Malta, Omã, Taiwan e
Tailândia. Índia e Vietnã provavelmente se integrarão a esse
grupo. Nem todos esses países
conseguiram sustentar esse ritmo de crescimento. Brasil e Indonésia são dois exemplos importantes de recuo. E os países
componentes do grupo também diferem em muitos aspectos, especialmente em tamanho, recursos e cultura.
Mas, sugere o relatório, eles
compartilham de cinco pontos
de semelhança: exploraram
plenamente as oportunidades
oferecidas pela economia mundial; mantiveram a estabilidade
macroeconômica; sustentaram
níveis elevados de poupança e
investimento; permitiram que
os mercados alocassem recursos; e tinham governos dedicados, confiáveis e capazes.
Outra ênfase
Esses pontos são compatíveis com o chamado "Consenso
de Washington", dos anos 90,
que enfatizava a estabilidade
macroeconômica, o comércio e
o mercado. Mas a ênfase do relatório é outra: ele não enfatiza
privatização, mercados livres e
livre comércio e destaca o papel
do chamado "Estado desenvolvimentista".
Para além desses princípios,
o relatório propõe "ingredientes" para o crescimento rápido,
que incluem: investimento
equivalente a ao menos 25% do
PIB, financiado predominantemente pela poupança interna, e
incluindo investimento de 5% a
7% do PIB em infra-estrutura;
e gasto de 7% a 8% do PIB, pelos
setores público e privado, em
educação, treinamento e saúde.
O relatório também oferece
guia pragmático para alguns
debates controversos: o papel
da política industrial e da promoção de exportação, os prós e
contras da desvalorização deliberada de taxas de câmbio; o
quanto e quando a economia
deve se abrir a fluxos de capital.
O fio condutor do relatório é
a crença no papel orientador de
um governo engajado. Isso reflete a composição da comissão
e a audiência que ela pretende
atingir. O ponto fraco é que ignora o processo pelo qual governos efetivos surgem. Mas a
ênfase é a correta: o desenvolvimento rápido ocorre em Estados fortes, com governos efetivos, e não em países fracos.
Especialmente útil é a lista
resumida de políticas que deveriam ser evitadas. Entre elas,
estão o subsídio à energia; o uso
do serviço civil como empregador de emergência; a redução
de déficits fiscais por meio de
cortes nos gastos com a infra-estrutura; a provisão de proteções ilimitadas a determinados
setores; o uso de controles de
preços como forma de conter a
inflação; a proibição de exportações, a fim de manter baixos
os preços internos; o investimento insuficiente em infra-estrutura urbana; o pagamento
de salários insuficientes aos
funcionários públicos, como os
professores; e permitir que a
taxa de câmbio se valorize demais e rápido demais.
O relatório, portanto, deve
ser considerado como um guia
pragmático para políticas que
acelerarão o crescimento nos
países em desenvolvimento. O
que emerge da leitura é o quanto isso se vem provando complicado. O texto aponta, corretamente, a freqüência com que
o ritmo de crescimento tende a
se reduzir assim que um país
atinge uma faixa média de renda. Isso ocorre em parte porque
a política e as políticas adotadas
mudam, e devem mudar, à medida que a economia evolui.
Obter crescimento sustentado e rápido parece ser difícil.
Reconhecer o fato não representa objeção à conclusão do
relatório, que oferece uma admissão quanto ao pouco que sabemos sobre um processo econômico, social e político tão complexo. Sim, o relatório é
humilde. Os economistas têm
muitas razões para a humildade. Mas não devemos confundir humildade com completa
ignorância.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Barril: Para Soros, alta do petróleo é uma bolha Próximo Texto: Frase Índice
|