São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2006

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Para especialistas, política externa precisa de ajuste

Analistas divergem sobre intensidade do realinhamento das relações internacionais

Há divergência também quanto a como negociar com os EUA; Lima defende aproximação em bloco, mas Jank descarta a Venezuela

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Maria Regina Soares de Lima (Iuperj e PUC-RJ)


CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de contemplar ajustes nas políticas externa e comercial que incluam um esforço de aproximação com os Estados Unidos, principal destino das exportações brasileiras.
Essa foi uma das conclusões de encontro promovido pela Folha entre a especialista em política externa Maria Regina Soares de Lima, professora do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e da PUC-RJ, e Marcos Jank, presidente do Icone, ONG que se dedica ao estudo de negociações comerciais internacionais.
Apesar da concordância pontual, ambos divergiram quanto à intensidade do realinhamento das relações internacionais do país. Lima se declarou "mercosulina", defendeu a integração sul-americana e afirmou que a negociação com os EUA deve ser simultânea à busca de fortalecimento do Mercosul.
Jank concordou com a simultaneidade, mas foi bem mais crítico à política do Ministério das Relações Exteriores, ao Mercosul e à integração regional. "Não há mais subregionalismo importante. Blocos como a Comunidade Andina estão desaparecendo e está surgindo uma proliferação de acordos que não seguem nenhuma geografia", disse Jank na conversa, que durou quase duas horas e teve a participação de jornalistas da Folha.

Alca
O pano de fundo do debate é o abandono das negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), a paralisia das negociações na OMC (Organização Mundial do Comércio) e a crise do Mercosul, bloco que reúne Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e, desde este ano, a Venezuela.
Com a Alca inviabilizada, os EUA começaram a realizar acordos bilaterais com países ou blocos de países da América Latina, o que isolou o Brasil, na opinião de Jank, ou no mínimo colocou o país em uma "situação complicada", diz Lima.
Além dos parceiros no Nafta (Canadá e México), os norte-americanos já têm acordos de livre comércio com o Chile, América Central e República Dominicana, Peru e Colômbia -os dois últimos ainda esperam ratificação do Congresso norte-americano.
O risco para o Brasil é perder preferências tarifárias nas exportações tanto para os Estados Unidos quanto para os países latino-americanos envolvidos nos acordos.
O potencial prejuízo é agravado pelo fato de as Américas serem a região mais "nobre" para as exportações brasileiras, com grande concentração de produtos industrializados e de alto valor tecnológico.

Mercado
O problema é como manter e ampliar o acesso a esse mercado. A professora se mostrou cética quanto às negociações com os EUA, que teriam pouca disposição em fazer concessões.
Para ela, a situação do Brasil é distinta da dos pequenos países da região, que possuem uma pauta mais restrita de exportações e um menor grau de industrialização. "Isso remete aos objetivos brasileiros, que não são apenas comerciais, mas de política industrial. É preciso que fique claro qual é o projeto de desenvolvimento que o Brasil quer", observou.
Ou seja, em sua opinião é preciso ter cautela em relação à abertura dos setores industriais, para que eles não corram o risco de sucumbir diante da concorrência norte-americana.
Jank sustentou que o temor é infundado e que a indústria brasileira está preparada para a abertura aos norte-americanos. "Se formos à Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], o medo dela é China, não os Estados Unidos."
O especialista lamentou a morte da Alca e sustentou que o Brasil está "condenado" a negociar acordos na região. "América Latina e EUA são mercados extraordinários para nós. Nos últimos dez anos saímos de déficit de US$ 4,2 bilhões para superávit de US$ 25 bilhões. Para onde o Brasil exporta o que tem de melhor em adição de valor -aviões, automóveis, celulares, máquinas? É para os EUA e América Latina."
Lima e Jank divergiram também quanto a "como" negociar com os norte-americanos. Ela defendeu uma aproximação em bloco do Mercosul, incluindo a Venezuela. "Os Estados Unidos têm um enorme poder de barganha, pelo tamanho do seu mercado. Desse ponto de vista, são trocas muito desbalanceadas. Pensar em algo na região aumenta o poder de barganha [do Brasil]", disse Lima.
Na opinião de Jank, é impensável uma negociação com os EUA ao lado da Venezuela. Mesmo uma que envolva apenas os quatro sócios originais do Mercosul é vista com ceticismo por ele. Jank defendeu uma aproximação exclusiva entre Brasil e Estados Unidos, que possa mais tarde envolver outros sócios do bloco.

Crise de identidade
Em relação ao Mercosul, ambos afirmaram que o Brasil tem de resolver uma "crise de identidade" diante da integração regional. Para Jank, o Mercosul está semi-esfacelado e não teve nenhum avanço desde 96 -pelo contrário, retrocedeu.
O presidente do Icone disse que estão ausentes do bloco os elementos característicos dos acordos de união aduaneira: TEC (Tarifa Externa Comum) sem "perfurações", livre comércio pleno entre os sócios, harmonização macroeconômica e mecanismos de solução de controvérsias.
Jank defendeu uma definição radical da natureza do Mercosul: ou o bloco implementa a união aduaneira ou os sócios abrem mão dessa pretensão e transformam a região em uma zona de livre comércio. Nesta hipótese, não há uma TEC e os integrantes do bloco têm liberdade para negociar acordos comerciais com outros países. Hoje, qualquer negociação tem de ser feita em bloco.
Lima acredita que na origem da crise do Mercosul está a resistência do Brasil em abrir mão de sua soberania -aceitando instituições supranacionais- e adotar uma maior coordenação com outros países em políticas nacionais, como a econômica e a energética. "Sem isso, não tem Mercosul."


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