São Paulo, #!L#Sábado, 05 de Fevereiro de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

A mitologia grega e o petróleo brasileiro

LUIZ GONZAGA BERTELLI

A lenda de Aquiles é uma das mais ricas da mitologia grega. O seu retrato é o de um jovem de grande coragem. Contudo o seu ponto vulnerável é o calcanhar. O petróleo continua sendo o calcanhar da economia brasileira.
É que o Brasil iniciou o ano de 2000 com cerca de 40% das suas necessidades de petróleo e derivados importadas. Não menos confortável é a situação do parque de refino nacional. Eis que estamos consumindo em torno de 1,8 milhão de barris diários de derivados, enquanto a capacidade de processamento é de 1,5 milhão/dia.
Consoante as informações recolhidas, gastamos mais de US$ 6 bilhões, no ano findo, em petróleo e derivados. Em decorrência, a balança comercial apresentou um déficit de US$ 1,3 bilhão, eis que as vendas externas somaram US$ 48 bilhões.
Em 1981, o Brasil chegou a importar 80% do petróleo necessário. Estamos iniciando o último ano do século com a extração média de 1,1 milhão de barris, preponderantemente na plataforma marítima, e são frequentes as assertivas governamentais de que iremos alcançar a cogitada auto-suficiência, na próxima década.
Desde o final de 1998, o preço do óleo cru já subiu 150% no mercado externo. O petróleo já foi majorado, desde agosto de 1999, 23% em dólar, sem nenhum repasse no mercado interno. Os contratos futuros do petróleo voltaram a subir no final do ano passado e o barril está sendo negociado a US$ 25, US$ 26. Dessa forma, devemos ter reajustes nos preços dos combustíveis, neste primeiro trimestre. Diante do preocupante quadro, as empresas do setor de distribuição terão, doravante, de importar derivados ou participar dos investimentos da nossa estatal petrolífera, na ampliação da capacidade de refino. Em agosto, entrará em vigor, em decorrência de lei federal, a liberação do mercado interno dos combustíveis. Haverá a possibilidade de livre importação do petróleo e seus derivados. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem manifestado a intenção de eliminar o monopólio do refino da Petrobras, bem como dos dutos de transporte.
Dessa forma, os preços internos deverão refletir as variações do mercado internacional. A participação dos derivados de petróleo no consumo final de energia, em 1999, foi de mais de 30%.
Recentemente, uma conceituada consultoria internacional, voltada à área de energia, recomendou a diminuição da dependência do petróleo na matriz energética brasileira. Sugeriu, para tanto, a incrementação das energias limpas e renováveis, como a do sol, biomassa, eólicas, óleos vegetais e a reativação das pequenas usinas hidroelétricas. Ponderou que o álcool gera mais de 600 mil empregos diretos, no Estado paulista, envolvendo 12 mil agricultores e 133 usinas.
Contudo, há mais de 30 anos, o governo brasileiro vive um grande dilema energético. Setores representativos governamentais repudiam a grande vocação brasileira do aproveitamento da biomassa brasileira, especialmente a de cana-de-açúcar. Alegam o fato de que a energia da biomassa não apresentaria condições de competitividade com o petróleo. Não levam em conta, no entanto, as chamadas externalidades dos energéticos, que deveriam trazer embutidos em seus preços os malefícios ao meio ambiente e, principalmente, à saúde da população. Empunhar, tão só, a bandeira dos defensores de produção e refino do petróleo, a qualquer preço, seria a diretriz recomendada pelos arautos do setor, nacionais e estrangeiros, após as reengenharias e fusões havidas, após a flexibilização do monopólio do Estado. O tema continua sendo polêmico, a sensibilizar acadêmicos ilustres, editorialistas isentos e outros parciais, induzidos quase sempre por enganosas e imprecisas informações.
Inquestionavelmente o modelo energético brasileiro baseado na energia renovável poderá, a médio prazo, diminuir a importação de combustíveis.
Nos dias atuais, o álcool combustível (cerca de 11 bilhões litros anuais) substitui em torno de 300 mil barris de petróleo diários.
Somente um país continental, de clima chuvoso e quente, como é o Brasil, possui as condições exigidas para a revolução científica e tecnológica, que caracterizará o início do próximo século.
Inquestionavelmente, o Proálcool, criado há 25 anos, representou a iniciativa de maior sucesso, em todo o mundo, na substituição de derivados de petróleo, mediante o uso do álcool adicionado à gasolina. Cerca de 4 milhões de veículos rodam, entre nós, utilizando exclusivamente o derivado de cana como combustível.
Nos últimos meses o litro de álcool chegou a ser vendido a US$ 0,08 (R$ 0,14). Hoje as indústrias produtoras vendem o combustível a US$ 0,19 (R$ 0,34/litro). Em face do aumento da produtividade, os preços do álcool permanecerão estáveis e mais baixos que a gasolina.
Com isso, o Brasil ganhará: com a redução do efeito estufa, com a garantia do emprego no campo e, acima de tudo, com a redução das importações e dependência do petróleo.


Luiz Gonzaga Bertelli, 64, é diretor da Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp) e da Associação Comercial de São Paulo e presidente-executivo do Ciee (Centro de Integração Empresa-Escola).


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