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CONCORRÊNCIA
Pela primeira vez, conselho de defesa econômica desfaz um negócio de peso, alegando alta concentração de mercado
Cade determina que Nestlé venda Garoto
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) determinou ontem que a operação de
compra da brasileira Chocolates
Garoto pela multinacional Nestlé
seja desfeita em até 150 dias. Após
quatro horas de julgamento, que
ocorria sob segredo havia duas semanas, o conselho reprovou, por
cinco a um, a fusão das empresas
devido à alta concentração de
mercado resultante da operação.
Não há possibilidade de recurso
no âmbito do Cade. A decisão foi
tomada dois anos depois de o negócio ter sido fechado, por US$
250 milhões, em fevereiro de
2002. O único voto contrário foi
do presidente do Cade, João
Grandino Rodas, que defendeu a
aprovação com restrições. Ele foi
indicado no governo Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002).
Foi a primeira vez em que o
conselho determinou a desconstituição, integral, de uma operação
com empresas de peso. Em 2001,
ano anterior à fusão, a Nestlé faturou R$ 4,8 bilhões no Brasil, e a
Garoto, R$ 547 milhões.
Em seu voto, o relator do caso,
Thompson Andrade, argumentou que a operação deveria ser
desfeita porque gerou grande
concentração. Andrade também
foi indicado no governo FHC.
Um dos pareceres utilizados por
ele mostra que as duas empresas
teriam 100% do mercado de cobertura de chocolate líquida e
88,5% do de cobertura sólida.
O mesmo parecer, que foi elaborado pela SDE (Secretaria de
Direito Econômico), revela ainda
que no caso de caixas de bombons
a concentração chegaria a 66%.
No caso de chocolates para consumo imediato, a fatia seria de
63,1%. No de tabletes de 401 gramas até 500 gramas, 75,9%. Nos
tabletes de 101 g a 400 g, 52,9%.
O relatório cita dados da AC
Nielsen segundo os quais as empresas teriam 63,6% do mercado
total de chocolates (dados de
2003, baseados em volume de
vendas). Por faturamento, a concentração seria de 58,4% (dados
de 2001).
Além da elevada concentração,
a fusão criaria grandes barreiras
para a entrada de outras empresas
no setor, na avaliação do relator.
A última questão analisada por
ele foi o grau de eficiência gerado
pela fusão, que, segundo as próprias empresas, deveria atingir
um patamar mínimo de 12%.
"A última trincheira que seria
capaz de constituir um elemento
favorável à operação, que seria a
redução de custos decorrente da
fusão, acabou não se comprovando. A redução de custos [eficiência] ficou no máximo em 2,7%."
Embora tenha sido voto vencido, o presidente do Cade quis deixar clara sua posição. "Respeito
muito a decisão dos demais conselheiros, mas acho que havia um
jeito menos doloroso para resolver o problema", disse Grandino.
Para ele, a intervenção do Estado na economia poderia ser menor. Uma saída seria obrigar a
Nestlé a vender marcas ou partes
da empresa em que está caracterizada alta concentração.
Segundo a decisão, a Nestlé deverá em 20 dias, a contar da publicação da decisão, apresentar duas
empresas de auditoria aos conselheiros. A primeira fará uma auditoria na Garoto e preparará um
laudo pericial de avaliação de preço em 40 dias.
A segunda acompanhará todo o
processo de venda e também está
habilitada a identificar compradores para a Garoto. Depois de o
laudo ser encaminhado ao Cade e
aprovado em sessão do conselho,
a Nestlé deverá vender a Garoto
em 90 dias, sob pena de ser multada em R$ 30 mil diários. Os prazos
podem ser prorrogados.
Dos seis membros atuais do Cade, cinco foram indicados no governo passado. Apenas um foi nomeado no governo Lula, que também reconduziu um dos conselheiros. Até a decisão de ontem, as
outras duas de impacto do Cade
foram a que envolveu a compra
da Kolynos pela Colgate e a da fusão da Antarctica com a Brahma.
Nos dois casos, as operações foram aprovadas com restrições.
No primeiro, o Cade determinou
que a Colgate deixasse de usar
temporariamente a marca Kolynos, substituída pela Sorriso. No
da fusão das cervejarias, que formaram a AmBev, uma das determinações foi que a nova empresa
vendesse uma das marcas.
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