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ARTIGO
Ajuste nas Bolsas dos EUA não chegou ao fim
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Será que o período de baixa
nos mercados dos EUA enfim
terminou?
A durabilidade e o vigor da recuperação da economia norte-americana (e mundial) dependerão pelo menos em parte de uma
resposta positiva. Infelizmente,
esse tipo de resposta só poderia
ser dado por alguém que acredite
em, se não seis, pelo menos quatro coisas impossíveis antes do café da manhã.
Se recordarmos a situação de
quatro anos atrás, teremos que
pensar em uma era de crença na
"nova economia" e numa alta
constante para os preços das
ações. Pelos padrões do final dos
anos 90, a era atual ostenta imensa moderação. Mas o adjetivo
"moderado" só se aplica a ela sob
esses padrões.
De 1881 em diante, as avaliações
das ações nas Bolsas dos EUA só
estiveram acima de seu patamar
atual duas vezes: em 1929-30 e nos
meses que marcaram o mais recente pico dos mercados. A questão que precisamos enfrentar é
determinar se essas avaliações deveriam, assim, passar a ser encaradas como norma. E minha resposta é "não".
Assim, até que ponto os mercados estão vulneráveis agora, depois da ascensão de 46% no índice
Standard & Poor's 500 (S&P 500)
de seu marco de baixa em março
de 2003 até agora?
Uma resposta encorajadora seria a de que resta muito a subir antes que o mercado volte ao pico
atingido em 2000. Mas, na verdade, essa resposta é menos encorajadora do que gostaríamos, porque aquele pico foi excepcional. A
relação entre preços e lucros das
ações negociadas hoje em dia (a
relação P/L) está mais ou menos
duas vezes acima de sua média de
longo prazo.
A relação P/L ciclicamente ajustada (a relação entre o valor do índice do mercado de ações e a média móvel dos lucros empresariais
reais), que é o método de avaliação proposto por Robert Shiller,
da Universidade Yale, está mais
de 70% acima de seu ponto médio. A razão de valorização de
ações (conhecida como Tobin's
Q, em homenagem ao economista James Tobin), que representa a
relação entre os mercados de
ações e o custo de substituição
dos ativos empresariais, oferece
diagnóstico semelhante.
Avaliações irreais
Como argumentam o professor
Shiller e Andrew Smithers, da
Smithers & Co., de Londres, as
avaliações de ações tendem a convergir para a média no longo prazo. Já que os mercados tendem a
essa média, avaliações excepcionalmente elevadas significam que
posteriormente é mais provável
uma queda do que uma alta dos
mercados.
O oposto se aplica a avaliações
relativamente baixas. Já que as
avaliações atuais são elevadas em
termos históricos, é mais provável, argumentam os pessimistas,
que os mercados caiam, em lugar
de subir, nos anos vindouros.
De que maneira os otimistas rebatem esse argumento? A primeira coisa impossível que alegam é
que está surgindo uma explosão
de lucratividade, que terminará
por validar os preços atuais.
É verdade que a proporção dos
lucros empresariais em relação ao
PIB (Produto Interno Bruto) disparou. De fato, ela se aproxima de
níveis vistos pela última vez em
1997. Mas esse é um indicador negativo, e não favorável.
As margens de lucros oscilam
acentuadamente no curto prazo,
mas os lucros tendem a subir de
acordo com o PIB em prazos mais
longos. Desde 1970, a relação entre lucros e PIB tem ficado em média em 8,4%. No terceiro trimestre de 2003, ela ultrapassou os
10,1%. Isso sugere que a relação
entre lucro e PIB tem agora mais
chance de cair do que de subir.
Além disso, como destaca Smithers, as margens de lucros estão
apenas 4% acima da média no setor não financeiro, enquanto no
financeiro elas superam a média
em 32%. Se a recuperação for tão
forte quanto os otimistas acreditam, as taxas de juros de curto e
longo prazo vão subir, mas as primeiras subirão mais que as segundas. Essa combinação decerto
prejudicará as margens de lucro
do setor financeiro.
