São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2008

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MARCOS CINTRA

Golpe na democracia


A Justiça Eleitoral liquidou a forma mais democrática e barata de propaganda política: a internet

IMAGINE uma democracia ideal.
Você com liberdade total para analisar a proposta do seu candidato, no momento que lhe fosse mais oportuno. Nada de horário político obrigatório, nada de bueiros entupidos com santinhos dos candidatos, nada de muro pichado ou poluição sonora. Todos os candidatos, ricos e pobres, com direitos e recursos iguais para transmitir suas idéias.
Essa democracia ideal já existe em alguns lugares do mundo. No Brasil, ainda não. Aqui, a Justiça Eleitoral "legislou" por meio da resolução nº 22.718/2008, que acabou por liquidar a forma mais democrática, barata e ecologicamente correta de propaganda política: a internet.
Quem tem bastante dinheiro não se aflige com a resolução nº 22.718, pois pode comprar propaganda em jornais e em revistas ou imprimir centenas de milhares de folhetos.
Afinal, a nova legislação preservou o ranço das campanhas políticas antigas, dominadas pelos coronéis, pelo poder econômico e pelos currais eleitorais.
Imagine só. De um lado da balança, os velhos caciques da política brasileira vão poder mostrar seus nomes e seus números na mídia impressa. Eles podem pagar por isso. Do outro lado da balança, os novos candidatos, ainda desconhecidos, que têm propostas boas, mas que não têm nem dinheiro e muito menos redutos (currais) eleitorais, vão continuar na obscuridade.
Segundo o artigo 18 da resolução nº 22.718, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o candidato pode ter uma página da internet, mas não pode fazer propaganda eletrônica.
Ora, quem entende um pouquinho de internet sabe que o fato de ter um site não significa necessariamente que ele será acessado. Como alguém vai acessar um site se não souber que ele existe? Se não souber seu endereço eletrônico?
Qualquer jovem eleitor de 16 anos sabe que não basta ter uma página na internet para ser conhecido. Para isso, é necessário ter uma ampla divulgação. Isso é feito pelos mecanismos de busca ou por meio de propaganda em sites, em portais e em blogs. Sem isso, o site não ganha visibilidade e será como uma página de um livro fechado e perdido nos porões das bibliotecas eletrônicas da web.
O TSE tirou dos candidatos pobres o único espaço gratuito (ou barato) que teriam para fazer propaganda de suas idéias. Espaço em que se poderia propagar e discutir idéias livremente, como na ágora da Grécia Antiga.
Diante disso, para que servem os projetos de inclusão digital tão propalados hoje em dia?
Proibindo a propaganda na internet, a resolução nº 22.718 obriga indiretamente o candidato a recorrer aos dispendiosos e poluidores "santinhos". Aqueles que você recebe ao parar nos semáforos.
Quantas árvores serão necessárias derrubar nas eleições deste ano para garantir a impressão de milhões de santinhos dos candidatos? Para publicar "banners" na internet, não é necessário derrubar árvores, muito menos entupir bueiros e a rede de esgotos no dia das eleições.
Diante da proibição de uma propaganda barata e ecologicamente correta pela internet, fica aqui a pergunta: teria a Justiça Eleitoral, às cegas, dado um golpe de espada na democracia?


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org

mcintra@marcoscintra.org



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