São Paulo, quarta, 4 de novembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

O socorro do FMI ao Brasil será mais um fracasso

JEFFREY SACHS

A crise dos mercados emergentes atravessou o Atlântico e tomou conta do Brasil. Como fez na Ásia, o FMI está saindo para socorrer o país. Mas, assim como aconteceu na Ásia, é possível que as receitas do FMI façam mais mal do que bem.
Segundo as interpretações do FMI e do Brasil, há dois problemas:
1) Um déficit orçamentário de aproximadamente 7% do PIB que precisa ser reduzido, já que o Brasil está encontrando dificuldade em financiá-lo com empréstimos nacionais ou externos;
2) O pânico financeiro internacional. Os investidores estrangeiros estão fugindo do Brasil, provocando a alta dos juros e ameaçando a moeda brasileira.
O remédio receitado pelo FMI é a concessão de um grande empréstimo internacional ao Brasil, acoplado à promessa do governo brasileiro de que irá promover uma redução acentuada em seu déficit orçamentário. O problema é que o FMI está, mais uma vez, ignorando a raiz mais importante da crise brasileira. A moeda brasileira, o real, está fortemente sobrevalorizada, possivelmente entre 30% e 40%. Isso significa que os salários e preços nacionais estão altos demais para permitir que o Brasil seja competitivo em nível internacional.
Desde o final de agosto, o Banco Central brasileiro já vendeu US$ 25 bilhões de suas reservas cambiais para defender o real. As reservas caíram de cerca de US$ 70 bilhões para o nível atual -cerca de US$ 45 bilhões-, e a queda continua.
As consequências são graves. O Brasil conserva uma taxa de juros muito alta para desencorajar a fuga de capitais, já que existem amplos (e fundamentados) temores de que o real acabe por ser desvalorizado. Mas a sobrevalorização, acoplada às altas taxas de juros, está causando uma recessão. As exportações e a demanda interna estão sofrendo as consequências, e o resultado é um aumento acentuado do desemprego.
O governo brasileiro e o FMI apostam que, com um grande empréstimo internacional, os especuladores vão parar de atacar. Mas, mesmo com o empréstimo internacional, a moeda brasileira vai continuar sobrevalorizada, e todo o mundo vai saber disso.
Mais uma vez, portanto, a posição do FMI desafia a lógica. Se a taxa de câmbio for mantida constante e os gastos orçamentários forem reduzidos, o Brasil vai mergulhar numa recessão profunda, prejudicando a receita fiscal e mantendo o déficit orçamentário muito alto. Na condição de presidente que cumpre seu segundo mandato e não poderá ser reeleito mais uma vez, presidindo sobre uma recessão e num sistema federal complicado, com governadores estaduais poderosos, é pouco provável que o recém-reeleito Fernando Henrique Cardoso consiga manter apoio para suas políticas de austeridade por muito tempo.
O Brasil deveria desvalorizar sua moeda até um nível mais realista. Nesse momento, poderia reduzir a taxa de juros. Ao mesmo tempo, os bancos internacionais credores do Brasil deveriam ser encorajados a rolar as dívidas de curto prazo que lhes são devidas. Se os bancos entrarem em pânico, tanto o Brasil quanto os bancos irão perder. O FMI e o governo norte- americano poderiam desempenhar um papel útil, ajudando os bancos internacionais a coordenar uma rolagem das dívidas. Se ambos esses passos forem dados, ainda seria o caso de se obterem alguns empréstimos do FMI e outras instituições, mas em escala menor do que aquele que o FMI organizou.
Depois de quatro resgates fracassados em 15 meses (Indonésia, Coréia, Tailândia e Rússia), o FMI está à beira do quinto fracasso. Este, se acontecer, será devastador, já que o FMI caiu numa armadilha que ele mesmo armou. Quanto aos mercados emergentes, eles deveriam observar duas regras: manter taxas de câmbio flexíveis e impor um limite rígido aos empréstimos de curto prazo contraídos do exterior.


Jeffrey Sachs é diretor do Instituto Harvard de Desenvolvimento Internacional e professor da cadeira Gallen Stone de Comércio Internacional na Universidade Harvard. Atuou como principal assessor econômico estrangeiro dos governos da Rússia, Polônia e Bolívia.
Tradução de Clara Allain



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