São Paulo, segunda-feira, 04 de dezembro de 2000

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DESESTATIZAÇÃO
Dinheiro que o governo deixou de embolsar equivale a três vezes o que o Santander pagou pelo Banespa
Moeda podre tira US$ 11 bi das privatizações

CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO

O governo federal já perdeu ou irá perder pelo menos US$ 11,113 bilhões do total de US$ 81,753 bilhões arrecadados até agora em todas as privatizações ocorridas no país desde outubro de 1991. Esse dinheiro que o governo deixa de embolsar equivale a três vezes o valor que o banco Santander pagou (US$ 3,7 bilhões) pelo controle do Banespa.
As perdas (que representam 13,6% da receita total das privatizações) correspondem à soma do valor real dos US$ 9,026 bilhões recebidos em "moedas podres" (títulos de dívidas federais) com o que os compradores das estatais receberão de volta ao longo dos próximos anos em créditos de Imposto de Renda.
O pagamento em "moedas podres", batizadas oficialmente como moedas de privatização, representou, na prática, US$ 4,513 bilhões, pois na época em que foram usados nas privatizações valiam em torno de 50% do valor de face.
Já a devolução de imposto de renda sobre o ágio obtido nos leilões das teles, de seis empresas do setor elétrico e do Banespa, representa, segundo cálculos de especialistas já divulgados, cerca de US$ 6,60 bilhões, sendo US$ 3,79 bilhões das teles e das elétricas e US$ 2,81 bilhões do Banespa.
Embora as contas envolvam privatizações de empresas federais e estaduais, as perdas são todas da União. Foi ela que recebeu a totalidade das "moedas podres" por suas empresas e os créditos de Imposto de Renda que os compradores têm direito a receber sairão de seus cofres.
Em relação aos US$ 54,432 bilhões que a União recebeu pela venda das suas empresas, os 11,113 bilhões de perdas correspondem a 20,41%.
Além de receber "moedas podres" por suas empresas e de ter que devolver parte dos ágios sobre os preços mínimos recebidos tanto por ela como pelos Estados, a União também financiou boa parte dos compradores das empresas, especialmente os das empresas estaduais.
O financiador foi o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), banco federal que é o gestor das privatizações federais (exceto as do setor financeiro) e assessor de grande parte das estaduais.
De acordo com dados do BNDES, ele financiou até agora US$ 3,684 bilhões. O último financiamento, ainda não formalizado, foi de US$ 91,5 milhões para o grupo Cataguazes Leopoldina, comprador da distribuidora paraibana Saelpa (Sociedade Anônima de Eletrificação da Paraíba).

Redução da dívida
De acordo com informações da Secretaria do Tesouro Nacional, a redução gerada pelas privatizações da dívida federal em poder do público, tomando-se por base os números de 31 de agosto de 2000, foi de R$ 67,414 bilhões.
A dívida total naquela data era de R$ 494 bilhões e seria de R$ 561,414 bilhões se não tivesse sido abatida com as privatizações. A redução, de acordo com os dados, foi de 12,01%.
O trabalho do Tesouro ressalta que nem todo o valor apurado nas privatizações federais foi usado para abater dívida. Muitas das empresas vendidas, especialmente as dos setores petroquímico, de fertilizantes e elétrico, não pertenciam diretamente à União, mas a empresas estatais.
Nesses casos, o governo era obrigado a dar às empresas controladoras daquelas privatizadas (na petroquímica, a maioria dos casos era de participações minoritárias da Petrobras) NTN (Notas do Tesouro Nacional) em troca dos recursos obtidos na privatização. Assim, na prática, não havia ganho direto para a União.
Até agora, foram 92 privatizações federais, incluindo o federalizado Banespa, e 39 estaduais. A desestatização envolveu os setores siderúrgico, petroquímico, de mineração, elétrico, de saneamento, de petróleo e gás, de telecomunicações, financeiro e de transportes.

Dez anos
O BNDES realiza hoje, a partir das 14h, o seminário "Dez anos do Programa Nacional de Desestatização", fazendo um retrospecto do programa, criado em 12 de abril de 1990 por meio da Lei nš 8.031. A primeira privatização do programa ocorreria um ano e meio depois, com a venda da Usiminas, em 24 de outubro de 1991.
Pelas contas do BNDES, as privatizações realizadas pelo PND (Programa Nacional de Desestatização) -envolve apenas as federais- , e as de outras origens já somam US$ 100,43 bilhões.
Essas contas incorporam, além dos valores nominais obtidos nos leilões e em outras formas de ofertas das empresas, US$ 18,076 bilhões de dívidas que essas empresas tinham no momento da privatização e que foram transferidas para o novo controlador.
A incorporação desse número nas estatísticas de privatizações começou a ser feita na gestão de Luiz Carlos Mendonça de Barros como presidente do BNDES, na época da privatização da Vale do Rio Doce (abril/maio de 1997).
Por esse conceito, os US$ 3,3 bilhões obtidos com a venda da Vale saltam para US$ 6,857 bilhões, somando-se ao valor de leilão uma dívida de US$ 3,558 bilhões.
Colaborou a sucursal de Brasília



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