Um segundo argumento impossível é que o prêmio (ágio) de
risco caiu, nas ações, a um patamar muito inferior ao nível histórico, o que justificaria, portanto,
as altas avaliações ostentadas nas
Bolsas hoje e a perspectiva de baixos retornos.
Custo e benefício
Esse argumento, usado amplamente antes que a bolha das ações
estourasse, é essencialmente o de
que as pessoas desfrutam de retornos elevados agora porque desejam retornos mais baixos no futuro. Os mercados, sob essa teoria, subiriam de uma vez, à medida que cai o prêmio de risco, e
mais tarde passariam a gerar retornos baixos, em comparação
com o padrão histórico.
A virada projetada sob esse argumento seria considerável. No
longo prazo, os retornos reais ostentam média de cerca de 6,5%.
Mas a relação P/L ciclicamente
ajustada que temos hoje implicaria retorno real de menos de 4%
no longo prazo.
O mesmo continua a valer se
acrescentarmos um crescimento
plausível para os dividendos, bem
como índices plausíveis de recompra de ações, ao dividendo
médio de 1,5% pago pelas empresas que compõem o S&P 500
atualmente.
Como apontaram Robert Arnott e Peter Bernstein, o crescimento dos dividendos não supera
o do PIB per capita. Mesmo que
possa haver otimismo quanto à
tendência de crescimento da produtividade nos EUA (o que implica aumento no PIB per capita), esse fator, uma vez mais, sugeriria
retornos reais de não mais de 4%
sobre o investimento em ações.
Assim, o que pedem que aceitemos é que as pessoas que agora
estão comprando no mercado o
fazem por acreditar que seus retornos serão de apenas 4%, antes
que paguem quaisquer dos custos. Esse é um conto de fadas para
corretores de ações.
Prêmio de risco
Um terceiro argumento impossível está diretamente relacionado
ao segundo. É o de que o prêmio
de risco pode entrar em colapso
sem afetar o custo do capital isento de riscos.
Imagine, por um momento, que
o prêmio de risco de capital tenha
caído. No entanto, ninguém está
sugerindo que o produto marginal do capital despencou. Pelo
contrário, muitos acreditam que
tenha subido, acompanhando os
ganhos de produtividade da economia.
Dessa forma, podemos considerar que, caso o prêmio tivesse caído acentuadamente, a taxa para o
capital livre de risco deveria ter
subido, para abrir o mercado para
os fundos passíveis de investimento. Mas a taxa para o capital
livre de risco não subiu. Com base
na inflação esperada para o ano
que vem, a taxa de juros para capital livre de riscos investido em
títulos do Tesouro dos EUA é de
apenas 2,5%.
Isso nos conduz a um quarto e
último argumento impossível, o
de que o retorno sobre o capital
independe de seu custo.
Um mercado de ações em alta
implica baixo custo para o capital
acionário. Mas as expectativas
confiantes sobre as boas perspectivas de crescimento econômico
implicam alto retorno sobre o capital corporativo.
No entanto, as duas tendências
precisam convergir. Podem fazê-lo de uma entre duas maneiras:
por meio de um boom de investimento que reduza os retornos sobre o capital corporativo ou por
meio de uma queda nos mercados de ações.
A primeira solução foi experimentada nos anos finais da bolha.
Mas o investimento caiu quando
os retornos caíram. O ajuste terá
de ocorrer, portanto, pela segunda rota: uma queda nos mercados
de ações.
E onde isso nos deixa? Preocupados, essa é a resposta.
O Federal Reserve (banco central dos EUA) ajudou a criar uma
minibolha, para aliviar o impacto
da explosão da megabolha. Isso
não provê base segura para uma
recuperação sustentada.
As avaliações das ações americanas não estão grotescamente altas desta vez. Mas continuam altas demais. A queda nos mercados ainda não acabou. E, até que
acabe, não podemos nos sentir
confiantes quanto à recuperação.
Tradução de Paulo Migliacci
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