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AGROFOLHA
AGRONEGÓCIO
Para pagar dívidas, agricultores desovam estoques por qualquer valor; com isso, preços caem nos supermercados
"Desespero" do produtor derruba a inflação
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO
Pãozinho em queda, óleo de soja com recuo de preços, arroz barato, carnes acessíveis. É o que
mostram os índices de inflação
que acompanham os preços pagos pelos consumidores nos supermercados.
Essa queda no varejo é reflexo
de uma ainda maior, no atacado,
em que os preços dos produtos
agrícolas já acumulam recuo médio de 9% em 12 meses.
O recuo dos preços, mesmo
com a quebra de safra de 20 milhões de toneladas neste ano,
ocorre devido a fatores internos e
externos.
Internamente, há pouca negociação de mercadorias e, mesmo
assim, os produtores são obrigados a desovar produtos para pagar as contas, o que leva a uma
queda ainda maior.
Do lado externo, além da queda
dos preços mundiais, o Brasil enfrenta uma corrida desenfreada
de produtos do Mercosul, colocados no país sem nenhuma restrição devido à legislação do próprio
bloco (Brasil, Argentina, Uruguai
e Paraguai).
O arroz é um caso típico. Argentinos e uruguaios já semeiam o
produto visando exclusivamente
o mercado brasileiro que, mesmo
auto-suficiente na produção, não
consegue competir com os custos
dos vizinhos, favorecidos por políticas internas de crédito ou de
tributação.
Essa perda de renda vai custar
caro para a economia brasileira,
segundo estudos da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil).
Esse aumento de poder de compra dos consumidores -devido à
queda nos preços agrícolas-
ocorre por causa da forte perda de
renda dos agricultores.
"Essa queda nada mais é, neste
momento, do que o desespero
dos produtores", afirma o analista
José Pitoli.
Com o vencimento dos financiamentos agrícolas em junho, os
produtores foram obrigados a colocar um volume maior de produtos à venda para cobrir as dívidas.
Em agosto, a definição das normas de prorrogação dos débitos
para os produtores que tiveram
quebra na safra forçou novas vendas para adequação às regras.
E as pressões de vendas continuaram. Os preparativos para a
nova safra, que já começou a ser
semeada em algumas regiões, exigiram mais vendas, já que o crédito do governo é escasso.
Essa boa oferta de produto, contrariando uma tendência do mercado neste período do ano, refletiu seriamente nos preços. Salomão Quadros, coordenador de
Análises Econômicas da Fundação Getúlio Vargas, diz que os
produtos agrícolas estão provocando uma segunda rodada na
deflação. A primeira, a partir de
maio, ocorreu devido a problemas macroeconômicos, principalmente com a queda do dólar.
Nos últimos três meses, no entanto, a deflação passou a ser comandada pelos agrícolas. Dois
exemplos são elucidativos. De
maio a setembro, o feijão teve
queda acumulada de 14,2% no
atacado. Só nos últimos dois meses, o recuo já é de 27,3%.
Outro produto que faz parte do
dia-a-dia do brasileiro, o arroz, já
caiu 30,9% neste ano nas negociações no atacado. Só no último trimestre o recuo foi de 10,2%.
Até mesmo o boi, que já deveria
estar reagindo devido à entressafra, ainda registrava queda em setembro, segundo Quadros. No
ano, a queda é de 16,6%. De julho
a setembro, de 4,77%.
Para Quadros, a agricultura vai
continuar decidindo o jogo [da
deflação] neste mês, apesar dos
aumentos do óleo diesel, item de
peso na composição dos preços
no atacado.
R$ 57 bi a menos
Getúlio Pernambuco, do Departamento Econômico da CNA, diz
que a sociedade pagará caro por
essa crise de preços deprimidos. A
queda ocorre tanto pela redução
nos mercados externos como pela
valorização do real.
A previsão é que os produtores
tenham perda de renda de 9,9%
neste ano. Parte dessa perda está
relacionada à seca no Sul e no
Centro-Oeste do país. O produtor
não será compensado por essa
perda, já que, no país, não existe
seguro rural, afirma Pernambuco.
Nos cálculos da CNA, com essa
perda de 9,9% na renda, os produtores vão deixar de embolsar
R$ 16 bilhões, valor que terá sérios
reflexos na economia do país.
Para cada real gerado dentro
das fazendas, outros R$ 2,56 são
movimentados em serviços, compra de insumos etc. Ou seja, a economia vai encolher R$ 16 bilhões
no campo e R$ 41 bilhões "fora da
porteira". "É muito dinheiro R$
57 bilhões", diz Pernambuco.
Esse empobrecimento da agricultura vai se refletir nas próximas safras. Os produtores reduziram a área plantada para a safra
2005/6, passaram a usar mais sementes próprias (de qualidade inferior) e estão diminuindo a utilização de adubos e fertilizantes.
Os reflexos nesta safra ainda
não serão tão intensos, já que o
produtor investiu muito na lavoura de 2001 a 2003, quando os
preços eram bons. A partir de
2006/7, se os preços não melhorarem e a renda do produtor continuar curta, a queda de produtividade será ainda maior.
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