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UE e Brasil trocam farpas antes de cúpula
Mandelson, da União Européia, diz que não entendeu fala de Lula criticando o bloco e pede seriedade na negociação
Tiroteio deve azedar reunião de presidente brasileiro com líderes europeus, hoje, em Lisboa, visando acordo comercial
Nicolas Bouvy/Efe
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O britânico Peter Mandelson, da UE, que ironizou fala de Lula |
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA
O que deveria ser uma celebração política das mais simpáticas para o Brasil -a sua entronização hoje em Lisboa como
"parceiro estratégico" da União
Européia (UE)- corre agora o
risco de se transformar em continuidade do intenso tiroteio
travado pelas duas partes (mais
os Estados Unidos) após o fracasso do G4 (EUA, UE, Brasil e
Índia) em Potsdam, há duas semanas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a primeira salva
anteontem, ao repetir tiros disparados ainda na cidade alemã
pelo seu chanceler, Celso Amorim. O fato de ser presidente dá
maior calibre, como é óbvio,
aos seus disparos.
Lula disse, entre outras coisas:
"A União Européia e os Estados Unidos fizeram um acordo
em que nem os Estados Unidos
diminuiriam o subsídio para a
sua agricultura, nem a União
Européia abriria qualquer flexibilidade nos produtos agrícolas. E queriam que nós abríssemos mão dos produtos industriais e do setor de serviços, e
nós fizemos questão de dizer
que tinha acabado aquele momento da subserviência".
Resposta ontem de Peter
Mandelson, o comissário europeu para o Comércio, em entrevista à BBC Brasil: "Estou perplexo com essas declarações.
Não tenho idéia de o que ele
[Lula] quer dizer com isso".
Pior: Mandelson, que é explosivo e nem sempre consegue
ser diplomático, acabou cobrando seriedade do presidente brasileiro, ao afirmar:
"Mais do que entrarmos na
retórica, devemos entrar na negociação séria. É o que eu espero que façamos o mais rápido
possível", disse o britânico.
Lula e Mandelson estarão
juntos hoje em Lisboa, durante
a primeira cúpula ("cimeira",
como preferem os portugueses) entre o Brasil e a União Européia.
Cúpulas não são o local para
negociações comerciais, mas
Doha tornou-se assunto quase
inevitável pela coincidência de
a reunião de Lisboa se dar apenas duas semanas após o fracasso do G4 em avançar as negociações comerciais e do estado comatoso a que o fiasco lançou a rodada.
O governo português, que
acaba de assumir a presidência
de turno da UE, quer de todas
as formas deixar Doha de fora
da cúpula, por motivos óbvios:
é um ponto forte de divergências entre os que se tornam hoje "parceiros estratégicos". Não
convém que "parceiros estratégicos" comecem a parceria trocando tiros.
Tanto não convém que a diplomacia brasileira gostaria de
usar seu novo status junto aos
europeus para relançar as negociações para um acordo de livre comércio com o bloco europeu, uma tentativa ambiciosa
de entendimento que criaria o
maior conglomerado comercial
do mundo, mas está paralisada
desde 2004.
O chanceler brasileiro, Celso
Amorim, não esconde o objetivo: "Tanto num cenário de conclusão da Rodada Doha, que
nós preferimos, como num cenário de eventual fracasso, as
negociações com a União Européia são muito importantes, e
esse diálogo estratégico vai ajudar", afirmou, em entrevista
exclusiva à Agência Lusa.
Aí, o terreno é mais fértil. Primeiro porque o governo uruguaio, que acaba de assumir a
presidência de turno do Mercosul, já avisou o Brasil que é sua
prioridade absoluta tentar reanimar as negociações com a
Europa.
Segundo, porque do lado europeu há vários sinais de interesse nessa negociação. Diz,
por exemplo, o documento da
Comissão Européia que serviu
de base para a parceria estratégica:
"Dado o peso do Brasil no
Mercosul, o reforço da relação
política da União Européia
contribuirá para a integração
dentro do próprio Mercosul,
assim como para as relações
UE-Mercosul".
Ou seja, não se está dando ao
Brasil um novo status apenas
pelo que o país é, mas também
pelo bloco que ele lidera.
Não que seja fácil concluir as
negociações entre os dois blocos, do que dá prova o fato de
que o diálogo foi interrompido
há três anos e ficou hibernando
desde então.
O impasse é, a rigor, o mesmo
que paralisa a Rodada Doha: o
Mercosul quer a liberalização
da agricultura na Europa, que
quer que o bloco sul-americano
abra mais a sua indústria e também o setor de serviços.
Há, no entanto, duas diferenças que tornam menos difícil a
negociação bilateral: primeiro,
o Brasil pode oferecer mais na
área industrial aos europeus
porque não terá que estender à
China as concessões que fizer.
A China e sua voracidade exportadora são os grandes fantasmas para setores inteiros da
indústria brasileira.
Segundo, os europeus podem
atender a ânsia do Mercosul
pelo seu mercado por meio de
cotas para produtos de interesse dos sul-americanos, sem,
portanto, ter que fazer uma
abertura ampla como a demandada na negociação Doha.
A questão agora é evitar que
Doha envenene o ambiente.
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