São Paulo, segunda-feira, 04 de dezembro de 2006

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Doença holandesa e estagnação


A política de altos juros aprecia o real, e o resultado não é surpreendente: a quase estagnação em que vivemos


PARA INFORMAR seus leitores sobre o baixo crescimento da economia brasileira no terceiro trimestre deste ano, a manchete da Folha do último dia 1º foi: "Câmbio faz economia crescer só 0,5%". Bela manchete, de um jornal que já compreendeu o que está acontecendo com a economia brasileira. Nossa semi-estagnação decorre da política macroeconômica inspirada na ortodoxia convencional que tem como tripé câmbio baixo, juro alto e ajuste fiscal frouxo. O jornal privilegiou nesse dia o primeiro elemento do tripé, que é, de fato, o mais pernicioso dos três: o câmbio apreciado.
Não há desenvolvimento econômico possível sem taxa de câmbio competitiva. Ocorre que países em desenvolvimento como o Brasil sofrem os efeitos da tendência à manutenção da taxa de câmbio em um nível relativamente apreciado. Ora, uma taxa de câmbio relativamente apreciada inviabiliza a produção de bens com alto valor adicionado per capita, e, em conseqüência, o país não cresce.
Duas causas explicam essa tendência: uma é a "doença holandesa" ou maldição dos recursos naturais; a outra, a política de crescimento com poupança externa que a ortodoxia convencional recomenda aos países em desenvolvimento. A diferença entre uma e outra causa é que a doença holandesa é compatível com o equilíbrio da conta corrente, enquanto a política de crescimento com poupança externa implica, por definição, déficit em conta corrente e ameaça de crise de balanço de pagamentos. Uma terceira causa, específica do Brasil, é a política aqui praticada de juros altos. Desde os anos 1990, a economia brasileira padece dos três males.
A taxa de câmbio necessária para um país crescer é aquela que torna competitivas indústrias que estejam no estado da arte tecnológico. Se uma indústria utilizando a tecnologia mais moderna não tem capacidade de competir com empresas estrangeiras, é sinal de que a taxa de câmbio está apreciada. Na segunda metade dos anos 90, a política de crescimento com poupança externa foi a causa dominante e levou o país à crise de 1998; mais amplamente, porém, desde que o país abriu sua conta de capitais e perdeu controle sobre a taxa de câmbio, no início dos anos 90, a doença holandesa é a principal razão da quase estagnação.
Os principais causadores de doença holandesa, ou seja, de um nível apreciado e estável de taxa de câmbio de equilíbrio (que equilibra intertemporalmente a conta corrente), são o petróleo ou então os produtos agrícolas em que o país seja diferencialmente dotado de recursos naturais. Esses produtos possuem um custo de produção reduzido, podendo conviver com uma taxa de câmbio apreciada. O petróleo geralmente provoca doença holandesa violenta, que inviabiliza qualquer outra produção comercializável externamente; os produtos agrícolas, como a cana-de-açúcar ou o café, apreciações cambiais mais moderadas, mas igualmente mortíferas porque de longa duração.
Conforme mostrou Gabriel Palma em um trabalho que apresentou recentemente em São Paulo, a economia brasileira só logrou se desenvolver entre 1930 e 1980 porque sua política industrial e de proteção impedia que a doença holandesa atuasse. Em outras palavras, impedia que a taxa de câmbio efetiva (que decorria da proteção) se mantivesse relativamente apreciada. As autoridades econômicas não agiam de forma perfeitamente consciente porque não conheciam a teoria da doença holandesa, mas na prática faziam uma política para contrabalançá-la. Por essa razão, muita gente tem ainda saudades da política industrial, quando não era propriamente essa política, mas seus efeitos sobre a taxa de câmbio efetiva que eram cruciais.
Desde o início dos anos 1980, quando se desencadeou a alta inflação, o Estado brasileiro perdeu parte de sua capacidade de contrabalançar a doença holandesa e impedir a apreciação da taxa de câmbio; a partir de 1992, quando fez a abertura financeira, perdeu quase totalmente aquela capacidade. Não bastasse isso, adotou uma política de altos juros e de crescimento com poupança externa que apreciam ainda mais o real. O resultado não é surpreendente: é a quase estagnação em que vivemos.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".

Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br


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