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LUÍS NASSIF
Barbeiragem e ortodoxia
Nos últimos dias, caiu a
ficha da opinião pública
sobre os estragos provocados pela imprudência do Banco Central no manejo da política monetária em 2003.
Mais estragos serão cometidos
em 2004. E só ocorreram e ocorrerão pela falta de coragem do
governo e por essa imprudência
de alguns setores da opinião pública de dividir o governo em
dois -os "modernos" e os
"atrasados"- e julgar que, ao
endossar as críticas às loucuras
do BC, se estariam fortalecendo
os "atrasados".
O que ocorreu em 2003 com a
política monetária é um desastre sob qualquer ótica. Não se
trata de ortodoxia versus heterodoxia, mas de barbeiragem. O
discurso dogmático sobre a independência do BC e essa visão
futebolística de dividir o mundo
entre "bons" e "maus" acabaram conferindo um poder ilimitado à autoridade monetária,
deixando o país sem defesas,
mesmo com setores "mercadistas" do próprio governo sabendo da insuficiência técnica da
atual diretoria do banco.
Uma das conseqüências mais
nefastas de uma política continuada de taxas elevadas de juros é que, ao aumentar o estoque da dívida, seus efeitos se
prolongam ao longo dos anos.
Vamos a um pequeno exercício
matemático, levando em conta
quatro variáveis:
1) crescimento do PIB: 2,5%
ao ano;
2) taxas de juros reais de financiamento da dívida pública:
8% reais ao ano;
3) superávit primário (excluindo o serviço e a amortização da dívida): 4,25% ao ano;
4) taxa de crescimento da economia: 2,5% ao ano.
Se se começasse 2004 com a
relação dívida/PIB em 55% (como era no início de 2003), em
2013 a relação teria caído para
52% -uma queda de 2,5 pontos percentuais apenas, com toda a dose de sacrifício embutida
nas hipóteses.
Mantidos todos os demais fatores, mas partindo de uma relação dívida/PIB de 58,5% (por
culpa da política de juros praticada em 2004), em 2013 a relação estará em 59% -sete pontos percentuais a mais, apenas
como decorrência dos juros praticados em 2003.
Agora suponha que o Copom
(Comitê de Política Monetária
do Banco Central) mantenha a
taxa real de juros em 10% em
2004 e, a partir de 2005, a reduza para 8%. Mantidos os demais fatores, em 2013 a relação
dívida/PIB estará em 61%.
A irresponsabilidade fiscal e
monetária do BC -de permitir
a alta de 3,5 pontos percentuais
na relação dívida/PIB em 2003,
mesmo com a queda do dólar, e
de manter o juro real em 10%
neste ano- significará, em
2013, nove pontos a mais na relação dívida/ PIB.
No pronunciamento de anteontem, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, justificou a parada na queda do juro com o argumento de que há
uma defasagem de seis meses
nos efeitos da política monetária -razão para suspender a
queda para avaliação.
Se se tinha consciência dessa
defasagem, por que, em abril e
maio do ano passado, quando a
atividade econômica derretia a
olhos vistos, não se procurou
amainar a queda ao acelerar a
redução de juros e ao ser prudente em relação à dívida pública? A própria equipe da Fazenda, intramuros, sustentava
haver espaço para queda de até
três pontos percentuais; o Copom baixou meio ponto. E nada se fez porque, mesmo sendo
o avalista de Henrique Meirelles, Palocci ficou prisioneiro da
ficção que criou.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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