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São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Sobre o vôo da galinha e as reformas

WALTER BRASIL MUNDELL

Foi admirável a inversão de expectativas com relação à gestão econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O receio inicial dos analistas -de que a promessa de políticas responsáveis fosse apenas uma estratégia para ganhar as eleições- veio abaixo quando o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) elevou a meta de superávit fiscal, de 3,75% para 4,25% do PIB, o Banco Central apertou a política monetária e o governo assegurou o cumprimento, com folga, das metas estabelecidas no acordo com o FMI.
Até os deslizes verbais do presidente, que continuam a ocorrer quase todos os dias, agora não têm importância: ora contra as agências reguladoras ou contra o lucro excessivo dos bancos, às vezes contra a política de reajuste das tarifas de energia e de telefonia ou contra o Poder Judiciário, suas palavras são vistas como manifestações de sabedoria e conhecimento. Talvez uma de suas maiores qualidades seja essa: sua franqueza é a de um homem do povo, que tem orgulho de seu passado de lutas e que chegou à Presidência. Talvez seja um gênio intuitivo que capta o que os brasileiros pensam, mas não vêem expresso claramente nos meios de comunicação, como no caso da crítica à "caixa-preta" do Poder Judiciário.
A grande torcida agora é para que os juros caiam mais; aparentemente bastaria isso para começar "o espetáculo do crescimento". Mas é aqui que começam as maiores dificuldades. Devemos lembrar que essa situação de melhoria conjuntural ocorreu várias vezes ao longo dos últimos anos e que, após alguns meses de bonança, veio a inversão de expectativas e todos ficaram pessimistas, o câmbio desvalorizou, a inflação subiu, o crédito ficou escasso...
Será diferente desta vez? Ou estamos apenas em mais um ciclo de melhoria conjuntural que será invertido em algumas semanas?
É difícil responder a essa pergunta diretamente, mas achamos importante a consideração de alguns aspectos. O primeiro deles é que a economia brasileira está com o potencial de crescimento limitado por uma série de fatores.
Nossas exportações estão altas principalmente porque, apesar de algum esforço nas políticas de promoção de exportações, a taxa de câmbio foi fortemente desvalorizada ao longo de 2002. As importações caíram pelo mesmo motivo e porque a economia está contida por juros altos e escassez de crédito. O custo mais evidente do conforto que temos na balança comercial é o baixo crescimento e o alto desemprego.
Também houve uma nova onda de fluxo de capitais de curto prazo para o Brasil. Isso de forma nenhuma é ruim; o "capital bom", de longo prazo, é sempre precedido pelo "capital especulativo", mas será que teremos a substituição do capital de curto prazo pelo de longo em bases permanentes?
O que acontecerá agora, quando a inflação finalmente começa a ceder, e o BC, a reduzir os juros? A redução dos juros fará a economia crescer. As importações aumentarão, as exportações cairão (é mais fácil vender no mercado interno) e a arbitragem da taxa de juros não será tão vantajosa. É fácil prever, nessas condições, uma redução na liquidez internacional do Brasil. E um novo ciclo de perda de confiança poderá ocorrer, como tantas vezes vimos.
A formidável expansão das exportações, por outro lado, esgotou a capacidade instalada de vários e importantes setores. Como a economia brasileira está, há muito tempo, com baixas taxas de investimento em expansão da capacidade -apesar de ter havido incremento nas áreas de tecnologia da informação, telefonia e transmissão de dados-, o aumento da produção se deu pela ocupação da capacidade ociosa e o aumento de produtividade. Mas, com a capacidade quase esgotada em importantes setores, haveria que ocorrer agora um salto tecnológico muito alto para sustentarmos uma expansão maior, caso o consumo interno cresça, se não quisermos reduzir as exportações.
Sabemos que o maior desejo do governo -de qualquer governo- é "fazer a economia crescer". Mas, para crescer, precisamos de capital de longo prazo, ou seja, poupança de longo prazo, externa e interna. Interna não há, pois o governo "despoupa" devido ao seu enorme déficit fiscal, se incluirmos os juros a serem pagos. Externa também não há; o mundo está crescendo pouco e a liquidez está empoçada por causa do risco geopolítico.
A recuperação da poupança interna poderia vir com a reforma previdenciária, principalmente. O problema é que a reforma previdenciária proposta pelo governo é tímida e servirá, na melhor das hipóteses, apenas para inverter levemente o crescimento do déficit atual. E, pior do que isso, deixa de aproveitar uma oportunidade histórica para criar um mercado de capitais no Brasil, que serviria para financiar projetos de expansão de maturação mais longa, aumentando a taxa de investimento e o potencial da economia.
Brigar com as agências reguladoras também não contribui para atrair investimentos externos. Nem internos, caso os haja. Da mesma forma, ser amigo do MST transmite aos poupadores uma mensagem ruim: afinal, parece que alguns podem empregar a força para atingir seus objetivos. Para crescer, o país precisa de estabilidade jurídica e respeito às leis.
O lado fiscal, aparentemente equacionado pelo conceito caixa, na verdade é uma imensa babel de impostos, contribuições e taxas, sem preocupação com a competitividade das exportações e com o "custo Brasil". A reforma proposta, aliás, poderá até resultar em elevação da carga tributária, ao harmonizar as alíquotas do ICMS pela alíquota máxima. Eternizar a CPMF, já sabemos, ela vai.
Assim, parece que cresceremos pouco ou teremos inflação alta. O Brasil parece condenado a dar "vôos de galinha", ave que, impulsionada por uma corridinha, dá um salto, voa alguns poucos metros e volta a cair. Para voar mais alto e por mais tempo, as reformas precisariam ter o crescimento econômico como objetivo. Infelizmente corremos o risco de fazer como em 1988: reformamos a Constituição e, logo depois, descobrimos que precisávamos reformar a reforma.


Walter Brasil Mundell, mestre em economia pela FGV-EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio vargas), é vice-presidente de Investimentos da Sul América Seguros.


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