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ANÁLISE
Uma nova substituição de importações
FERNANDO J. RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Toda a história de desenvolvimento da economia brasileira a partir do início do século 20
está ligada à chamada "substituição de importações". O processo
ganhou fôlego nos anos 1930, como reação à crise gerada pela
Grande Depressão, e consolidou-se após a 2ª Guerra, tornando-se
uma estratégia deliberada de desenvolvimento. O modelo perdurou até o final dos anos 80.
Nos anos 90, dois fatos induziram à abertura comercial. Primeiro, diversos diagnósticos que
identificavam o fraco desempenho econômico do país com o esgotamento do processo de desenvolvimento baseado na substituição de importações. Segundo, a
conjuntura internacional extremamente favorável, com forte expansão dos fluxos de comércio e
farta disponibilidade de capitais
para financiar os países chamados "emergentes", como o Brasil.
Após décadas de elevado protecionismo, o quantum importado
multiplicou-se por quatro entre
1990 e 1998 e o país passou a registrar grandes déficits comerciais,
que chegaram a quase US$ 7 bilhões em 1997. As discussões sobre as importações voltou à cena,
pois a economia brasileira parecia
estar voltando a viver um drama
que a acompanha pelo menos
desde o século 19 e que já havia
provocado estragos consideráveis, como a crise da dívida externa que deu início à "década perdida" dos anos 1980. Antigamente,
esse drama era chamado de "escassez de divisas" e foi o que motivou a adoção da substituição de
importações. Hoje é "vulnerabilidade externa".
Após alguns anos e algumas crises, verifica-se agora que o país
passou, de fato, por um novo processo de substituição de importações. Isso pode ser confirmado
pela queda das importações como
proporção do consumo aparente.
Segundo cálculos da Funcex, o
coeficiente de penetração das importações, relativo ao total da produção industrial (inclusive a indústria extrativa mineral), passou
de 14,1% em 1998 para 11,6% em
2003. A queda distribuiu-se por
todos os setores industriais, com
exceção de três: equipamentos
eletrônicos, material elétrico e farmacêutica e perfumaria.
Esse processo não guarda, porém, muitas semelhanças com o
que ocorreu entre 1930 e 1990.
Embora sua origem tenha sido o
velho problema da vulnerabilidade externa, a forma como se deu o
processo foi totalmente diferente.
Desta vez, não se lançou mão de
medidas de política comercial ou
industrial. O ajuste foi induzido
por uma alteração macroeconômica fundamental: a desvalorização cambial, a partir de 1999.
É verdade que esse processo cobrou seu custo, via aumento da
inflação e baixo crescimento doméstico. Contudo a inflação foi
controlada, e o país voltou a crescer. Neste ano, as importações
crescerão algo como 30% em relação a 2003 (taxa similar à que se
verificará nas exportações), o que
provocará nova elevação da participação das importações no consumo doméstico, sem nenhuma
deterioração das contas externas.
A experiência recente traz três
lições importantes. A primeira é
que o país não teria grandes benefícios se decidisse adotar, novamente, um modelo clássico de
substituição de importações. Na
verdade, traria grandes prejuízos
aos consumidores e aumento de
custos e ineficiência ao setor produtivo, embora pudesse beneficiar alguns grupos específicos. Na
verdade, substituir importações
pode até ser necessário em períodos de ajuste da balança, mas o
ideal é que o país possa importar o
máximo possível, desde que os
produtos sejam melhores e mais
baratos que os nacionais e respeitando a restrição de divisas geradas pelas exportações, para evitar
acúmulo de dívida externa.
A segunda lição é que mudanças de preços relativos são realmente capazes de produzir grandes mudanças na economia. A
desvalorização cambial foi capaz
de induzir uma profunda mudança da balança comercial brasileira
e fazer com que as exportações
crescessem mais de 10% nos últimos seis anos sem que fosse necessário recorrer a subsídios, incentivos fiscais ou protecionismo.
A terceira lição, e talvez a mais
importante, é que não se combate
a vulnerabilidade externa com
protecionismo. Se fosse assim, o
país já teria se livrado do problema. A única e efetiva maneira de
romper essa barreira é alcançar
um crescimento sustentado das
exportações. Isso só se obtém
com aumento da capacidade de
produção e melhorias na eficiência produtiva que permitam à indústria doméstica abastecer os
mercados externo e interno.
Fernando Ribeiro, 35, é economista da Funcex (Fundação Centro de Estudos do Comercio Exterior).
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