São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF
O Judiciário e a qualidade

Já se tornou vício cultural o academicismo político brasileiro de reduzir todas as soluções de problemas públicos exclusivamente a mudanças constitucionais, decretos e resoluções. A visão que se tem sobre os problemas do Judiciário padece desse mesmo vício. Parte deles decorre de problemas processuais que necessitam ser extirpados. Mas o ponto central não depende nem de reforma nem de mudanças constitucionais: trata-se de gerenciamento, algo que depende apenas de conhecimento e de vontade política dos presidentes de tribunais.
Como exemplo, há uma revolução em marcha no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (que engloba São Paulo e Mato Grosso). A mera racionalização de sistemas, padronização de processos e implementação dos primeiros passos do programa de qualidade total têm permitido avanços substanciais de tempo e de eficiência. "A Justiça é mal gerida, a administração é amadora e, na sua formação, o advogado foge da administração e da matemática", constata José Kallas, um mineiro de Santa Rita do Sapucaí, presidente do TRF da 3ª Região.
Em seu período como juiz estadual, Kallas assumiu comarcas desorganizadas, implementou melhorias. Depois, quando era remanejado, as melhorias se diluíam e o sistema ficava pior do que antes. Essa avaliação lhe deu a convicção de que a melhoria dos sistemas no Judiciário só seria irreversível se se definissem padrões e procedimentos.
Pensou-se então em um processo de qualificação do tribunal pela ISO e a implementação de programas de qualidade, dentro dos padrões da FDG (Fundação de Desenvolvimento Gerencial).
O primeiro passo foi definir projetos pilotos, que servissem de vitrine para a ampliação do conceito. Completado o piloto, o programa de qualidade estendeu-se às 24 varas de toda a região.
Foi montado um escritório de qualidade, tendo o próprio Kallas como coordenador-geral e mais quatro consultores, funcionários do próprio tribunal. Foram treinados 4.000 funcionários em três meses, com grupos de instrutores do tribunal. Servidores de primeira instância passaram a dar curso de 5 S (procedimentos de organização do ambiente de trabalho) e qualidade total para corregedores.
No início dessas mudanças, havia 80 mil processos na distribuição, muitos com anos de espera, criando o clima adequado à corrupção. O tribunal era sufocado por dezenas de petições pedindo prioridade para seus casos ou então advogados comprando funcionários para seu processo passar à frente (ou ficar para trás). Quando chegava a petição, os funcionários tinham que localizar o processo dentre 80 mil na distribuição. Em algumas varas, o desarquivamento consumia 50% do tempo do pessoal administrativo.
Hoje, no Fórum Pedro Lessa, em um minuto de consulta ao computador é possível saber para qual vara foi distribuído o processo. A consulta é efetuada pelo próprio arquivo, em que foram colocados funcionários com fé pública, com poder de certificar as certidões. Não existem mais de 5.000 a 6.000 processos a ser distribuídos -o equivalente ao movimento dos últimos 15 dias-, e Kallas não recebe uma só petição. Antes, as apelações levavam até dois anos para chegar a Brasília. Hoje em dia, o prazo não passa de quatro meses.
Todo o interior está informatizado, com um computador para cada funcionário e juiz. E, pela Internet, é possível acompanhar os processos (www.trf3.gov.br), bastando para tanto o número do processo, que passou a ser único (antes cada instância tinha um número diferente).
O modelo está aí, para o tribunal que resolver seguir a receita.

E-mail - lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Óleo sobe com tensão no Oriente Médio
Próximo Texto: Comércio exterior: Semicondutores puxam déficit na balança de eletroeletrônicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.