São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2008

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Brasileiros mantêm investimento mesmo com crise na Argentina

Missão encontra país fragilizado por inflação alta e conflito com agricultores

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

O cenário para investimentos estrangeiros que a missão empresarial brasileira encontrará na Argentina não parece muito animador. O governo viveu um conflito com o setor agropecuário durante quatro meses, o qual gerou um locaute do setor, bloqueio de estradas e o desabastecimento.
Mas, mesmo antes da fase atual, o governo da presidente Cristina Kirchner, assim como o anterior, de seu marido Néstor (2003-2007), já aplicava políticas pouco estimulantes aos investidores, como controle de preços e restrições às exportações. Em 2007, o país captou só 5,4% dos investimentos feitos na América Latina.
Além disso, o país (e suas empresas) sofre com a constante ameaça de crise energética, com a crescente inflação e com freqüentes piquetes de trabalhadores e setores insatisfeitos.
Ainda assim, no país só se fala da "invasão brasileira", o boom recente de compras e investimentos de empresas do Brasil no país vizinho. Em maio, a têxtil Santana instalou sua primeira fábrica no norte do país. Em junho, o grupo de publicidade Totalcom anunciou a compra da maior empresa de marketing promocional argentina.
Nos últimos anos, o Brasil entrou forte no mercado local com a compra de empresas tradicionais, como a cimenteira Loma Negra, a cervejaria Quilmes e a empresa de calçados Alpargatas. Segundo relatório da consultoria Deloitte, as empresas brasileiras investiram US$ 8 bilhões no país desde 2002.
"Alentadas pelas condições financeiras favoráveis, as empresas brasileiras seguem avançando na Argentina entre a tomada de controle de companhias e ampliações de fábricas", diz a Deloitte.
Neste ano, só a Província de Buenos Aires prevê receber US$ 190 milhões em investimentos brasileiros.
Mas, por que, diante de um cenário tão desfavorável, acontece o tal "avanço brasileiro"? Uma reportagem recente do jornal "Clarín" atribui a invasão a um certo otimismo característico do povo vizinho.
Na prática, esse otimismo pode ser traduzido por uma visão a longo prazo. "Nós já tivemos o apagão. Olhando em perspectiva, também tivemos as greves do ABC. Ontem, esses mesmos problemas daqui nós sofremos lá", afirma Humberto de Farias, ex-diretor-geral da cimenteira Loma Negra, empresa do grupo Camargo Corrêa, que investirá cerca de US$ 100 milhões no país neste ano.
O crescimento da construção civil no país também é um estímulo. "Existe uma demanda de infra-estrutura que permite dizer: há espaço para crescer."
Além de estabelecer perspectivas a longo prazo, a economista da Fundação de Investigações Econômicas Latino-Americanas (Fiel) Marcela Cristini destaca como vantagens para o Brasil o fato de a Argentina ser quase uma extensão do mercado brasileiro e de o país ter comprado empresas a bons preços.
"Além de tudo, tomaram empresas líderes de mercado e escolheram áreas de atuação menos vulneráveis às crises", afirma Cristini. Segundo a especialista, apenas as empresas que compraram frigoríficos na Argentina, que sofrem tanto com a restrição às exportações quanto com a crise do campo, "devem estar pensando duas vezes no que fizeram".
A fórmula de atuar em mercados "seguros" e escolher marcas emblemáticas se confirma no caso da cervejaria Quilmes, controlada pela Inbev, fusão entre a brasileira Ambev e a belga Interbrew.
"Apesar dos fatos recentes, não vemos um cenário de crise", diz um dos diretores da empresa, Mariano Botas.
O cenário argentino também não parece assustador para o publicitário Eduardo Fischer, da Totalcom, que começou a investir no país no auge da crise, em 2002, mas fugiu da Venezuela há quatro anos. "Na Argentina, mesmo com crise, há um mercado de consumo, de grife, que se mantém. Na Venezuela, o [presidente Hugo] Chávez acabou com esse mercado", explica.


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