São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crise deve elevar inadimplência em 2009

Para especialistas, oferta recorde de crédito antes da turbulência pode se converter em calotes se a taxa de desemprego subir

Dados mais recentes do Banco Central, de junho, mostram 16,76 milhões de brasileiros com dívida bancária superior a R$ 5.000

JULIANA ROCHA
NEY HAYASHI DA CRUZ
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de oferecerem crédito facilitado e com prazos longos, os bancos devem amargar maior inadimplência neste ano. Especialistas alertam de que o aumento do desemprego no país pode levar a uma onda de calotes nas dívidas feitas antes da crise econômica mundial. Os últimos dados oficiais apontam para crescimento de 19,3% no endividamento do brasileiro. Em novembro, a inadimplência ficou em 7,8% do total que deveria ser pago no mês -a maior do ano. Em novembro de 2007, era de 7,1%.
O Sistema de Informações de Crédito do Banco Central, ao qual a Folha teve acesso, mostra que 16,76 milhões de pessoas têm dívidas bancárias acima de R$ 5.000. O dado é de junho -o último disponível, anterior ao agravamento da crise.
Em junho de 2007, o número de pessoas com dívidas altas era de 13,52 milhões, ou seja, o endividamento considerado elevado cresceu 19,3% em um ano. Na comparação em 18 meses, o aumento foi de 25%.
Após a piora da crise, houve desaceleração da oferta de crédito, mas o volume emprestado pelos bancos não caiu. Ao contrário, os novos clientes que tomaram financiamento pagaram taxas de juros mais altas, usando parcela maior da renda.
"O brasileiro entra em 2009 muito endividado. Se o desemprego crescer no primeiro trimestre, veremos um efeito no aumento da inadimplência. Acredito que isso já possa ocorrer no primeiro bimestre, quando as pessoas têm de pagar despesas extras de escola, IPVA, IPTU", afirmou Luiz Miguel Santacreu, analista de instituições financeiras da consultoria Austin Rating.
O desemprego no Brasil fez suas primeiras vítimas nos dois últimos meses de 2008. Demitido em 3 de dezembro de uma unidade da Vale em Itabira (MG), Joaquim Gomes Neto, 49, enfrenta dificuldades para pagar empréstimo feito há três anos, de R$ 35 mil, com prazo de sete anos. Na época, o salário de R$ 2.143 bastava para as parcelas mensais de R$ 600.
Com a demissão, ele ainda terá quatro anos para quitar os R$ 25 mil restantes. Como contribuía com a Valia (fundo de pensão da Vale), tem direito a R$ 740 mensais, dos quais sobram apenas R$ 140 para as despesas após pagar a dívida.
"Recebi meu FGTS. Estou conseguindo viver. Até porque não tem jeito. A gente aperta e o dinheiro tem de dar."

Carro e cartão de crédito
Os dados do BC mostram que as operações de crédito que mais cresceram em um ano foram as de leasing (arrendamento mercantil), usadas, na maioria das vezes, para a compra de automóveis (aumento de 146,4%) e o uso do crédito rotativo do cartão (47,7% de alta). Este último conta com a taxa de juros mais alta do mercado.
"O uso do crédito rotativo do cartão e do cheque especial é sinal de descontrole do orçamento familiar. Isso já acontecia antes da piora da crise. Mas, com o desemprego, vira uma bola-de-neve e um inferno a essas pessoas", diz Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec.
Embora os bancos estimulem o uso do crédito rotativo do cartão e do cheque especial, por terem juros mais altos, Braga recomenda que os clientes evitem essas dívidas. Ele diz que, em momento de incerteza, a melhor decisão é cortar gastos que não cabem no orçamento.
O economista Marcel Domingos Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo, alerta de que outro fator que pode elevar a inadimplência em 2009 é a menor disposição dos bancos em renegociar dívidas com seus clientes. Isso porque as instituições financeiras também têm sentido os efeitos da crise e enfrentam dificuldades para colocar dinheiro em caixa.
Apesar dos riscos, o governo diz que ainda há espaço para a expansão do crédito em 2009. O chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, ressalta que o grau de endividamento observado no Brasil ainda é baixo quando comparado com outros países.
Ele cita, por exemplo, o baixo volume de financiamentos habitacionais existentes no país. Hoje, os empréstimos para a compra de carros superam, em valor, os destinados para a aquisição de imóveis.
"Isso acontece porque os bancos não têm muitas opções para captar recursos que possam ser usados em financiamentos de longo prazo, como os habitacionais", diz Lopes.


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: BB e Caixa vão emprestar mais a pessoas físicas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.