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OPINIÃO ECONÔMICA
Sobre o vôo da galinha e as reformas
WALTER BRASIL MUNDELL
Foi admirável a inversão de
expectativas com relação à
gestão econômica do governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O receio inicial dos analistas
-de que a promessa de políticas
responsáveis fosse apenas uma
estratégia para ganhar as eleições- veio abaixo quando o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) elevou a meta de superávit
fiscal, de 3,75% para 4,25% do
PIB, o Banco Central apertou a
política monetária e o governo assegurou o cumprimento, com folga, das metas estabelecidas no
acordo com o FMI.
Até os deslizes verbais do presidente, que continuam a ocorrer
quase todos os dias, agora não
têm importância: ora contra as
agências reguladoras ou contra o
lucro excessivo dos bancos, às vezes contra a política de reajuste
das tarifas de energia e de telefonia ou contra o Poder Judiciário,
suas palavras são vistas como manifestações de sabedoria e conhecimento. Talvez uma de suas
maiores qualidades seja essa: sua
franqueza é a de um homem do
povo, que tem orgulho de seu passado de lutas e que chegou à Presidência. Talvez seja um gênio intuitivo que capta o que os brasileiros pensam, mas não vêem expresso claramente nos meios de
comunicação, como no caso da
crítica à "caixa-preta" do Poder
Judiciário.
A grande torcida agora é para
que os juros caiam mais; aparentemente bastaria isso para começar "o espetáculo do crescimento". Mas é aqui que começam as
maiores dificuldades. Devemos
lembrar que essa situação de melhoria conjuntural ocorreu várias
vezes ao longo dos últimos anos e
que, após alguns meses de bonança, veio a inversão de expectativas
e todos ficaram pessimistas, o
câmbio desvalorizou, a inflação
subiu, o crédito ficou escasso...
Será diferente desta vez? Ou estamos apenas em mais um ciclo
de melhoria conjuntural que será
invertido em algumas semanas?
É difícil responder a essa pergunta diretamente, mas achamos
importante a consideração de alguns aspectos. O primeiro deles é
que a economia brasileira está
com o potencial de crescimento
limitado por uma série de fatores.
Nossas exportações estão altas
principalmente porque, apesar de
algum esforço nas políticas de
promoção de exportações, a taxa
de câmbio foi fortemente desvalorizada ao longo de 2002. As importações caíram pelo mesmo
motivo e porque a economia está
contida por juros altos e escassez
de crédito. O custo mais evidente
do conforto que temos na balança
comercial é o baixo crescimento e
o alto desemprego.
Também houve uma nova onda
de fluxo de capitais de curto prazo
para o Brasil. Isso de forma nenhuma é ruim; o "capital bom",
de longo prazo, é sempre precedido pelo "capital especulativo",
mas será que teremos a substituição do capital de curto prazo pelo
de longo em bases permanentes?
O que acontecerá agora, quando a inflação finalmente começa a
ceder, e o BC, a reduzir os juros? A
redução dos juros fará a economia crescer. As importações aumentarão, as exportações cairão
(é mais fácil vender no mercado
interno) e a arbitragem da taxa de
juros não será tão vantajosa. É fácil prever, nessas condições, uma
redução na liquidez internacional
do Brasil. E um novo ciclo de perda de confiança poderá ocorrer,
como tantas vezes vimos.
A formidável expansão das exportações, por outro lado, esgotou a capacidade instalada de vários e importantes setores. Como
a economia brasileira está, há
muito tempo, com baixas taxas de
investimento em expansão da capacidade -apesar de ter havido
incremento nas áreas de tecnologia da informação, telefonia e
transmissão de dados-, o aumento da produção se deu pela
ocupação da capacidade ociosa e
o aumento de produtividade.
Mas, com a capacidade quase esgotada em importantes setores,
haveria que ocorrer agora um salto tecnológico muito alto para
sustentarmos uma expansão
maior, caso o consumo interno
cresça, se não quisermos reduzir
as exportações.
Sabemos que o maior desejo do
governo -de qualquer governo- é "fazer a economia crescer". Mas, para crescer, precisamos de capital de longo prazo, ou
seja, poupança de longo prazo,
externa e interna. Interna não há,
pois o governo "despoupa" devido ao seu enorme déficit fiscal, se
incluirmos os juros a serem pagos. Externa também não há; o
mundo está crescendo pouco e a
liquidez está empoçada por causa
do risco geopolítico.
A recuperação da poupança interna poderia vir com a reforma
previdenciária, principalmente. O
problema é que a reforma previdenciária proposta pelo governo é
tímida e servirá, na melhor das hipóteses, apenas para inverter levemente o crescimento do déficit
atual. E, pior do que isso, deixa de
aproveitar uma oportunidade
histórica para criar um mercado
de capitais no Brasil, que serviria
para financiar projetos de expansão de maturação mais longa, aumentando a taxa de investimento
e o potencial da economia.
Brigar com as agências reguladoras também não contribui para
atrair investimentos externos.
Nem internos, caso os haja. Da
mesma forma, ser amigo do MST
transmite aos poupadores uma
mensagem ruim: afinal, parece
que alguns podem empregar a
força para atingir seus objetivos.
Para crescer, o país precisa de estabilidade jurídica e respeito às
leis.
O lado fiscal, aparentemente
equacionado pelo conceito caixa,
na verdade é uma imensa babel de
impostos, contribuições e taxas,
sem preocupação com a competitividade das exportações e com o
"custo Brasil". A reforma proposta, aliás, poderá até resultar em
elevação da carga tributária, ao
harmonizar as alíquotas do ICMS
pela alíquota máxima. Eternizar a
CPMF, já sabemos, ela vai.
Assim, parece que cresceremos
pouco ou teremos inflação alta. O
Brasil parece condenado a dar
"vôos de galinha", ave que, impulsionada por uma corridinha,
dá um salto, voa alguns poucos
metros e volta a cair. Para voar
mais alto e por mais tempo, as reformas precisariam ter o crescimento econômico como objetivo.
Infelizmente corremos o risco de
fazer como em 1988: reformamos
a Constituição e, logo depois, descobrimos que precisávamos reformar a reforma.
Walter Brasil Mundell, mestre em economia pela FGV-EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da
Fundação Getúlio vargas), é vice-presidente de Investimentos da Sul América
Seguros.
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