São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008

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ARTIGO

Os horrores da "estagdeflação"

NOURIEL ROUBINI
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

A ECONOMIA dos EUA e mundial corre o risco de uma severa "estagdeflação", uma combinação mortífera de estagnação/recessão econômica e deflação.
Uma recessão mundial severa resultará em pressões deflacionárias. A queda na demanda resultará em inflação mais baixa, à medida que as empresas cortem preços para reduzir seus estoques excedentes. A folga nos mercados de trabalho gerada pelo desemprego ajudará a controlar os custos de mão-de-obra e os salários. A folga nos mercados de commodities devido à queda de preços também conduzirá a uma queda acentuada na inflação. Assim, o nível de inflação nas economias avançadas deve rumar ao patamar de 1%, que costuma despertar temores de deflação.
A deflação é perigosa porque resulta em armadilhas de liquidez, de deflação e de deflação de dívidas: as taxas de juros nominais não podem cair abaixo de zero, e com isso a política monetária perde a efetividade. Já estamos vivendo numa armadilha de liquidez, porque a taxa de fundos federais do Federal Reserve (o BC dos EUA) ainda é de 1%, mas a taxa efetiva está perto de zero, porque a instituição inundou o sistema financeiro com liquidez. Além disso, nas deflações a queda nos preços significa que o custo real do capital é elevado a despeito de taxas de juros próximas de zero, e isso resulta em novas quedas no consumo e no investimento. A queda na demanda e nos preços gera um círculo vicioso: a renda e o número de empregos caem, e isso gera novas quedas de demanda e preços (uma armadilha de deflação); e o valor real das dívidas nominais sobe (uma armadilha de deflação de dívida), o que torna os problemas dos devedores mais severos e leva a um risco crescente de inadimplência domiciliar e empresarial, o que exacerba os prejuízos das instituições financeiras com o crédito.
Como a política monetária tradicional está perdendo a efetividade, outras medidas não ortodoxas vêm sendo usadas: oferta maciça de liquidez aos bancos (para superar a perda de liquidez e reduzir o "spread" entre as taxas de juros de curto prazo no mercado e as taxas de juros oficiais) e políticas quase fiscais de resgate a investidores, devedores e credores. E ações políticas "malucas", ainda menos ortodoxas, tornam-se necessárias para reduzir o crescente "spread" entre as taxas de juros de longo prazo sobre os títulos do governo e as taxas de juros determinadas pela política monetária, bem como o alto "spread" entre as taxas de curto e de longo prazo e os títulos de curto e de longo prazo do governo.
Os bancos centrais são tradicionalmente o emprestador de último recurso, mas agora estão se tornando o primeiro e único recurso, porque os bancos comerciais não estão emprestando. Com o colapso no consumo domiciliar e nos gastos empresariais, os governos em breve se tornarão o último recurso também na ponta dos gastos, e os déficits fiscais dispararão.
A crise financeira já ganhou alcance mundial, porque os elos dos mercados financeiros transmitiram a todo o mundo o choque dos Estados Unidos. As perdas gerais de crédito provavelmente estão próximas de atordoantes US$ 2 trilhões. Assim, a menos que as instituições financeiras sejam rapidamente recapitalizadas pelos governos, a compressão de crédito se tornará ainda mais severa, caso os prejuízos cresçam mais rápido do que a recapitalização.
Mas, com os governos e bancos centrais incorporando aos seus balanços as perdas do setor privado, o déficit fiscal dos Estados Unidos superará o US$ 1 trilhão nos dois próximos anos. O Fed e o Tesouro estão assumindo imensos riscos de crédito, o que coloca em risco a solvência do governo dos Estados Unidos no longo prazo.
Nos próximos meses, o fluxo de notícias sobre resultados empresariais e sobre a macroeconomia será muito pior que o esperado. A compressão de crédito vai se agravar, e a desalavancagem continuará à medida que fundos de "hedge" e outras instituições se virem forçados a vender ativos em mercados desprovidos de liquidez e ainda abalados. Isso gerará uma nova queda em cascata dos preços, a quebra de novas instituições financeiras insolventes e crises financeiras abertas em algumas das economias de mercado emergente.
Ainda não superamos o pior período. 2009 será um ano doloroso de recessão mundial, deflação e falências. Apenas ações políticas muito agressivas e bem coordenadas poderão garantir que a economia mundial se recupere em 2010, em lugar de enfrentar estagnação e deflação prolongadas.


NOURIEL ROUBINI é professor de Economia na Escola Stern de Administração de Empresas, na Universidade de Nova York, e presidente da RGE Monitor, uma consultoria econômica.
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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