São Paulo, quarta-feira, 04 de julho de 2007

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UE e Brasil trocam farpas antes de cúpula

Mandelson, da União Européia, diz que não entendeu fala de Lula criticando o bloco e pede seriedade na negociação

Tiroteio deve azedar reunião de presidente brasileiro com líderes europeus, hoje, em Lisboa, visando acordo comercial

Nicolas Bouvy/Efe
O britânico Peter Mandelson, da UE, que ironizou fala de Lula


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

O que deveria ser uma celebração política das mais simpáticas para o Brasil -a sua entronização hoje em Lisboa como "parceiro estratégico" da União Européia (UE)- corre agora o risco de se transformar em continuidade do intenso tiroteio travado pelas duas partes (mais os Estados Unidos) após o fracasso do G4 (EUA, UE, Brasil e Índia) em Potsdam, há duas semanas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a primeira salva anteontem, ao repetir tiros disparados ainda na cidade alemã pelo seu chanceler, Celso Amorim. O fato de ser presidente dá maior calibre, como é óbvio, aos seus disparos.
Lula disse, entre outras coisas:
"A União Européia e os Estados Unidos fizeram um acordo em que nem os Estados Unidos diminuiriam o subsídio para a sua agricultura, nem a União Européia abriria qualquer flexibilidade nos produtos agrícolas. E queriam que nós abríssemos mão dos produtos industriais e do setor de serviços, e nós fizemos questão de dizer que tinha acabado aquele momento da subserviência".
Resposta ontem de Peter Mandelson, o comissário europeu para o Comércio, em entrevista à BBC Brasil: "Estou perplexo com essas declarações. Não tenho idéia de o que ele [Lula] quer dizer com isso".
Pior: Mandelson, que é explosivo e nem sempre consegue ser diplomático, acabou cobrando seriedade do presidente brasileiro, ao afirmar:
"Mais do que entrarmos na retórica, devemos entrar na negociação séria. É o que eu espero que façamos o mais rápido possível", disse o britânico.
Lula e Mandelson estarão juntos hoje em Lisboa, durante a primeira cúpula ("cimeira", como preferem os portugueses) entre o Brasil e a União Européia.
Cúpulas não são o local para negociações comerciais, mas Doha tornou-se assunto quase inevitável pela coincidência de a reunião de Lisboa se dar apenas duas semanas após o fracasso do G4 em avançar as negociações comerciais e do estado comatoso a que o fiasco lançou a rodada.
O governo português, que acaba de assumir a presidência de turno da UE, quer de todas as formas deixar Doha de fora da cúpula, por motivos óbvios: é um ponto forte de divergências entre os que se tornam hoje "parceiros estratégicos". Não convém que "parceiros estratégicos" comecem a parceria trocando tiros.
Tanto não convém que a diplomacia brasileira gostaria de usar seu novo status junto aos europeus para relançar as negociações para um acordo de livre comércio com o bloco europeu, uma tentativa ambiciosa de entendimento que criaria o maior conglomerado comercial do mundo, mas está paralisada desde 2004.
O chanceler brasileiro, Celso Amorim, não esconde o objetivo: "Tanto num cenário de conclusão da Rodada Doha, que nós preferimos, como num cenário de eventual fracasso, as negociações com a União Européia são muito importantes, e esse diálogo estratégico vai ajudar", afirmou, em entrevista exclusiva à Agência Lusa.
Aí, o terreno é mais fértil. Primeiro porque o governo uruguaio, que acaba de assumir a presidência de turno do Mercosul, já avisou o Brasil que é sua prioridade absoluta tentar reanimar as negociações com a Europa.
Segundo, porque do lado europeu há vários sinais de interesse nessa negociação. Diz, por exemplo, o documento da Comissão Européia que serviu de base para a parceria estratégica:
"Dado o peso do Brasil no Mercosul, o reforço da relação política da União Européia contribuirá para a integração dentro do próprio Mercosul, assim como para as relações UE-Mercosul".
Ou seja, não se está dando ao Brasil um novo status apenas pelo que o país é, mas também pelo bloco que ele lidera.
Não que seja fácil concluir as negociações entre os dois blocos, do que dá prova o fato de que o diálogo foi interrompido há três anos e ficou hibernando desde então.
O impasse é, a rigor, o mesmo que paralisa a Rodada Doha: o Mercosul quer a liberalização da agricultura na Europa, que quer que o bloco sul-americano abra mais a sua indústria e também o setor de serviços.
Há, no entanto, duas diferenças que tornam menos difícil a negociação bilateral: primeiro, o Brasil pode oferecer mais na área industrial aos europeus porque não terá que estender à China as concessões que fizer. A China e sua voracidade exportadora são os grandes fantasmas para setores inteiros da indústria brasileira.
Segundo, os europeus podem atender a ânsia do Mercosul pelo seu mercado por meio de cotas para produtos de interesse dos sul-americanos, sem, portanto, ter que fazer uma abertura ampla como a demandada na negociação Doha.
A questão agora é evitar que Doha envenene o ambiente.


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