São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Ano Novo

JOÃO SAYAD

Pensamos por 1.500 anos que Jerusalém era o centro da Terra e a Terra, o centro do Universo. Afinal de contas, Deus só poderia ter nascido no centro do mundo e nós, como sempre, estávamos no centro do mundo.
Somos geocêntricos e egocêntricos. Bem-aventurado quem pensa que tudo começou no lugar e no dia em que nasceu, pois para ele, todo dia é um dia novo. Mas o desgraçado carrega consigo a culpa de todos os pecados do mundo.
O governo militar de 64 fez as reformas prometidas pelo governo que derrubou. Em 2003, o novo governo completou as últimas reformas propostas pelo governo anterior.
A Previdência brasileira foi reformada quando completou 30 anos. Daqui a 30 anos a nova previdência começará a pagar aposentadorias. Será solvente? Ou terá que ser reformada?
A criação de um banco central independente começou em 1945, com a criação da Sumoc -a Superintendência da Moeda e do Crédito. O Banco do Brasil exercia funções de banco central. O primeiro superintendente obrigou ingenuamente o Banco do Brasil a recolher as reservas compulsórias na conta da superintendência, para impedir que exercesse as funções do Banco Central, financiando o governo e "criando" moeda.
Vinte anos depois o governo militar criou o Banco Central, como uma poderosa autarquia cujo presidente teria mandato independente do mandato do Presidente da República. Em 1967, o presidente do Banco Central é despedido logo depois de explicar a independência de mandatos ao recém-empossado marechal Costa e Silva.
Vinte anos depois, em 1985, descobrimos que o Banco do Brasil ainda tinha uma conta movimento, isto é, continuava a financiar o Tesouro Nacional como se fosse banco central.
A independência do Banco Central começa efetivamente em 1991, com a prática de taxas de juros desnecessariamente altas, dados os déficits do Tesouro. De 1994 em diante, impõe despesas ao Tesouro para manter o câmbio sobrevalorizado. A política fiscal é dominada pela monetária -o Tesouro tem que produzir superávits primários do tamanho que for necessário para manter o câmbio sobrevalorizado.
Hoje, precisaríamos de um Tesouro Nacional independente. Entretanto aprovaremos a lei que formaliza a independência e a teimosia do Banco Central. A formalização legal da independência chega tarde e já precisaria ser reformada para que o Banco Central também obedecesse os critérios de responsabilidade fiscal.
Cem anos antes, em 1891, Rui Barbosa, ministro da Fazenda, tenta criar uma moeda nacional independente da moeda estrangeira. Fracassa em pouco tempo. Em 1993 o Brasil é o último país da América Latina a renegociar sua dívida. A inflação é controlada a partir da fixação da taxa cambial.
Foram oito anos sem inflação e crises decorrentes da sobrevalorização do dólar e da quantidade insuficiente de reservas. Em 2002 o câmbio é superdesvalorizado, a inflação cresce e em 2003, o governo aumenta as taxas de juros, consegue reduzir as taxas cambiais e controlar a inflação. As reservas em dólares são insuficientes.
Em 1965, o Tesouro Nacional começa a emitir títulos da dívida pública com correção monetária. Imaginava-se que a dívida poderia ser mais longa, com a proteção dada pela correção monetária. Desde então, o prazo médio da dívida sempre foi curto e dependente do estado geral da economia. Durante as crises, o prazo da dívida se encurta. Durante momentos de estabilidade, se alonga. Depois de 1998, além de correção monetária, o Banco Central oferece correção cambial, para evitar elevações da taxa de câmbio.
Em 2003 a dívida pública continua a ter todas as características da moeda nacional e até da moeda estrangeira -liquidez, ausência de risco e prazo. Há 38 anos tentamos alongar a dívida, sem saber por que e para que. Se for para reduzir os juros, não seria mais fácil, simplesmente, reduzir os juros?
Dante desce aos infernos acompanhado de Virgílio que escrevera a "Eneida" 1.300 anos antes. A "Eneida" começa com o verso "As armas e os homens...", as mesmas armas e os mesmos "varões assinalados" que iniciam os "Lusíadas" escrito às vésperas do descobrimento do Brasil. A "Eneida" relata a história da fundação de Roma após a derrota de Tróia, relatada por Homero e que teria ocorrido 1.300 anos antes da "Eneida".
Feliz Ano Novo. O que há de novo?


João Sayad, 57, economista, é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail - jsayad@attglobal.net


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