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São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Lula entre Hoover e Roosevelt

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Hoje quero falar um pouco de dois presidentes dos EUA: Franklin Roosevelt e Herbert Hoover. O primeiro tomou posse em 1933, em plena Grande Depressão, com uma frase até hoje muito citada: "The only thing we have to fear is fear itself" ("A única coisa que devemos temer é o próprio medo"). Roosevelt sabia que a sua tarefa primordial era enfrentar o problema do desemprego em massa e "colocar as pessoas para trabalhar", como prometeu no seu discurso inaugural.
Para alcançar esse objetivo, era fundamental não se deixar dominar pelos receios imobilistas da ortodoxia econômico-financeira. Hoover, seu antecessor imediato, também tivera impulsos ativistas em matéria de política monetária e fiscal, mas acabara paralisado pelas advertências do Tesouro (o Ministério da Fazenda de lá), cuja primeira prioridade era garantir a estrita obediência às regras de boa conduta financeira, preservando o sacrossanto padrão-ouro. Segundo o ponto de vista ortodoxo, encampado pelo Tesouro, a disciplina monetária e a austeridade fiscal acabariam por fortalecer a confiança dos mercados, propiciando a recuperação dos níveis de produção e emprego.
Não deu certo. Enquanto o desemprego aumentava, Hoover pedia paciência e anunciava o iminente retorno do crescimento. "Prosperity is just around the corner" ("A prosperidade está logo ali, depois da esquina"), dizia ele, cunhando uma frase igualmente célebre e até hoje ridicularizada.
Roosevelt, ao contrário, resolveu passar um trator em cima dos escrúpulos ortodoxos. Já no seu primeiro ano, em 1933, abandonou o padrão-ouro, desvalorizou o dólar e começou a tirar os EUA da depressão. Lançou-se, assim, em uma trajetória política de grande sucesso. Pelo seu papel na Segunda Guerra Mundial e na luta contra a depressão, Roosevelt será sempre lembrado como um dos mais importantes presidentes da história americana. Porém, se tivesse ficado preso à sabedoria do establishment econômico-financeiro, teria terminado como o seu antecessor: na lata de lixo da história.
A analogia com a situação atual do Brasil é óbvia. Não tivemos, é verdade, uma "Grande Depressão". Em compensação, estamos estagnados há mais de 20 anos, desde o início da crise da dívida externa dos anos 1980. E essa "Grande Estagnação" também produziu desemprego em massa. O número de brasileiros desempregados e subempregados vem aumentando quase ininterruptamente, engrossando ano após ano o que Hélio Jaguaribe chamou de "exército de reserva do narcotráfico". Só dois ramos de atividade prosperam continuamente no Brasil: o crime organizado e o sistema financeiro.
Nas principais regiões metropolitanas, o quadro é alarmante. O desemprego total (que inclui o subemprego, o emprego precário e o desemprego por desalento) alcança 18% da População Economicamente Ativa em Porto Alegre, 20% em São Paulo, 21% em Belo Horizonte, 24% no Distrito Federal, 24% em Recife e 28% em Salvador.
O presidente Lula, tendo sido eleito sob o lema do "triunfo da esperança sobre o medo", bem que poderia incorporar um pouco do espírito de Franklin Roosevelt. Por enquanto, ele está mais para Herbert Hoover, infelizmente. Atravessou o seu primeiro ano praticamente imobilizado pelos temores e alertas da sua equipe econômica, sempre obcecada em alimentar a confiança dos mercados financeiros. Enquanto a produção encolhia e o desemprego crescia, o presidente anunciava um "espetáculo de crescimento" que os escrúpulos ortodoxos da Fazenda e do Banco Central foram se encarregando de inviabilizar.
Nos últimos meses, houve algum afrouxamento da política monetária e a economia começou a responder. Tudo indica que 2004 será um ano melhor, de certa recuperação dos níveis de atividade econômica e de emprego. No entanto uma taxa de crescimento de 3% ou 3,5% não será suficiente para reabsorver os desempregados e gerar empregos para os que ingressam no mercado de trabalho.
Volta e meia -imagino- o presidente tem os seus arroubos. Quer crescer, quer gerar empregos. Mas logo vem o ministro Palocci, devidamente instruído pelo seu plantel de economistas e financistas ortodoxos, e joga água na fervura presidencial.
Lula declarou recentemente que "não descarta" uma nova candidatura à Presidência em 2006. É natural e até previsível.
Mas "ojo!", como dizem os argentinos. Respeito à ortodoxia econômica e confiança dos meios financeiros nunca garantiram a eleição de ninguém.
Herbert Hoover também queria um segundo mandato, mas foi fragorosamente derrotado por Roosevelt nas eleições de 1932. Este último -caso único na história dos EUA- se reelegeria não uma, mas três vezes presidente da República.


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
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