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OPINIÃO ECONÔMICA
Lula entre Hoover e Roosevelt
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Hoje quero falar um pouco
de dois presidentes dos EUA:
Franklin Roosevelt e Herbert
Hoover. O primeiro tomou posse
em 1933, em plena Grande Depressão, com uma frase até hoje
muito citada: "The only thing we
have to fear is fear itself" ("A única coisa que devemos temer é o
próprio medo"). Roosevelt sabia
que a sua tarefa primordial era
enfrentar o problema do desemprego em massa e "colocar as pessoas para trabalhar", como prometeu no seu discurso inaugural.
Para alcançar esse objetivo, era
fundamental não se deixar dominar pelos receios imobilistas da
ortodoxia econômico-financeira.
Hoover, seu antecessor imediato,
também tivera impulsos ativistas
em matéria de política monetária
e fiscal, mas acabara paralisado
pelas advertências do Tesouro (o
Ministério da Fazenda de lá), cuja primeira prioridade era garantir a estrita obediência às regras
de boa conduta financeira, preservando o sacrossanto padrão-ouro. Segundo o ponto de vista
ortodoxo, encampado pelo Tesouro, a disciplina monetária e a
austeridade fiscal acabariam por
fortalecer a confiança dos mercados, propiciando a recuperação
dos níveis de produção e emprego.
Não deu certo. Enquanto o desemprego aumentava, Hoover pedia paciência e anunciava o iminente retorno do crescimento.
"Prosperity is just around the corner" ("A prosperidade está logo
ali, depois da esquina"), dizia ele,
cunhando uma frase igualmente
célebre e até hoje ridicularizada.
Roosevelt, ao contrário, resolveu passar um trator em cima dos
escrúpulos ortodoxos. Já no seu
primeiro ano, em 1933, abandonou o padrão-ouro, desvalorizou
o dólar e começou a tirar os EUA
da depressão. Lançou-se, assim,
em uma trajetória política de
grande sucesso. Pelo seu papel na
Segunda Guerra Mundial e na luta contra a depressão, Roosevelt
será sempre lembrado como um
dos mais importantes presidentes
da história americana. Porém, se
tivesse ficado preso à sabedoria
do establishment econômico-financeiro, teria terminado como o
seu antecessor: na lata de lixo da
história.
A analogia com a situação
atual do Brasil é óbvia. Não tivemos, é verdade, uma "Grande Depressão". Em compensação, estamos estagnados há mais de 20
anos, desde o início da crise da dívida externa dos anos 1980. E essa
"Grande Estagnação" também
produziu desemprego em massa.
O número de brasileiros desempregados e subempregados vem
aumentando quase ininterruptamente, engrossando ano após ano
o que Hélio Jaguaribe chamou de
"exército de reserva do narcotráfico". Só dois ramos de atividade
prosperam continuamente no
Brasil: o crime organizado e o sistema financeiro.
Nas principais regiões metropolitanas, o quadro é alarmante. O
desemprego total (que inclui o subemprego, o emprego precário e o
desemprego por desalento) alcança 18% da População Economicamente Ativa em Porto Alegre,
20% em São Paulo, 21% em Belo
Horizonte, 24% no Distrito Federal, 24% em Recife e 28% em Salvador.
O presidente Lula, tendo sido
eleito sob o lema do "triunfo da
esperança sobre o medo", bem
que poderia incorporar um pouco
do espírito de Franklin Roosevelt.
Por enquanto, ele está mais para
Herbert Hoover, infelizmente.
Atravessou o seu primeiro ano
praticamente imobilizado pelos
temores e alertas da sua equipe
econômica, sempre obcecada em
alimentar a confiança dos mercados financeiros. Enquanto a produção encolhia e o desemprego
crescia, o presidente anunciava
um "espetáculo de crescimento"
que os escrúpulos ortodoxos da
Fazenda e do Banco Central foram se encarregando de inviabilizar.
Nos últimos meses, houve algum afrouxamento da política
monetária e a economia começou
a responder. Tudo indica que
2004 será um ano melhor, de certa recuperação dos níveis de atividade econômica e de emprego. No
entanto uma taxa de crescimento
de 3% ou 3,5% não será suficiente
para reabsorver os desempregados e gerar empregos para os que
ingressam no mercado de trabalho.
Volta e meia -imagino- o
presidente tem os seus arroubos.
Quer crescer, quer gerar empregos. Mas logo vem o ministro Palocci, devidamente instruído pelo
seu plantel de economistas e financistas ortodoxos, e joga água
na fervura presidencial.
Lula declarou recentemente
que "não descarta" uma nova
candidatura à Presidência em
2006. É natural e até previsível.
Mas "ojo!", como dizem os argentinos. Respeito à ortodoxia
econômica e confiança dos meios
financeiros nunca garantiram a
eleição de ninguém.
Herbert Hoover também queria
um segundo mandato, mas foi
fragorosamente derrotado por
Roosevelt nas eleições de 1932. Este último -caso único na história dos EUA- se reelegeria não
uma, mas três vezes presidente da
República.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
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