|
Texto Anterior | Índice
COMÉRCIO
Antes na defensiva, sul-americanos reclamam de proposta dos EUA para uma Alca menos liberal
Mercosul agora acusa ricos de protecionismo
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PUEBLA
O Mercosul acusa os países ricos
das Américas de protecionismo,
numa inversão total da lógica que
prevalecia até então nas negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), na qual os
países do sul eram os acusados de
uma atitude defensiva.
"É um paradoxo os países que
se dizem favoráveis ao livre comércio pretenderem restringi-lo", reclama o chanceler Celso
Amorim, em conversa por telefone com a Folha.
O ministro alude ao fato de que
o documento apresentado pelo
G13 (conjunto de países liderados
pelos únicos ricos da Alca, Estados Unidos e Canadá) propõe liberalizar "substancialmente" todo o comércio, mas não todo ele,
ao contrário da proposta do Mercosul, que é de zerar todas as tarifas de importação, ainda que de
forma escalonada (imediatamente, em cinco anos, em dez anos e
em mais de dez anos).
Reforça essa noção, com uma
ironia, o chefe da delegação argentina para as negociações da
Alca, o vice-chanceler Martín Redrado: "Estamos à direita deles".
O usual é que os liberalizadores
sejam considerados de "direita",
ao passo que os protecionistas seriam de "esquerda".
Conseqüência
Do lado dos ricos, admite-se
francamente o retrocesso na posição liberalizadora, com o argumento de que, como houve uma
redução geral do nível de ambições na negociação da Alca, a proposta de derrubada de tarifas
também foi menos ambiciosa.
É uma alusão ao fato de que países como Canadá e EUA queriam
que a Alca não fosse apenas uma
questão de comércio de bens, mas
também criasse regras liberais para investimentos, compras do governo e serviços, entre outros.
Nessas, o Mercosul é que ficou
na defensiva, até obter, na Conferência Ministerial de Miami, em
novembro, uma "Alca light", que
prevê um conjunto comum de direitos e obrigações válidos para
todos os 34 países da negociação
e, em um segundo nível, acordos
plurilaterais mais ambiciosos,
mas não obrigatórios.
Agora, "se o nível de ambição é
baixo, será baixo em todos os temas", diz, por exemplo, Alícia
Frohmann, diretora-geral de Relações Econômicas Internacionais do governo chileno, um dos
países que assinaram o texto do
G13 (que ontem, aliás, passou a
ser G14, uma vez que El Salvador
aderiu ao grupo).
A troca de acusações sobre
quem é ou não ambicioso está levando a um impasse a 17ª reunião
do CNC (Comitê de Negociações
Comerciais), principal instância
técnica da Alca, o que põe em perigo todo o processo negociador.
Afinal, dessa reunião devem sair
as instruções para os diferentes
grupos negociadores, de forma
que se possa entrar de fato na formatação da Alca até o fim do ano,
prazo estabelecido desde o início
das negociações e reafirmado em
Miami.
Se não houver acordo, não haverá instruções, não haverá negociações e, ou desanda todo o processo ou, no mínimo, torna-se inteiramente inviável a data de janeiro de 2005 para que feche a negociação.
O prazo para um acordo começa a ficar curto: a reunião do CNC
termina amanhã e, até ontem, não
havia começado uma verdadeira
negociação para superar as divergências.
"Os países estão entrincheirados em seus documentos", afirma
a delegada chilena Frohmann, pelo lado do G14.
"O primeiro movimento tem
que ser deles", retruca, pelo Mercosul, o argentino Redrado.
Mas esse cenário que parece indicar um impasse não assusta, pelo menos não ainda, de acordo
com o ministro Celso Amorim:
"Se for medir os problemas pelo
número de telefonemas alarmados que recebo, posso dizer que
têm sido bem poucos".
A chilena Frohmann até concorda que seria possível vencer as
dificuldades técnicas da negociação, desde que houvesse vontade
política.
"E há"?, questionou a Folha.
"Se há, está muito dissimulada",
respondeu a delegada chilena.
Nó principal
O curioso é que o grande nó, o
que pode levar ao impasse definitivo, é uma única palavra: "substancialmente". Se o G14 retirar essa palavra e, por extensão, concordar que deverão ser eliminadas as tarifas para todo o comércio hemisférico, em vez de apenas
para "substancialmente todo o
comércio", há grandes chances de
que se ultrapassem os outros obstáculos.
As chances de a palavra ser retirada só começariam a ficar mais
claras na noite de ontem, em jantar teoricamente social para o
qual Peter Allgeier, o co-presidente pelos Estados Unidos das negociações para a Alca, convidou Argentina, Brasil, Uruguai, Equador, Canadá, Chile, México, Costa
Rica e um representante do Caricom (a comunidade dos países do
Caribe).
Pelo menos um ponto positivo
estará presente no jantar: a proposta do grupo liderado pelos
EUA para o segundo trilho da Alca (os acordos plurilaterais não-obrigatórios) é quase pacífica. O
Mercosul só tem uma objeção:
reivindica que os países que se
inscreverem como observadores
para as negociações desses acordos tenham direito a voz, o que é
vetado pelo texto do outro grupo.
Texto Anterior: Imposto de renda: Receita limita declaração em ficha de papel Índice
|