São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2006

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

O paradoxo dos juros

O país não cresce pouco porque o juro é alto; o juro é alto pelo mesmo motivo pelo qual o país cresce pouco

PARA UM país que chegou a ser visto como paradigma de crescimento rápido, o desempenho brasileiro é, sem dúvida, frustrante. Há anos o Brasil cresce pouco, ainda que haja indicações de uma aceleração -modesta, é verdade- no período mais recente. Por conta disso, virou lugar-comum atribuir aos juros altos as mazelas do baixo crescimento. Já eu creio que se trata justamente do oposto: o país não cresce pouco porque os juros são altos; os juros são altos pelo mesmo motivo pelo qual o país cresce pouco.
Se me sobrou algum leitor depois da frase acima, passo à explicação. O crescimento acelerado da economia brasileira foi interrompido em algum momento da década de 80, menos por conta da crise da dívida e mais por conta do completo desarranjo macroeconômico que vivemos até 1994, expresso na nossa longa hiperinflação. Uma vez estabilizada a inflação, o crescimento foi abortado pelas seguidas crises de balanço de pagamentos, até a superação da restrição externa em anos mais recentes.
Passadas, portanto, a hiperinflação e a vulnerabilidade externa, esperava-se que o país entrasse mais uma vez na rota do crescimento acelerado. Houve, de fato, alguma aceleração, mas longe, muito longe, dos nossos anseios. Por quê? Porque nos últimos anos, como procurei mostrar no meu primeiro artigo neste espaço, houve um crescimento vertiginoso do gasto público primário, financiado por expansão não menos desenfreada da carga tributária. Menos mal seria se esse aumento fosse destinado a investimentos públicos, que aumentassem a capacidade de crescimento a longo prazo. Mas não: houve expansão do gasto público corrente, em particular o previdenciário, às expensas do investimento público, que só fez cair durante todo o período. Cerca de 60% da expansão do PIB entre 1994 e 2005 foi consumida pelos gastos públicos correntes.
Completando o cenário, o aumento da carga tributária promoveu mais um golpe contra o crescimento, reduzindo o incentivo ao investimento, à inovação e ao trabalho. Se há algum milagre brasileiro, é conseguir ainda crescer (mesmo que pouco) com essa combinação particularmente perversa de política fiscal. A política monetária é praticada contra esse pano de fundo. Compete à taxa de juros equilibrar o crescimento da demanda ao da oferta. Se isso não for feito, caberá à taxa de inflação fazer o serviço, em geral por meio da redução da renda real (e, portanto, consumo), bem como pela redução do investimento que se segue a taxas elevadas de inflação.
No entanto, se por um lado a capacidade de crescimento da oferta é limitada pela política fiscal, enquanto por outro lado essa mesma política fiscal pressiona a demanda, resta à taxa de juros a inglória tarefa de fazer a demanda caber dentro da oferta. Essa simples equação explica a maior parcela da alta taxa de juros requerida para manter o equilíbrio interno.
Ainda assim, temos atingido novos patamares de juro real no Brasil, que, se ainda altos, são os menores da história recente. Colaborou para isso a redução do risco associado ao pagamento da dívida pública, bem como a redução da volatilidade da inflação e da própria taxa de juros, na medida em que deixam de ser incorporados às taxas de juros prêmios de risco para compensar o investidor por essas incertezas. O progresso nos últimos anos foi notável nessa área, o que provavelmente explica estarmos desbravando novos territórios no que se refere à taxa real de juros observada.
Isso dito, enquanto não for atacado o sério problema de gigantismo do Estado brasileiro, medido pelo tamanho dos seus gastos como proporção de produto, o crescimento da oferta a longo prazo continuará baixo, e baixo, portanto, terá que ser o crescimento da demanda. Adicionalmente, se mais demanda provier do setor público, menos poderá vir do setor privado, e não só a taxa real de juros terá que permanecer relativamente alta como a taxa real de câmbio também terá que se ajustar à crescente demanda do setor público.
Em outras palavras, juro alto e câmbio baixo -combinação contra a qual se insurgem os autodenominados "desenvolvimentistas"- são o resultado de uma política fiscal perversa. Mas, sem entender o que está por trás dessa combinação, a crítica comum às taxas de juros e câmbio equivale a matar o mensageiro, sem ter nem sequer entendido a mensagem.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 43, economista-chefe para América Latina do ABN-Amro, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
alexandre.schwartsman@hotmail.com


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