São Paulo, terça-feira, 04 de novembro de 2008

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MEGAFUSÃO / ENTREVISTA

Nem advogados sabiam, diz Moreira Salles

Presidente do Unibanco diz que negociou sozinho com Roberto Setubal e que compra do Real pelo Santander acelerou fusão

Executivo afirma que não fechou negócio com outros bancos interessados no Unibanco por não concordar com suas idéias


Joel Silva/Folha Imagem
Os presidentes do Unibanco, Pedro Moreira Salles (à dir.), e do Itaú, Roberto Setubal, no anúncio da fusão entre os dois bancos no MAM

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Nos últimos 15 anos, o Unibanco tem sido alvo constante de boatos de venda, nunca confirmados. Em dezembro de 2000, numa de suas raras entrevistas, o banqueiro Pedro Moreira Salles, 49, principal controlador e presidente do Unibanco, deu entrevista à Folha negando a venda do banco. Na época, os boatos eram de uma possível ofensiva de um grande banco espanhol.
De lá para cá, os boatos baixaram bastante de tom. A crise financeira global, no entanto, deixou o banco exposto. Os boatos voltaram a circular nas últimas semanas, o que obrigou o Unibanco a antecipar a divulgação do balanço com números bastante confortáveis.
A crise pegou o Unibanco em plena negociação de uma fusão com o Itaú. O mercado entrou em ebulição e uma nova ordem financeira começa a se desenhar. Os bancos precisarão de mais musculatura para enfrentar esses novos tempos. "O mundo de hoje exige plataformas globais", disse ontem à Folha Pedro Moreira Salles, antes da entrevista que concedeu com Roberto Setubal, do Itaú, para anunciar a fusão.
Nessa entrevista, concedida por telefone, entre uma e outra reunião com diretores do banco e clientes para explicar a operação, Moreira Salles disse que resistiu até hoje a todas as propostas formuladas para a compra do banco porque nenhuma delas se adequava ao modelo que tinha na cabeça para o futuro do Unibanco. Agora, a proposta coincidiu.

 

FOLHA - Como se deram as negociações para a fusão?
PEDRO MOREIRA SALLES
- O processo começou em agosto do ano passado, fruto da decisão do Santander de comprar o Real. Eu procurei o Roberto [Setubal] e conversei com ele sobre o negócio e o novo desafio que se colocava na nossa frente. Eu achava que no Brasil também precisava ser criada uma plataforma financeira global para fazer frente a um novo cenário.

FOLHA - As conversas envolveram mais gente ou só vocês dois?
MOREIRA SALLES
- As conversas sempre foram só entre nós dois. Foram umas 15 a 20 reuniões ao longo de 15 meses, até chegarmos a um formato ideal do que pretendíamos. Toda negociação transcorreu com grande discrição. Nós nos encontramos recentemente durante a reunião anual do FMI.

FOLHA - Onde eram as reuniões?
MOREIRA SALLES
- Sempre na casa de um companheiro meu no Morumbi, que nunca participou de nenhuma das reuniões.

FOLHA - Mas esse seu companheiro não sabia do assunto?
MOREIRA SALLES
- Ele não participava da reunião. Só nós dois mesmo. Para você ter idéia, o advogado da transação, o Gabriel Jorge Ferreira, que é do Unibanco, só foi chamado para desenhar a operação na quinta-feira passada. As pessoas que trabalham diretamente comigo no banco só foram comunicadas ontem [domingo] à noite, quando os reuni na minha casa num jantar para anunciar o negócio. Entendo que o Roberto fez o mesmo do lado dele.

FOLHA - Quantas pessoas mais ou menos foram reunidas na sua casa?
MOREIRA SALLES
- Pouco menos de 15.

FOLHA - E quem foi o advogado do Itaú?
MOREIRA SALLES
- A operação estava tão discutida e era tão harmônica, que foi coordenada pelo Gabriel Jorge Ferreira. Foi ele que liderou o processo jurídico. O Roberto também já o conhece há muito tempo.

FOLHA - Alguma dificuldade durante a negociação?
MOREIRA SALLES
- O clima era de entendimento e as dificuldades foram vencidas a cada nova rodada. Nunca paramos a discussão. Cada um soube fazer as renúncias necessárias para fechar a operação. Todos os pontos foram muito bem discutidos, muito bem pensados, e por isso levou muito tempo.
O pai do Roberto, o dr. Olavo, que acompanhou a discussão à distância, foi quem fez o gesto de me ceder a sua condição de presidente do conselho, o que revelava todo o seu entusiasmo pela negociação em curso. Tenho certeza que meu pai (o ex-embaixador Walter Moreira Salles) teria o mesmo entusiasmo. Os dois estão comemorando o negócio em algum lugar.

FOLHA - Foi uma fusão de fato ou uma aquisição?
MOREIRA SALLES
- Foi uma fusão de fato. Os controladores do Unibanco detêm 50% da holding de controle da nova instituição.

FOLHA - Nos últimos 15 anos, dizem que o sr. resistiu a várias propostas de fusão. O que o levou a aceitar dessa vez?
MOREIRA SALLES
- O que foi feito agora é o que eu já queria fazer há muito tempo. As idéias anteriores não eram as que eu considerava mais adequadas para o Unibanco. O formato dessa operação foi o melhor para o banco. Estamos compartilhando o destino de um dos 20 maiores grupos financeiros do mundo.

FOLHA - O espaço para bancos médios, do tamanho do Unibanco, ficou mais difícil?
MOREIRA SALLES
- O Unibanco não é exatamente um banco médio. Na minha opinião, já deixou de ser banco médio há algum tempo, mas concordo que os dias de hoje exigem plataformas maiores. O mundo de hoje exige plataformas globais.

FOLHA - A crise financeira global acelerou o negócio?
MOREIRA SALLES
- Não, após tantos encontros, o projeto nasceu. Não tinha mais o que avançar na discussão, independentemente da condição do mercado. O negócio maturou. O que aconteceu é que, agora, os mercados pioraram, mas o negócio iria sair de qualquer jeito, mesmo se os mercados estivessem melhores ou piores. Foi uma questão de oportunidade.

FOLHA - O novo banco pretende partir para a internacionalização?
MOREIRA SALLES
- Mais à frente, sem dúvida. Se a AmBev partiu para a internacionalização, a Votorantim, a Gerdau, a Odebrecht e a Vale também fizeram o mesmo, por que não poderemos ter um banco brasileiro fazendo a mesma coisa? Os bancos no mundo inteiro são cada vez mais globais e esse nasce como sendo o 16º ou o 17º no mundo em termos de capitalização, e com mais de 15% de índice de Basiléia, quando as instituições financeiras no mundo inteiro estão se esforçando para chegarem a 8% para poderem enfrentar essa crise. Oportunidades existem e vamos ficar atentos. Esse novo banco, em pouco tempo, poderá ser quatro ou cinco vezes maior do que o Unibanco. O negócio é uma demonstração de oportunidade do mercado e de solidez do nosso sistema.

FOLHA - Vocês estiveram com o presidente Lula ontem [anteontem]. Qual foi a reação dele?
MOREIRA SALLES
- Nós estivemos com ele ontem [anteontem], no final da tarde, na base aérea. Ele ficou bastante entusiasmado com o negócio e, ao final, até tiramos uma fotos juntos para celebrarmos o acontecimento.

FOLHA - O Itaú sempre teve mais interação com o Unibanco?
MOREIRA SALLES
- Sempre tive muito respeito profissional pelo Roberto Setubal.


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