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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
O paradoxo dos juros
O país não cresce pouco porque o juro é alto; o juro é alto pelo mesmo motivo pelo qual o país cresce pouco
PARA UM país que chegou a ser
visto como paradigma de crescimento rápido, o desempenho brasileiro é, sem dúvida, frustrante. Há anos o Brasil cresce pouco, ainda que haja indicações de uma
aceleração -modesta, é verdade-
no período mais recente. Por conta
disso, virou lugar-comum atribuir
aos juros altos as mazelas do baixo
crescimento. Já eu creio que se trata
justamente do oposto: o país não
cresce pouco porque os juros são altos; os juros são altos pelo mesmo
motivo pelo qual o país cresce pouco.
Se me sobrou algum leitor depois
da frase acima, passo à explicação. O
crescimento acelerado da economia
brasileira foi interrompido em algum momento da década de 80, menos por conta da crise da dívida e
mais por conta do completo desarranjo macroeconômico que vivemos
até 1994, expresso na nossa longa hiperinflação. Uma vez estabilizada a
inflação, o crescimento foi abortado
pelas seguidas crises de balanço de
pagamentos, até a superação da restrição externa em anos mais recentes.
Passadas, portanto, a hiperinflação e a vulnerabilidade externa, esperava-se que o país entrasse mais
uma vez na rota do crescimento acelerado. Houve, de fato, alguma aceleração, mas longe, muito longe, dos
nossos anseios. Por quê?
Porque nos últimos anos, como
procurei mostrar no meu primeiro
artigo neste espaço, houve um crescimento vertiginoso do gasto público primário, financiado por expansão não menos desenfreada da carga
tributária. Menos mal seria se esse
aumento fosse destinado a investimentos públicos, que aumentassem
a capacidade de crescimento a longo
prazo. Mas não: houve expansão do
gasto público corrente, em particular o previdenciário, às expensas do
investimento público, que só fez cair
durante todo o período. Cerca de
60% da expansão do PIB entre 1994
e 2005 foi consumida pelos gastos
públicos correntes.
Completando o cenário, o aumento da carga tributária promoveu
mais um golpe contra o crescimento,
reduzindo o incentivo ao investimento, à inovação e ao trabalho. Se
há algum milagre brasileiro, é conseguir ainda crescer (mesmo que pouco) com essa combinação particularmente perversa de política fiscal.
A política monetária é praticada
contra esse pano de fundo. Compete
à taxa de juros equilibrar o crescimento da demanda ao da oferta. Se
isso não for feito, caberá à taxa de inflação fazer o serviço, em geral por
meio da redução da renda real (e,
portanto, consumo), bem como pela
redução do investimento que se segue a taxas elevadas de inflação.
No entanto, se por um lado a capacidade de crescimento da oferta é limitada pela política fiscal, enquanto
por outro lado essa mesma política
fiscal pressiona a demanda, resta à
taxa de juros a inglória tarefa de fazer a demanda caber dentro da oferta. Essa simples equação explica a
maior parcela da alta taxa de juros
requerida para manter o equilíbrio
interno.
Ainda assim, temos atingido novos
patamares de juro real no Brasil,
que, se ainda altos, são os menores
da história recente. Colaborou para
isso a redução do risco associado ao
pagamento da dívida pública, bem
como a redução da volatilidade da
inflação e da própria taxa de juros,
na medida em que deixam de ser incorporados às taxas de juros prêmios de risco para compensar o investidor por essas incertezas. O progresso nos últimos anos foi notável
nessa área, o que provavelmente explica estarmos desbravando novos
territórios no que se refere à taxa
real de juros observada.
Isso dito, enquanto não for atacado o sério problema de gigantismo
do Estado brasileiro, medido pelo
tamanho dos seus gastos como proporção de produto, o crescimento da
oferta a longo prazo continuará baixo, e baixo, portanto, terá que ser o
crescimento da demanda. Adicionalmente, se mais demanda provier
do setor público, menos poderá vir
do setor privado, e não só a taxa real
de juros terá que permanecer relativamente alta como a taxa real de
câmbio também terá que se ajustar à
crescente demanda do setor público.
Em outras palavras, juro alto e
câmbio baixo -combinação contra
a qual se insurgem os autodenominados "desenvolvimentistas"- são
o resultado de uma política fiscal
perversa. Mas, sem entender o que
está por trás dessa combinação, a
crítica comum às taxas de juros e
câmbio equivale a matar o mensageiro, sem ter nem sequer entendido a mensagem.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 43, economista-chefe para América Latina do ABN-Amro, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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