|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
A mitologia grega e o petróleo brasileiro
LUIZ GONZAGA BERTELLI
A lenda de Aquiles é uma das
mais ricas da mitologia grega. O
seu retrato é o de um jovem de
grande coragem. Contudo o seu
ponto vulnerável é o calcanhar.
O petróleo continua sendo o calcanhar da economia brasileira.
É que o Brasil iniciou o ano de
2000 com cerca de 40% das suas
necessidades de petróleo e derivados importadas. Não menos
confortável é a situação do parque de refino nacional. Eis que
estamos consumindo em torno
de 1,8 milhão de barris diários
de derivados, enquanto a capacidade de processamento é de 1,5
milhão/dia.
Consoante as informações recolhidas, gastamos mais de US$
6 bilhões, no ano findo, em petróleo e derivados. Em decorrência, a balança comercial apresentou um déficit de US$ 1,3 bilhão, eis que as vendas externas
somaram US$ 48 bilhões.
Em 1981, o Brasil chegou a importar 80% do petróleo necessário. Estamos iniciando o último
ano do século com a extração
média de 1,1 milhão de barris,
preponderantemente na plataforma marítima, e são frequentes as assertivas governamentais
de que iremos alcançar a cogitada auto-suficiência, na próxima
década.
Desde o final de 1998, o preço
do óleo cru já subiu 150% no
mercado externo. O petróleo já
foi majorado, desde agosto de
1999, 23% em dólar, sem nenhum repasse no mercado interno. Os contratos futuros do petróleo voltaram a subir no final
do ano passado e o barril está
sendo negociado a US$ 25, US$
26. Dessa forma, devemos ter
reajustes nos preços dos combustíveis, neste primeiro trimestre.
Diante do preocupante quadro,
as empresas do setor de distribuição terão, doravante, de importar derivados ou participar
dos investimentos da nossa estatal petrolífera, na ampliação da
capacidade de refino. Em agosto, entrará em vigor, em decorrência de lei federal, a liberação
do mercado interno dos combustíveis. Haverá a possibilidade de livre importação do petróleo e seus derivados. A Agência
Nacional do Petróleo (ANP) tem
manifestado a intenção de eliminar o monopólio do refino da
Petrobras, bem como dos dutos
de transporte.
Dessa forma, os preços internos deverão refletir as variações
do mercado internacional. A
participação dos derivados de
petróleo no consumo final de
energia, em 1999, foi de mais de
30%.
Recentemente, uma conceituada consultoria internacional, voltada à área de energia,
recomendou a diminuição da
dependência do petróleo na matriz energética brasileira. Sugeriu, para tanto, a incrementação
das energias limpas e renováveis, como a do sol, biomassa,
eólicas, óleos vegetais e a reativação das pequenas usinas hidroelétricas. Ponderou que o álcool gera mais de 600 mil empregos diretos, no Estado paulista,
envolvendo 12 mil agricultores e
133 usinas.
Contudo, há mais de 30 anos,
o governo brasileiro vive um
grande dilema energético. Setores representativos governamentais repudiam a grande vocação
brasileira do aproveitamento da
biomassa brasileira, especialmente a de cana-de-açúcar. Alegam o fato de que a energia da
biomassa não apresentaria condições de competitividade com o
petróleo. Não levam em conta,
no entanto, as chamadas externalidades dos energéticos, que
deveriam trazer embutidos em
seus preços os malefícios ao meio
ambiente e, principalmente, à
saúde da população. Empunhar,
tão só, a bandeira dos defensores
de produção e refino do petróleo,
a qualquer preço, seria a diretriz
recomendada pelos arautos do
setor, nacionais e estrangeiros,
após as reengenharias e fusões
havidas, após a flexibilização do
monopólio do Estado. O tema
continua sendo polêmico, a sensibilizar acadêmicos ilustres,
editorialistas isentos e outros
parciais, induzidos quase sempre por enganosas e imprecisas
informações.
Inquestionavelmente o modelo energético brasileiro baseado
na energia renovável poderá, a
médio prazo, diminuir a importação de combustíveis.
Nos dias atuais, o álcool combustível (cerca de 11 bilhões litros anuais) substitui em torno
de 300 mil barris de petróleo
diários.
Somente um país continental,
de clima chuvoso e quente, como
é o Brasil, possui as condições
exigidas para a revolução científica e tecnológica, que caracterizará o início do próximo século.
Inquestionavelmente, o Proálcool, criado há 25 anos, representou a iniciativa de maior sucesso, em todo o mundo, na
substituição de derivados de petróleo, mediante o uso do álcool
adicionado à gasolina. Cerca de
4 milhões de veículos rodam, entre nós, utilizando exclusivamente o derivado de cana como
combustível.
Nos últimos meses o litro de álcool chegou a ser vendido a US$
0,08 (R$ 0,14). Hoje as indústrias
produtoras vendem o combustível a US$ 0,19 (R$ 0,34/litro). Em
face do aumento da produtividade, os preços do álcool permanecerão estáveis e mais baixos
que a gasolina.
Com isso, o Brasil ganhará:
com a redução do efeito estufa,
com a garantia do emprego no
campo e, acima de tudo, com a
redução das importações e dependência do petróleo.
Luiz Gonzaga Bertelli, 64, é diretor da Federação e Centro das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp/Ciesp) e da Associação
Comercial de São Paulo e presidente-executivo do Ciee (Centro de Integração Empresa-Escola).
Texto Anterior: Exuberância irracional: EUA têm menor desemprego desde 70 Próximo Texto: Infra-estrutura: Indústria de base deverá ter agência Índice
|